Reza a lenda que foi D. Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, quem cunhou a expressão “meter uma lança em África”, no século XV. Em pleno século XXI, o continente africano ainda parece um tabuleiro de xadrez dos EUA, França e Reino Unido. Não admira que a segunda maior economia do mundo queira entrar no jogo e inserir as suas peças, apesar do receio de uma nova Guerra Fria.
Em novembro de 2018, o Pentágono anunciou que o número de efetivos do exército dos EUA em África – o Comando dos Estados Unidos para África, mais conhecido por Africom – sofreria um corte de 10% nos anos seguintes, para se concentrar em outras zonas do globo e fazer face ao que considera ser ameaças militares por parte da Rússia e China. Na prática, esta redução de efetivos iria afetar os sete mil soldados do Africom, os quais participam em operações conjuntas com os exércitos nacionais de diversos países africanos, nomeadamente contra grupos jihadistas que operam no continente, assim como os outros dois mil que dão treino militar em quase 40 estados.
Todavia, desde que o anúncio foi feito ele tem dado que falar. Existem vozes nos partidos Republicano e Democrata que se mostram contra uma menor presença militar dos EUA, embora a administração do presidente Donald Trump tenha garantido que nenhuma decisão foi tomada: por agora, o Pentágono está a privatizar algumas das operações da Africom. Mas, e ao mesmo tempo, parece existir indícios que contradizem o discurso de ter uma presença mais ligeira em África. Conforme descobriu o site noticioso The Intercept no início deste ano, após ter conseguido aceder, legalmente, a documentos internos do exército norte-americano, os EUA têm uma rede de 27 bases espalhadas por África, sendo 15 delas de carácter “permanente” e outras 12 “menos-permanentes”. Acima de tudo, os documentos destacam, de acordo com o The Intercept, que “a Africom está a procurar ativamente aumentar a sua presença e está preparada para se expandir no futuro”.
Isto talvez explique, em parte, porque poderá a China querer aumentar a sua presença militar no continente, e, desta forma, atirar para debaixo do tapete o seu tão afamado ‘princípio de não-interferência’ nos assuntos internos de outros países. Em 2017 entrou em atividade a sua primeira base militar em território internacional, precisamente em África, no Djibuti – onde também existe uma dos EUA, assim como de outras nações –, estrategicamente localizada no Golfo de Áden, sendo que a China também dá formação militar a alguns países da região e marca presença em operações conjuntas de combate à pirataria.
Em África “há mais negócios chineses, mais interesses e mais ameaças e ataques a esses interesses e pessoas”, resume David Shinn, especialista em assuntos sino-africanos pela Universidade George Washington, nos EUA, à radioemissora alemã Deutsche Welle (DW). “Há uma intenção de proteger os interesses e pessoal chinês no continente", acrescenta.