segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

HOLOCAUSTO E A FOTO DOS HERÓIS LIBERTADORES – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O antissemitismo é igual à islamofobia, ao fundamentalismo islâmico, ao extermínio de palestinos na Faixa de Gaza, à intolerância acéfala de adventistas. Na Idade Média, a Europa usou as Cruzadas para matar “mouros” na chamada Reconquista Cristã. Milhões de seres humanos assassinados. Depois veio a Inquisição (Tribunal do Santo Ofício) que exterminou elites intelectuais, cientistas, artistas, o melhor que Espanha e Portugal tinham. 

No advento das viagens marítimas de portugueses e espanhóis foi a vez dos genocídios. Depois a escravatura e imediatamente a seguir o colonialismo. Milhões de seres humanos vendidos. Quem resistia, tinha a morte garantida. África foi ocupada por forças estrangeiras e transformada num gigantesco campo de concentração onde os colonialistas executaram o maior Holocausto que alguma vez se abateu sobre a Humanidade. Porque os executantes já sabiam, quanto mais não fosse pelos textos do Padre António Vieira, que índios e escravos negros “têm alma como nós”.

Ao referir “escravos negros” não estou a usar a cor por acaso. Um dia falarei dos escravos brancos e “pardos” que foram vendidos no Largo do Pelourinho em Luanda, no século XIX. Angola era uma colónia penal (imensa prisão) e criminosos de delito comum, presos políticos, de delito religioso ou social (prostitutas e homossexuais) eram enviados “a ferros” de Portugal para Angola. A Fortaleza de São Miguel foi a prisão onde dormiam. Durante o dia eram submetidos a trabalhos forçados. As e os mais jovens e fortes muitas vezes eram trocados por dinheiro nos leilões de escravos do Largo do Pelourinho.

O colonialismo tornou inócuos gravíssimos crimes. Matar um negro era normal. Escravizar seres humanos era um negócio vulgar. Possuir escravos ao serviço era sinal de elevação na escala social. Só os pobres de pedir não tinham escravos. Roubar no peso e na medida era uma virtude, se os roubados fossem negros. Ofensas corporais gravíssimas sobre negros, que podiam estropiar ou mesmo matar os agredidos, eram actos de justiça. Abusar sexualmente das mulheres negras, quantas mais melhor, era uma forma de mostrar poder económico e elevação na escala social. 

Hoje é o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Os nazis da Alemanha mataram nos campos de extermínio milhões de judeus. Três milhões de homens, dois milhões de mulheres e um milhão de crianças assassinados cruelmente. Em Julho de 1944, as forças soviéticas foram as primeiras a chegar a um campo nazi de extermínio, Majdanek, perto da cidade de Lublin, na Polónia. Logo a seguir os soviéticos libertaram as vítimas dos campos de Belzec, Sobibor e Treblinka. Os libertadores encontraram, horrorizados, seres humanos que estavam praticamente reduzidos aos esqueletos.

Em janeiro de 1945, os soviéticos liberaram Auschwitz, o maior campo de extermínio. Além de resgatarem as vítimas, recolheram provas abundantes da política de extermínio. Em Washington, o presidente Harry Truman tomou posse no dia 12 de abril de 1945. Quando soube do papel libertador das tropas da União Soviética (Exército Vermelho), tomou imediatamente medidas contra “a ameaça socialista”. No dia 12 de março de 1947, proferiu no Congresso Nacional um discurso agressivo em defesa do “mundo capitalista” Assim nasceu a Doutrina Truman, contra a liberdade e a ideia luminosa do socialismo.

Em Agosto de 1945, Truman tinha mostrado ao mundo que Hitler tinha um sucessor à altura. Mandou bombardear as cidades japonesas de Nagasaki e Hiroshima. Pela primeira vez na História da Humanidade um país despejou bombas atómicas contra alvos civis, já a II Guerra Mundial tinha terminado. Os antecessores de Truman, nomeadamente Roosevelt, prepararam este Holocausto no Japão, com muita antecedência, ao criarem o Projecto Manhattan, um consórcio militar constituído pelos EUA, Reino Unido e Canadá, com a missão de desenvolver armas nucleares.

Este projecto para criar armas de extermínio em massa começou no início de 1939 sob a liderança do general Leslie Groves. Em 1944, empregava 13.000 pessoas e tinha consumido, aos preços de hoje, 30 mil milhões de dólares. Em Agosto de 1945, duas cidades japonesas foram destruídas por bombas atómicas. Centenas de milhares de vítimas civis! Gerações de sere humanos com graves problemas de saúde devido aos efeitos das radiações nucleares. Os nazis usaram campos de extermínio e gás contra os judeus e outras minorias. Os “aliados”, para defenderem o ocidente democrático e livre, gastaram uma fortuna incalculável fabricando armas de destruição maciça!

Em distintas épocas da História Universal, povos e governos praticaram genocídios para submeter os outros. África é o continente mártir. Angola e os angolanos foram vítimas do esclavagismo e do colonialismo. Mas ergueram-se de armas na mão e em duas etapas salvaram a Humanidade da mancha vergonhosa do colonialismo, primeiro. Depois destroçaram o regime nazi de Pretória e seus aliados da UNITA. 

Os angolanos sabem o que quer dizer Holocausto. Porque foram vítimas de políticas de estado que visavam o extermínio de todos os que não aceitaram a dominação estrangeira e se bateram pelo colonialismo. Muitos sofreram sevícias e torturas. Foram encerrados nas prisões do colonialismo ou nos campos de concentração: Missombo, São Nicolau (Bentiaba) e Tarrafal (Cabo Verde). Agostinho Neto, o nosso líder, foi preso quando estudava Medicina em Portugal. Novamente preso em Luanda. Deportado para Cabo Verde.

Hoje é dia de reservarmos um pensamento de solidariedade muito profundo para com as vítimas do Holocausto. É dia de exigirmos aos governos e às instituições internacionais que sejam banidas sem contemplações taras como o racismo e a xenofobia. Mas também é dia para honrarmos os Heróis Nacionais que fizeram a Luta Armada de Libertação Nacional, sob a bandeira do MPLA, esmagando o colonialismo. E os Heróis Nacionais que fizeram a Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial, entre 1976 e 2002.

Um amigo mandou-me material precioso que vou partilhar, para que a memória não fique tão curta, tão apagada, tão irrelevante que nem serve para nos dizer quem somos. Seria pior do que negar o Holocausto! Trata-se da foto de uma equipa de futebol constituída por Heróis do Povo Angolano. Foi tirada no velho Estádio dos Coqueiros, num jogo disputado entre camaradas. O meu amigo recorda que nesse jogo histórico foi lançada a semente para no ano seguinte ser constituído o Primeiro de Agosto, Clube Central das Forças Armadas.

Aí vai a foto e os nomes dos Heróis Nacionais que alinharam pela equipa do “maquis”: 


Dibala, Mona, Loy, Ngongo, Kassessa, Che-Guevara, Saydi Mingas, Nvunda, Ndalu e Katiana (em pé, da esquerda para a direita). José Eduardo dos Santos, Bula, Kito, Brito Sozinho, Toca, Onambué, Xietu, Dimuca e Jujú (em baixo, da esquerda para a direita)

O comandante Bula (segundo em baixo, da esquerda para a direita) e o ministro Saydi Mingas (quarto em cima da direita para a esquerda) foram assassinados durante o golpe militar de 27 de Maio de 1977.

Mais um pormenor. Avelino Mingas (Saydi) foi atleta de alto nível ao serviço do Sport Lisboa e Benfica. António França (Ndalu), na foto é o segundo em pé, da direita para a esquerda, foi futebolista do Sporting Clube de Portugal e da Associação Académica de Coimbra. Um craque que mostrou a sua imensa categoria envergando a camisola negra da “Briosa”. 

José Eduardo dos Santos (primeiro em baixo, a partir da esquerda) era o melhor futebolista da equipa do Liceu Salvador Correia. E os outros não eram coxos. Espírito Santo, o guarda-redes mágico que voava de um ao outro poste da baliza e era feito de borracha, Nicola Berardineli, Assunção, Justino Fernandes (o melhor defesa central do mundo), Adérito Raquel, Pedro Gomes e outros que não sendo tão bons metiam o Messi e o Ronaldo no bolso. Se pensam que estou a bajular o anterior Presidente da República estão muito enganados. Ele era mesmo craque (jogava futebol federado no FC Luanda) e era um atleta eclético. 

O Ngongo (Nini), quarto, em pé, da esquerda para a direita, jogava basquetebol com o mano Jaimito. Nem na NBA havia melhor!

Que nunca os angolanos permitam o Holocausto da memória dos nossos Heróis Nacionais.

Estou de férias. Deixem-me descansar.

* Jornalista

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