Cândida Almeida* | Jornal de Notícias | opinião
Da análise perfunctória do diploma em causa, poderá concluir-se pela assertividade, coerência e equilíbrio das alterações e aditamentos introduzidos aos vários normativos ali elencados.
No entanto, em linhas gerais, o plano de combate à corrupção procede ao agravamento das molduras penais previstas para os crimes cometidos pelos titulares de cargos políticos, de altos cargos públicos e de funcionários.
Abarca no conceito sociológico de corrupção os crimes de fraude, peculato, participação económica em negócio e de tráfico de influência, aproximando-os do tratamento jurídico da corrupção. As alterações àqueles normativos procuram responder e garantir a constitucionalidade dos interesses dicotómicos que ao Estado de direito democrático importa prosseguir, a efectividade da paz jurídica, do "ius imperii", e, em simultâneo, os direitos fundamentais do arguido. Inovadores são os normativos atinentes à isenção e à atenuação especial da pena.
Talvez com estes instrumentos jurídicos se venham a obter mais denúncias sustentáveis e sustentadas. Se assim for, importa ter presente que, em reforço de uma eventual denúncia séria e indiciada, o denunciante pode ainda contar com uma garantia de protecção física e psicológica, prevista na lei da protecção das testemunhas.
Desde a ocultação da testemunha, à teleconferência, à não revelação da sua identidade, ocultação da sua imagem e voz às medidas e programas especiais de segurança, que incluem a deslocação da testemunha para residência não identificada, o denunciante verá protegida a sua integridade física e, mediatamente, a sua estabilidade psicológica. Estas medidas são aplicáveis aos seus familiares, se for caso disso. Meios especiais de investigação, não será possível ir muito mais além sem lesar os direitos do arguido.
O MP, directamente ou pelos OPC, nomeadamente a PJ, pode recorrer durante a fase de inquérito a acções encobertas, ordenar a quebra de segredo profissional dos bancos e instituições financeiras, aceder às bases de dados fiscais e proceder ao controlo de contas bancárias. Com a autorização do juiz competente, o MP pode proceder ao registo de voz e imagem. Em caso de condenação, o arguido fica sujeito à perda de bens, presumindo-se constituir vantagens da actividade corruptiva a diferença entre o valor do património daquele e o que seja congruente com o seu rendimento licito.
Esta panóplia de meios especiais de investigação parecem-me roçar os limites admissíveis de um Estado de direito democrático. Caberá à prevenção, a partir das escolas, a sensibilização pública sistemática para a intolerância comunitária do mercadejar com o cargo público.
A corrupção ofende o princípio constitucional da igualdade de oportunidades, desvirtua o mérito e qualidade a favor da mediocridade. Combatê-la é um imperativo societário, mas sem cruzadas e sem julgamentos na praça pública que, por vezes, se convertem em nada. (continua)
*Ex-diretora do DCIAP
(A autora (na imagem) escreve segundo a antiga ortografia)
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