terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Portugal | NO DIA 30 DESPERDIÇAREMOS UM BEM ESCASSO, O VOTO

Daniel Oliveira* | TSF | opinião

Daniel Oliveira lembra que "nem todos" os portugueses poderão votar no dia 30 de janeiro, devido ao confinamento de "centenas de milhares de portugueses" por "estarem infetados ou terem tido contactos de risco".

"No dia 30 de janeiro, vamos votar, mas nem todos o poderão fazer. Para além de não ser claro como conseguiremos recolher os votos das centenas de milhares de portugueses que estarão confinados por estarem infetados ou terem tido contactos de risco, não se resolveu a situação dos que sejam infetados depois do dia 20 de janeiro", afirma o cronista.

No espaço de Opinião que ocupa semanalmente na TSF, Daniel Oliveira sublinha que "para esses [os que fiquem infetados depois de 20 de janeiro], uma violação da Constituição, o mais sagrado direito numa democracia está vedado". "A bonomia com que as autoridades aceitam que estes cidadãos, impedidos pelo próprio Estado de sair de casa, sejam privados do voto, deixa-me estarrecido", refere, considerando que "é como se para alguns políticos as eleições fossem uma mera formalidade".

Para o jornalista, "não é indiferente se são centenas ou centenas de milhares, porque, além do direito individual de cada um, está em causa a legitimidade democrática das eleições. Uma coisa é faltarem uns quantos votos sem qualquer impacto nos resultados, outra é isto ter uma dimensão que distorce a verdade da vontade popular".

Daniel Oliveira relembra que estas são as terceiras eleições em pandemia, tendo havido "tempo e experiência para encontrar soluções".

"É incompreensível que um boicote a uma mesa de voto tenha solução e ela não exista para os que ficam oficialmente retidos em casa num momento em que a inscrição para o voto antecipado já é impossível. Só não há solução, porque a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o Ministério da Administração Interna (MAI) se estiveram nas tintas", diz.

O cronista admite que "a questão não é a data das eleições", dado que "ninguém poderia adivinhar que a Ómicron chegaria. Esta outra variante poderia aparecer agora ou daqui a um mês". Daniel Oliveira assinala que a questão é a seguinte: "Passado um ano das presidenciais, que já foram tão difíceis de organizar, não se alterou nada para que as eleições pudessem acontecer sem este sobressalto."

"Não são seguramente polícias e militares a recolher votos, como propôs um deputado que, apesar de liberal, não lhe tocam as sinetas perante a possibilidade de termos de entregar o nosso voto a representantes armados do Estado, que resolverão o problema. Nem me parece que aligeirar as regras de confinamento no domingo eleitoral fosse a melhor solução. Só se for para os partidos que desprezam esta pandemia, porque apenas afastaria das mesas de voto as pessoas mais temerosas do vírus, com medo deste laxismo", argumenta.

De acordo com a perspetiva do jornalista, esta questão "resolvia-se generalizando o voto antecipado ou montando uma estrutura que permita a recolha de votos de quem esteja confinado até ao último dia de campanha". Contudo, "isto exigia logística e preparação e implicaria que as autoridades levassem tão a sério as eleições como levam o processo de vacinação".

"Não é apenas o Governo que falha. É o Parlamento. E foi atónito que, meses depois das eleições marcadas, semanas depois de se perceber que estávamos perante uma variante muito contagiosa que irá por cada vez mais pessoas em confinamento, ouvi o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições dizer que o assunto nem sequer foi conversado entre a CNE e a secretaria-geral do MAI", frisa, indicando que "os burocratas seguiram a sua vida como se a perda do direito de voto fosse irrelevante ao lado das minudências absurdas a que se costumam dedicar, como a sabotagem de debates praticáveis em campanha eleitoral ou a fiscalização de uns anúncios de obras feitos pelas câmaras municipais".

Daniel Oliveira explica que, tal como aconteceu nas presidenciais, "eleições no meio de uma vaga pandémica são um convite à abstenção". "Muitos portugueses têm medo de ir votar, sobretudo, os mais idosos. A falta de voluntários e os procedimentos mais exigentes levam a grandes filas desmotivadoras. Tudo é um convite à abstenção que não deixará de favorecer as forças políticas que, durante estes anos, ou negaram os riscos do vírus, ou apelaram à irresponsabilidade. Esses não deixarão de estar presentes", considera.

Na opinião do jornalista, "deixar no canto do prato da democracia todos os cidadãos que querem exercer o seu direito de voto e estarão retidos em casa é dispensar um bem cada vez mais escasso, o da cidadania democrática". "Era sobre isto que esperava ter ouvido o Presidente da República falar no sábado. Se há coisa perturba o regular funcionamento das instituições democráticas é a perda do direito ao voto de dezenas ou centenas de milhares de cidadãos", reforça.

"Já não chega os votos que se perdem para a abstenção. Já não chega os votos que se perdem em círculos eleitorais demasiado pequenos para se traduzirem em mandatos. Agora damo-nos ao luxo de dispensar os votos dos que querem mesmo votar", acrescenta.

* Texto redigido por Carolina Quaresma

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