domingo, 9 de janeiro de 2022

Portugal | A SAÚDE DE COSTA (S)

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Durante quase dois anos trancaram milhares de portugueses saudáveis em casa. Milhares sem sintomas e milhares saudáveis, assintomáticos e até vacinados. Enquanto isso decorreram três eleições nas quais milhares ficaram, por isso mesmo, privados de votar. Inibidos de (mais) um direito fundamental. Isto já para não falar dos milhões que foram votar de máscara (quase todos), ou seja, sem serem devidamente identificados. Tudo isto podia ter conduzido à impugnação dos respectivos actos eleitorais. Se calhar tinha sido melhor. Certo é que agora, à quarta ida às urnas nestas fragilíssimas condições do regime dito democrático, agora que a esbulharia já atinge tantos que ameaça os privilégios de quem esbulha, do punhado que pretende ser eleito, agora estão preocupados. Convém não esquecer que todos os partidos com mais de 50 mil votos recebem 3 euros por cada um. Anualmente. Para as forças partidárias cada voto conta. Literalmente. Ou seja, só se importam com as garantias constitucionais do povo quando lhes beliscam o conforto. Que miséria. 20 meses para preparar eleições, para assegurar o pleno direito de todos - doentes, confinados, saudáveis - e népia. Nada.

Reparem - o direito à liberdade, o direito de circulação, o direito ao trabalho estão também consagrados na constituição e não podem ser suprimidos por resolução do conselho de ministros ou orientações da DGS. Mas como esses ataques favoreceram o poder, musculam-no; o poder promove e aplaude. Já como impedir o voto não lhe convém, logo se levanta a comissão nacional de eleições, o presidente da república, os partidos, a procuradoria geral da república.

Vejamos. Ou o isolamento é determinante para estancar contágios e mantém-se, ou não é necessário por razões de saúde pública (só para engordar o poder) e deve ser de imediata e definitivamente extinto.

Até porque, como é evidente, a tentativa de maximizar eleitores colocando todos a votar em simultâneo, depois de tanto tempo a injectar medo em estado puro directo no seu cérebro, terá o efeito oposto porque muitos viverão o terror de serem naturalmente imunizados (mesmo estando vacinados, com máscara e com distanciamento).

Claro que para ser coerente, o governo deveria ter planeado outras soluções, desde um trabalho conjunto com as autarquias, lançando urnas móveis, universalizar o voto por correspondência ou até voluntariado específico para mesas de voto de isolados (estou disponível). Note-se que teria que ser acautelada a impossibilidade destes eleitores deslocarem-se a outras freguesias para votar. Sucede que toda a logística não sendo para génios é complexa e é difícil implementar em 15 dias. Por fim, recorde-se que não são possíveis alterações legislativas - a assembleia da república está dissolvida. E para deixar de estar precisa de... eleições.

Afinal, se não puder ter os votos dos isolados, que pretenderá Costa? Adiar a ida às urnas? Remarcar para uma altura com menos casos (basta testar menos ou esperar pela sazonalidade que antes não se podia invocar)? Passar mais umas semanas sem escrutínio do parlamento e com via verde na bazuka? Uma destas será até porque, como fica provado com esta polémica, não é nem a saúde da democracia nem a saúde dos portugueses que o move. Tão pouco o que o confina.

*Psicóloga clínica

Escreve de acordo com a antiga ortografia

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