quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS -- A Mãe dos Rios É Eterna

Seke La Bindo

A nascente do rio nunca muda e vive para todo o sempre no seio da montanha donde brota. As águas correm eternamente para a foz, mesmo que pareçam paradas e escondam a bocarra do jacaré. 

As mães dos rios são eternas e ainda que sejam da espessura de um fio de água, têm a força suficiente para gerar o grande rio Zaire ou o traiçoeiro Mbridge! Kiangala, caçador de kimpitis, queria ser assim, ter sempre o mesmo rumo, a mesma origem, dormir no mesmo leito e espraiar-se na imensidão do mar. 

Querer é fácil mas conseguir exige tantos trabalhos, que por vezes baixamos os braços e resignados ficamos à espera que a vida nos dê na boca os frutos madurinhos. A grande diferença entre os homens e os rios está na mãe e no leito. 

Kiangala aprendeu por si que se a mãe de um rio é eterna, os sentimentos dos homens mudam profundamente entre o anoitecer e a madrugada. Os sentimentos volúveis fizeram dele um homem taciturno e esquivo. Mas um dia tudo mudou. 

Yangalala, a princesa do reino da Felicidade, andava a colher nsafu quando encontrou o caçador. 

- Estás triste, caçador? Fala dessa tristeza que te parte o coração.

Kiangala ficou calado, contemplando a bela princesa que surgiu na mata, transportada por uma nuvem de cacimbo que desceu das montanhas da Damba. Ainda pairava quando o interpelou.

- O meu coração agora está triste, mas quando apanhar uma presa fica alegre! – Disse ele à princesa do reino da Felicidade.

Yangalala sorriu, sentou-se numa pedra, por cima do longo manto e falou com a sua voz límpida: 

- No meu reino, estamos sempre alegres, porque nós sabemos que o fundo do coração vai para além do fim do mundo. E os nossos ancestrais ensinaram ao seu povo: avo zola tunda, kukadi ye ntima bala ko! Quem quiser ser amado não pode ter uma pedra no lugar do coração.

Dito isto, Yangalala partiu como chegou, ascendendo às alturas, até desaparecer na nuvem de cacimbo que cobria as encostas das montanhas. 

Kiangala seguiu o rasto de uma corça e desapareceu na mata. 

Ao fim do dia chegou a casa carregando às costas carne fresca. Mas estava tão cansado que foi dormir. É no sono que ignoramos as tristezas e temos os melhores sonhos. E quem sonha é mais do que um rio.

No dia seguinte, de manhãzinha, Kiangala voltou a percorrer os trilhos onde encontrou a princesa do reino da Felicidade. Não encontrou o seu belo rosto nem o manto brilhante que lhe envolvia o corpo. Mas de repente ouviu um cântico celestial, junto à nascente do regato que corre rumo à aldeia.

As vozes brotavam da mãe do rio num misto de alegria e musicalidade. A mensagem de Yangalala para o triste caçador ainda hoje está escrita em todos os corações dos Nlwa: zola, vuvu ye lukwikilu, i mavunzi matatu manatang’e nza, ye zingisa muntu. Amor, esperança e fé são os alicerces do mundo e o alimento do Homem.

Desde então, naquelas paragens os tambores propagam aos sete ventos a canção da mãe dos rios e quando as manhãs de cacimbo parecem mais tristes que a morte, a princesa Yangalala espanta os males de amor, cantando ao coração dos que foram rejeitados. 

Kiangala ficou em paz e os rios continuam a correr partindo de sua eterna mãe.

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