Um homem e sua mulher saíram da
aldeia com o gado
- Tenho de voltar a casa porque me esqueci da agulha, disse ela ao marido.
E o pastor respondeu:
- Não podemos voltar os dois para trás e tu não podes andar por esses caminhos sozinha, estes matos estão cheios de bichos que comem gente.
Mas a mulher insistiu e voltou mesmo para trás. O marido continuou com a manada à procura de água e pasto. Depois de uma longa jornada, a mulher, que estava grávida, sentou-se a descansar. Estava ela em repouso quando ao longe viu um gigante.
A mulher ficou tão assustada que se escondeu numa toca. O gigante escavou, escavou mas a toca tinha galerias subterrâneas e ela conseguiu escapar. Estava nestes trabalhos da fuga quando sentiu os primeiros sinais de parto. Procurou um lugar limpo da toca e ali deu à luz dois rapazes.
Os dois irmãos cresceram à luz do dia e fizeram-se caçadores. Na primeira caçada, trouxeram para casa lebres, ratos e lagartos. Quando chegaram a casa a mãe viu os bichos e disse aos filhos:
- Podemos comer tudo menos os lagartos porque têm veneno.
Os rapazes ganharam tal perícia, que todos os dias traziam para casa uma peça de caça. Um dia caçaram um grande cudo e resolveram esfolá-lo sob uma omu-nyele, no rio seco. Quando terminaram o trabalho disse um:
- E agora o que vamos fazer deste sangue?
Junto à árvore estava uma talha e eles foram pôr o sangue lá dentro, mas viram que a boca estava virada para baixo. Quando começaram a virá-la ouviu-se uma voz:
- Não me voltem para cima! Não me voltem para cima!
Um gémeo disse ao irmão:
- Pára, obedece a essa voz. Mas o outro respondeu:
- Não tenhas medo, não devemos obedecer a vozes ocultas.
E começou a abanar a talha. De novo se ouve a voz vinda do além:
- Não me voltem para cima! Não me voltem para cima!
Os dois irmãos perguntaram em uníssono:
- Quem és tu e o que queres? Temos sangue para te dar.
- Não me chega! Não me chega!
- Temos um cudo gordo e já esfolado.
- Não me chega! Não me chega!
- Matámos uma gunga.
- Não me chega! Não me chega!
Matámos um nunce.
- Não me chega! Não me chega!
- Matámos um elefante.
- Isso sim, já me chega!
Os dois gémeos despegaram a boca da talha que estava enterrada no chão e viraram-na para cima. De lá de dentro saiu um homem monstruoso que na testa tinha um sol gravado. A cauda comprida estava enfeitada com missangas, estrelas, campainhas e conchas.
Diz o homem monstruoso aos gémeos:
- Um de vós pega na talha e o outro na minha cauda. E começaram a andar. O homem monstruoso ia a menear as ancas e as campainhas da cauda enchiam as anharas de uma música muito alegre. O mostrengo disse aos gémeos:
- Tenho sede, quero o sangue. E eles deram-lhe o sangue do cudo. Ele bebeu tudo de uma só vez e disse:
- Quero mais.
Um dos gémeos usou um estratagema para se ver livre do mostrengo:
- Pai Grande, nós vamos preparar a carne do cudo e tu dá uma volta por aí, do outro lado da anhara há um rio de água límpida e muito fresca.
Os rapazes cortaram a carne em pedaços e rechearam-nos com pedras pontiagudas. Depois subiram um imbondeiro e esperaram o regresso do bicharoco. Quando ele voltou, soltou um grande urro:
- Tenho fome!
Lá do alto, os rapazes atiraram-lhe os pedaços de carne e ele engoliu-os, com as pedras e tudo. Mas a pedra maior ficou-lhe atravessada na garganta. E ele na agonia da asfixia berrou:
- Devia ter-vos devorado! E morreu.
Os gémeos desceram do imbondeiro e um disse:
- Agora como se esfola um bicharoco destes?
Os irmãos ficaram a meditar até que viram um velho perto do rio seco:
- Pai Grande, como se esfola este bicho?
O velho aproximou-se e quando viu o homem monstruoso fugiu com corrida, abandonando a sua inseparável bengala. Enquanto fugia, gritava para os rapazes:
- Pela cauda, pela cauda!
Os gémeos começaram a esfolar o rabo do bicharoco e de repente começou a sair lá de dentro uma bela aldeia, com muitas pastagens e um rio correndo, muitas manadas de gado, pastores, belas donzelas e crianças felizes. Os dois gémeos tornaram-se os reis daquela terra, do gado e de toda a gente.
Okangano kandye… tepa! Assim termina a minha historinha.
Sem comentários:
Enviar um comentário