quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Portugal | BRINCAR AOS VOTOS

Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

Reclamamos sempre muito contra a abstenção e o afastamento dos cidadãos em relação à política. E os tempos exigem envolvimento e maturidade democrática, sendo a participação cívica parte da receita para combater os populismos que se alimentam de discursos redondos, apregoando os vícios dos eleitos e os defeitos do sistema democrático.

Não deixa por isso de espantar que sejam os próprios partidos, os mesmos que apelam ao voto e que se queixam do divórcio entre eleitores e eleitos, a criar condições para pôr em causa a legitimidade das escolhas eleitorais.

O que se passou com a votação no círculo da Europa é o exemplo perfeito do resultado dos arranjinhos partidários, dos vícios instalados e da falta de agilização de um procedimento que evite falhas sistemáticas no processo eleitoral.

Em suma, um enxovalho. Ficará na história a repetição inédita da votação, depois de 83% dos votos dos emigrantes na Europa terem acabado no lixo, misturando-se votos válidos e inválidos.

Quanto ao desrespeito pelo voto de quem tinha feito o esforço de participar presencialmente e não poderá fazê-lo nos próximos dias 12 e 13 de março, já nada há a fazer (mesmo que a todos seja dada a alternativa do voto postal). Mas importa saber se com isso se aprende alguma coisa. E não se compreenderá que fique por fazer a tão apregoada reforma da lei eleitoral, facilitando de uma vez por todas o processo e aproveitando, de caminho, para rever a contabilidade de mandatos e a atual desproporção na representatividade dos deputados eleitos.

É lamentável a consequência imediata de uma espera suplementar de mais de um mês para a posse do Parlamento e do Governo, com a consequente discussão do programa e do Orçamento do Estado. Mas é ainda mais vergonhosa a incapacidade demonstrada pelo sistema político quando mais precisamos de o credibilizar.

Que legitimidade resta aos partidos quando se insurgem contra a abstenção, mas nada têm feito para evitar o espetáculo triste a que assistimos?

*Diretor-Geral Editorial

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