quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Portugal | DIOGO PACHECO DE AMORIM É UMA VÍTIMA?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Eis um rápido perfil político de Diogo Pacheco de Amorim, candidato anunciado pelo partido Chega a vice-presidente da Assembleia da República, instituição de representação democrática do povo português, criada na sequência da Revolução dos Cravos, iniciada em 1974:

- Foi membro do MDLP, um movimento criado em 1975 que promoveu centenas de atentados bombistas e assaltos a sedes de partidos, dos quais resultaram várias mortes. Pacheco de Amorim nega envolvimento nos atentados, afirma ter feito "apenas" parte do braço político da estrutura liderada por António de Spínola.

- Foi militante do MIRN (1979), do neossalazarista Kaúlza de Arriaga, partido que concorreu coligado com duas outras formações de extrema-direita às eleições de 1980. Recebeu 0,4% dos votos.

- Foi assessor do vice-primeiro-ministro Diogo Freitas do Amaral (CDS) no primeiro governo da AD (1980-1981).

- Foi chefe de gabinete do grupo parlamentar do CDS-PP (1995-1997), durante a fase "popular" do partido, liderado por Manuel Monteiro.

- Foi dirigente do Partido da Nova Democracia (PND), também liderado por Manuel Monteiro (2003).

- Funda, com André Ventura, o Chega, em 2019.

Que conclusões tiro daqui?

1. Pacheco de Amorim não gostou do 25 de Abril de 1974 e ajudou quem tentou ou pretendeu liquidar a Revolução dos Cravos que criou o atual regime político português. Fê-lo com Spínola, fê-lo com Kaúlza.

2. Pacheco de Amorim não se importou, logo em 1980, de deixar os grupúsculos da extrema-direita e foi trabalhar para a direita que aceitara o regime democrático. Fê-lo com Freitas do Amaral, fê-lo com Manuel Monteiro.

3. Essa direita, dita moderada, muitas vezes autoapresentada como sendo de "centro-direita", também não se importou nada em receber o contributo e a companhia do anteriormente "extremista" e "reacionário" Pacheco de Amorim.

4. Pacheco de Amorim saiu politicamente derrotado com o MDLP, saiu derrotado com o MIRN, saiu derrotado com as parcerias com Manuel Monteiro. Foram, até à fundação do Chega, 45 anos de derrotas políticas.

5. Pacheco de Amorim é dirigente de um partido cujo programa eleitoral ostenta esta frase, provavelmente de sua autoria: o Chega "filia-se à tradição judaico-cristã e greco-romana contra o regime que, desde 1974, subverteu a ordem moral da tradição secular portuguesa". Eu, na minha santa ignorância sobre o pensamento filosófico da extrema-direita portuguesa, não sei bem qual é a "ordem moral da tradição secular portuguesa", mas sei que esta frase é, explicitamente, uma declaração de guerra política à atual democracia portuguesa, que a Assembleia da República representa e que a Revolução dos Cravos construiu.

Pacheco de Amorim pretende agora, prestes a chegar à Assembleia da República, ser institucionalizado, entronizado e honrado com a entrada direta na estrutura de direção do parlamento. Talvez um dia, admito eu, queira mesmo ser medalhado pelo regime que no passado quis e que no presente quer destruir.

A democracia portuguesa tem a obrigação de tratar Pacheco de Amorim com o respeito que qualquer deputado eleito pelo povo deve merecer. A sua candidatura a vice-presidente do parlamento saído da Revolução dos Cravos é, por isso, totalmente legítima.

Porém, seria um atentado à liberdade dos outros deputados, uma violação da sua consciência política, obrigá-los todos a votarem a favor dessa candidatura, como parece pretender o Chega. Excluir Pacheco Amorim da candidatura é antidemocrático, obrigar 230 deputados a aceitar automaticamente a sua eleição é ainda mais antidemocrático.

Se a maioria dos deputados, todos também democraticamente eleitos pelo povo, vier de facto a rejeitar a candidatura de Pacheco de Amorim para vice-presidente da Assembleia da República, a culpa só pode ser assacada ao próprio Pacheco de Amorim, ao seu percurso político, às ideias que desde os tempos do MDLP defendeu e às ideias contra o regime, cuja sede é naquela casa, que defende no partido Chega.

Numa democracia o voto de deputados eleitos não vitima Pacheco de Amorim. Se o rejeitarem para a liderança da AR, ele será apenas vítima de si próprio e do seu inequívoco currículo político.

Aliás, ver Pacheco de Amorim a querer receber a caridade de ser "vice" do parlamento do regime criado pela Revolução dos Cravos que, há quase meio século, tenta derrubar, é mesmo assistir a um patético exercício de incoerência.

*Jornalista

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