Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
O povo russo em geral - e a comunidade russa em Portugal em particular - estão a ser discriminados e ostracizados. Os seus atletas paralímpicos foram impedidos de participar, por exemplo. De que forma é que alguém no seu perfeito juízo pode achar que excluir estes desportistas de uma organização criada, precisamente, para promover a inclusão poderá contribuir para a paz? Também se pode ler que a Federação Felina Internacional baniu os gatos russos da competição. Anedótico, mas, sendo verdade, onde mora o contributo para a paz? Em Portugal, somam-se as denúncias de bullying contra esta nacionalidade ou os relatos dos pequenos comércios e restaurações às moscas. Como é que essa atitude promove a paz?! Estes comportamentos revelam, afinal, como o ser humano continua sendo um bicho tribalista, facilmente animado por um espírito de pertença e de lealdade a um grupo fechado, resistente a qualquer pensamento crítico. O amor tribal, aquele que galvaniza os hooligans e outros adeptos radicais, cujos circuitos cerebrais de recompensa activados são semelhantes aos estimulados na experiência do amor romântico, persiste como combustível das massas manipuladas. A mente primitiva soma e segue, anula dissonâncias cognitivas, aniquila qualquer dúvida e tudo arde na fogueira das certezas e da via única. Contributo para a paz nem sombra, fermenta o ódio contra quem não é cheerleader, levedam toneladas de bílis e há até quem clame por acrescentar guerra à guerra. Berram por força, mais vexames. Sonham com actos heróicos, babam por mártires. Os tribalistas, equipados com o uniforme a rigor, ignoram que em qualquer guerra só ganham os fabricantes de armas e as funerárias, como disse alguém, e que na terceira guerra mundial não ganha ninguém. Não é um videojogo nem paintball, um comando remoto, coisa à distância limpinha, inodoro e incolor, lúdico e de ovação. A escolha é matar ou morrer, a coisa é suja; o fim dos tempos, o adeus ao futuro. A quarta guerra será a paus e pedras, como disse Einstein. E se a narrativa do dividir para reinar medrou na era covid, achavam que o vírus ficava na China? Só que não. O ódio é a variante que dissemina mais rápido, fogo em palha seca, é mortal e persiste nos cadáveres, perdura depois da morte, como no pessoano O Menino da Sua Mãe.
Desejemos antes que a porca guerra termine em breve, que Zelensky entenda que as promessas loucas da NATO são impossíveis, que a adesão à UE leva anos. Não só a Europa jamais aceitaria um país na situação da Ucrânia 2021, como o ex-comediante bem pode esperar sentado por ajuda concreta (gatinhos e bandeirinhas à parte). Ao invés de salivar pela escalada infernal, reúnam-se todos os esforços pela paz, repudiem-se os belicistas estofados a fel e a tresandar a sangue. Pedir tréguas, fazer compromissos, negociar a paz não é ingenuidade, não é capitulação, não é ser cúmplice. Angélico ou cínico ou louco é bater palmas a cada humano que se levanta para empunhar a baioneta ou a pedir olho por olho, mais e pior. Qual a alternativa? Declarar guerra à Rússia via NATO? Entrar na fantasia delicodoce da eficiência das sanções? Vão continuar a repetir que Putin é o demónio? E depois? Faz-se o quê? Querem mesmo uma guerra nuclear?
*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia.
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