Artur Queiroz*, Luanda
Esta pode ser a minha última oportunidade de ser consagrado ao Sagrado Coração de Maria e com essa oportuna consagração conseguir o estatuto de refugiado ucraniano. A Comissão Episcopal de Justiça e Paz, órgão da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), sabe o que é violência. Sabe o que é um ultraje. Mas vou vestir a pele de colaboracionista e dar às senhoras e senhores bispos a perspectiva de um pecador recalcitrante mas que deve ser tomada em conta.
O velho Brecht escreveu um poema que até o soldado motorista do RI20 conhece. Foi por provar que sabe duas estrofes da peça, que o genial escritor foi admitido na Academia Angolana de Letras. Não chegou a fazer o exame das maiúsculas e das minúsculas, que ele trata carinhosamente por gordas e magras, porque os examinadores estavam de férias.
Brecht lembrou aos que só conseguem ver o mundo a preto e branco: Chamam violenta à correnteza do rio que tudo arrasta. Mas ninguém chama violentas às margens que o oprimem. As enxurradas são violentas. Mas as valas de drenagem obstruídas também são violentas. Uma bofetada do engenheiro à civil Adalberto da Costa Júnior num democrata é uma violência e um ultraje. A resposta ao ultraje na mesma moeda é um acto de justiça.
A UNITA proclamou aos sete ventos, no dia seguinte às eleições de 2017, que houve fraude eleitoral. Uma semana depois os seus dirigentes e propagandistas mudaram o disco: Há fraude eleitoral nas eleições de 2022! Todos os dias invocam a fraude eleitoral que aí vem. Violência e ultraje, senhoras e senhores bispos! É uma violência contra os eleitores. É uma violência contra milhares de cidadãs e cidadãos que fazem parte das assembleias e mesas de voto. É uma violência para os militantes e dirigentes dos outros partidos. É uma violência para todas e todos os membros da Comissão Nacional Eleitoral. Também é um ultraje que ninguém pode nem deve tolerar.
Ultraje é pôr em causa, permanentemente, a honestidade e probidade das magistradas e magistrados do Tribunal Constitucional. A UNITA e seus parceiros de esquina fazem isso todos os dias, todas as horas, minutos e segundos. Durante a “Jornada Nacional da Reconciliação e da Paz”, até 4 de abril de 2022, podem incluir estas sugestões. E já agora coloquem-me na lista dos aptos à consagração.
A Comissão Episcopal de Justiça e Paz apelou às instâncias judiciais e administrativas que têm a missão de gerir o processo eleitoral “que actuem com o máximo sentido de isenção e lisura e que contribuam com as suas decisões para que o clima de paz não se degrade, sob pena de perigar todo o caminho de paz já percorrido em 20 anos”. Acham mesmo que o apelo é necessário? Acham que há alguma razão para duvidar da isenção e lisura dessas e desses servidores do Estado? Cá para mim as senhoras e senhores bispos emprenharam pelos ouvidos. Adalberto, Filomeno e Chivukuvuku são os pais da criança. Promiscuidade!
Tulinabo Mushingi, o senhor embaixador dos EUA em Angola, fez uma declaração marcada pelo óbvio ululante na qual destacou e valorizou as declarações de diferentes responsáveis políticos sobre a tolerância política. Muito bem. No meio do óbvio, o diplomata norte-americano disse algo que merece destaque e devia ser discutido nas jornadas da Comissão Episcopal de Justiça e Paz. Eis as suas palavras: “Quem convida os observadores eleitorais é o Governo Angolano”. O engenheiro à civil Adalberto da Costa Júnior e os trombones propagandistas da UNITA dizem todos os dias que eles é que vão convidar os observadores. Uma violência, um ultraje e uma aldrabice.
Agora já sabem. Nas eleições de Agosto os observadores vão ser convidados pelo Executivo. A União Africana vai ser convidada. Os países africanos que lutaram contra o colonialismo português também vão enviar observadores. Garantidamente. Os países que apoiaram os movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas também são convidados. Os comedores do dinheiro dos diamantes de sangue ficam de fora. A Irmandade Africâner da África do Sul, que mexe os cordelinhos da UNITA, não passa da fronteira de Namacunde.
Quando era miúdo fazia de um pau espada, punha uma máscara de cartolina pintada de negro com dois olhinhos abertos, fazia um Z que punha ao peito e ficava o espadachim Zorro. Fazíamos tremendos combates, uns contra os outros, mas éramos todos Zorros.
A Alemanha, pátria da mais pura das democracias, acaba de aprovar uma lei que considera crime quem andar na rua com um Z. Os democratas são muito zelosos na defesa dos seus interesses. Se for preciso, cadeia com eles só porque exibem uma letra que anda pintada nos tanques das tropas da Federação Russa.
Dezenas de jornalistas ucranianos, à custa da lei marcial, são censurados. Várias publicações da oposição foram banidas. O Ocidente aplaudiu a censura. O maior partido da oposição ficou sem voz. Abaixo a diferença! Canais de televisão, agências noticiosas e portais da Federação Russa são alvos de censura nos países do Ocidente. Maravilha!
Eu cá sou refugiado ucraniano. Tenham dó de mim e consagrem-me ao Sagrado Coração de Maria. Não custa nada. Só têm que me ajudar a pagar as contas da água, luz, internet e a renda. Em troca juro emendar-me e nunca mais voltar a pecar. Va de retro Satanás!
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário