Artur Queiroz*, Luanda
Eu já fui refugiado. A Grande
Insurreição a 15 de Março de 1961 apanhou-me na cidade do Uíje onde estudava
num colégio com internato. Meus pais viviam numa roça no Bindo, entre
Camabatela e o Quitexe. Só consegui sair da guerra
Já no final do ano lectivo fui resgatado pelos meus pais e assim terminou a minha condição de refugiado. Tive a minha conta. Desde então vivo com o temor de um dia ser atirado novamente para a condição de refugiado. Estou incondicionalmente solidário com os refugiados de todas as guerras, sobretudo a nossa gente africana. Também os milhares que morrem afogados no Mediterrâneo, oriundos dos países que a OTAN (ou NATO) e o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) destruíram: Iraque, Síria, Afeganistão, Líbia. Os flagelados da “primavera árabe” que por pouco não pegou em Angola.
Os destruidores desses estados soberanos chamam “migrantes” aos refugiados africanos e do Médio Oriente. Perseguem-nos. Exploram-nos miseravelmente. Fecham-lhes todas as portas. Matam-nos. E eu que já fui refugiado, sozinho face à violência colonialista, sorria e bendizia o pedaço de pão duro. A água suja que me serviam como sopa. Agradecia reconhecido a enxerga estendida num corredor.
As instalações sanitárias malcheirosas e revestidas de fezes secas, o cheiro a mijo, o peixe-frito sabendo a fénico eram tesouros em comparação com os dois meses que vivi no Uíje. E nem me importava que os professores me ignorassem. Pobres refugiados. Estou com todos!
Os autarcas portugueses na zona onde vivo no meu exílio voluntário uniram-se e estão a preparar o paraíso aos refugiados ucranianos. Os advogados vão dar-lhes assistência jurídica à borla. Psicólogos vão estar com eles de manhã à noite. Têm empregos à espera, casas, transportes, creches, escolas, comidinha. Vão ter tudo que eu não tenho. Quero ser refugiado mas como não sei falar ucraniano, desconfio que me mandam dar uma volta.
Não faz mal. Mas exijo a esses humanistas de plástico que a partir de hoje tratem assim todos os refugiados. E que não chamem migrantes aos desgraçados que fogem dos escombros em que a OTAN (ou NATO) e o estado terrorista mais perigoso do mundo transformaram os seus países. Não vou ter sorte nenhuma. Porque este súbito amor pelos refugiados da Ucrânia tem a ver com a decisão de Washington ter O monopólio da venda do gás. E quando conseguirem apontar os mísseis ao nariz dos russos, voltam a tratar os ucranianos como até há dez dias.
Eu sei como eles são tratados
Eu vou continuar a respeitá-los. E fico feliz por ver que pelo menos enquanto durar a operação ocidental contra a Federação Russa, os cães e gatinhos que trazem são tratados melhor do que eu. Não tenho inveja de ninguém, muito menos de refugiados. Mas se até há dez dias não tinha o menor respeito pelos estados esclavagistas, colonialistas e imperialistas agora vomito só de pensar que existem e continuam a dominar o mundo.
Eu sou um libertário mas hoje vou aderir ao gito dos comunistas: De pé, ó vítimas da fome/ De pé, famélicos da terra/ Da ideia a chama já consome/A crosta bruta que a soterra/ Cortai o mal bem pelo fundo.
As agências noticiosas ocidentais e as televisões divulgaram uma declaração do comando do Batalhão de Azov que atribui às tropas da Federação Russa a responsabilidade de impedir a saída de civis de Mariupol pelo corredor humanitário, violando o cessar-fogo acordado. Mentira. Os nazis não deixam sair os civis porque estão a servir-se deles como escudos humanos. O ocidente aplaude entusiasticamente.
Uma das missões da operação militar especial da Federação Russa na Ucrânia é desnazificar o país. O “batalhão” é uma milícia nazi que domina toda a região e é acusada pela ONU de uma limpeza étnica. Sim, são nazis assumidos. Mas na conversão da Rússia vale tudo, até apoiar os políticos de extrema-direita que têm o poder na Ucrânia. Espero que isto não acabe tão mal como parece que vai acabar.
* Jornalista
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