segunda-feira, 7 de março de 2022

QUERO SER CÃOZINHO REFUGIADO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Eu já fui refugiado. A Grande Insurreição a 15 de Março de 1961 apanhou-me na cidade do Uíje onde estudava num colégio com internato. Meus pais viviam numa roça no Bindo, entre Camabatela e o Quitexe. Só consegui sair da guerra em Maio. Quando cheguei a Luanda, senhoras da Cruz Vermelha deram-me umas bolachinhas e meteram-me num centro de refugiados mesmo em frente ao Hotel Trópico, que na época não existia. Era um hospital privado (Casa de Saúde Dr. Machado Faria) adaptado para acolher os que fugiam da guerra no norte. No dia seguinte de manhã levaram-me para o Liceu Salvador Correia onde recomecei as aulas interrompidas desde as férias da Páscoa.

Já no final do ano lectivo fui resgatado pelos meus pais e assim terminou a minha condição de refugiado. Tive a minha conta. Desde então vivo com o temor de um dia ser atirado novamente para a condição de refugiado. Estou incondicionalmente solidário com os refugiados de todas as guerras, sobretudo a nossa gente africana. Também os milhares que morrem afogados no Mediterrâneo, oriundos dos países que a OTAN (ou NATO) e o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) destruíram: Iraque, Síria, Afeganistão, Líbia. Os flagelados da “primavera árabe” que por pouco não pegou em Angola.

Os destruidores desses estados soberanos chamam “migrantes” aos refugiados africanos e do Médio Oriente. Perseguem-nos. Exploram-nos miseravelmente. Fecham-lhes todas as portas. Matam-nos. E eu que já fui refugiado, sozinho face à violência colonialista, sorria e bendizia o pedaço de pão duro. A água suja que me serviam como sopa. Agradecia reconhecido a enxerga estendida num corredor. 

As instalações sanitárias malcheirosas e revestidas de fezes secas, o cheiro a mijo, o peixe-frito sabendo a fénico eram tesouros em comparação com os dois meses que vivi no Uíje. E nem me importava que os professores me ignorassem. Pobres refugiados. Estou com todos!

Os autarcas portugueses na zona onde vivo no meu exílio voluntário uniram-se e estão a preparar o paraíso aos refugiados ucranianos. Os advogados vão dar-lhes assistência jurídica à borla. Psicólogos vão estar com eles de manhã à noite. Têm empregos à espera, casas, transportes, creches, escolas, comidinha. Vão ter tudo que eu não tenho. Quero ser refugiado mas como não sei falar ucraniano, desconfio que me mandam dar uma volta.

Não faz mal. Mas exijo a esses humanistas de plástico que a partir de hoje tratem assim todos os refugiados. E que não chamem migrantes aos desgraçados que fogem dos escombros em que a OTAN (ou NATO) e o estado terrorista mais perigoso do mundo transformaram os seus países. Não vou ter sorte nenhuma. Porque este súbito amor pelos refugiados da Ucrânia tem a ver com a decisão de Washington ter O monopólio da venda do gás. E quando conseguirem apontar os mísseis ao nariz dos russos, voltam a tratar os ucranianos como até há dez dias.

Eu sei como eles são tratados em Portugal. As mulheres só sevem para a prostituição ou empregadas domésticas. Os homens são mão-de-obra barata para a construção civil e para os trabalhos duros que os portugueses não querem fazer. São desprezados, explorados e cospem-lhes na cara. 

Eu vou continuar a respeitá-los. E fico feliz por ver que pelo menos enquanto durar a operação ocidental contra a Federação Russa, os cães e gatinhos que trazem são tratados melhor do que eu. Não tenho inveja de ninguém, muito menos de refugiados. Mas se até há dez dias não tinha o menor respeito pelos estados esclavagistas, colonialistas e imperialistas agora vomito só de pensar que existem e continuam a dominar o mundo. 

Eu sou um libertário mas hoje vou aderir ao gito dos comunistas: De pé, ó vítimas da fome/ De pé, famélicos da terra/ Da ideia a chama já consome/A crosta bruta que a soterra/ Cortai o mal bem pelo fundo.

As agências noticiosas ocidentais e as televisões divulgaram uma declaração do comando do Batalhão de Azov que atribui às tropas da Federação Russa a responsabilidade de impedir a saída de civis de Mariupol pelo corredor humanitário, violando o cessar-fogo acordado. Mentira. Os nazis não deixam sair os civis porque estão a servir-se deles como escudos humanos. O ocidente aplaude entusiasticamente. 

Uma das missões da operação militar especial da Federação Russa na Ucrânia é desnazificar o país. O “batalhão” é uma milícia nazi que domina toda a região e é acusada pela ONU de uma limpeza étnica. Sim, são nazis assumidos. Mas na conversão da Rússia vale tudo, até apoiar os políticos de extrema-direita que têm o poder na Ucrânia. Espero que isto não acabe tão mal como parece que vai acabar.

* Jornalista 

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