quarta-feira, 18 de maio de 2022

MEMÓRIA DE UMA RENDIÇÃO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje celebra-se o Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. O objectivo é eliminar a discriminação dos homossexuais, transexuais e transgéneros, em todo o mundo. Sobretudo agora, que o ódio contra o direito à diferença ganha espaço, nas democracias liberais do ocidente. Na Ucrânia, segundo o relatório do Departamento de Estado sobre os direitos humanos no mundo, a repressão contra o movimento LGBTI+ atinge as raias da loucura. 

Não vão chamar-me pró Putin, desde já provo que estou inocente. O relatório dos EUA denuncia na Ucrânia a existência de “tratamento cruel de detidos por agentes da ordem, condições prisionais duras e ameaçadoras, detenções arbitrárias e problemas graves com a independência do poder judicial”. O senhor Antony Blinken não está com subterfúgios e escreve que na Ucrânia “há violência com base no género ou orientação sexual”. E tem razão. Activistas LGBTI+ são presos, torturados e mortos pelas milícias nazis que suportam o senhor Zelensky no poder: Bandera, Sector Direita e Batalhão de Azov. Negros e judeus são igualmente vítimas de crimes de ódio.

A Procuradora-Geral da República ucraniana vai montando cenários catastróficos e “crimes de guerra” nos arredores de Kiev. A credibilidade desta senhora é zero. Volto a socorrer-me do secretário de estado Blinken, que escreve no seu relatório sobre os direitos humanos: “ Na Ucrânia existem problemas graves com a independência do Poder Judicial”. Portanto, essas encenações não passam de ordens do poder político (Reino Unido e EUA) reinante em Kiev.

E como vamos de terrorismo no mundo? Não vão chamar-me pró Erdoğan, quero lembrar que a União Europeia colocou o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) na lista das organizações terroristas. Estou em total desacordo, até porque tenho lá amigas e amigos. O problema é que A Suécia e a Finlândia pensam exactamente como eu e apoiam abertamente a acção política da organização. E deram asilo político a muitos militantes e dirigentes curdos. 

A Turquia repudia essa ligação e o presidente Erdoğan não esteve com meias tintas. Anunciou que vai vetar a entrada da Suécia e da Finlândia na OTAN (ou NATO). E avisou: Não venham a Ancara perder tempo com conversas e negociações, não é não. Apesar da clareza desta posição, o criadito Cravinho diz de peito cheio que as autoridades turcas “deixaram as portas entreabertas”. 

A ministra da Defesa, Helena Carreiras, disse hoje que com “diálogo” o problema do veto turco se resolve. Ignoram a palavra de um Chefe de Estado. Tratam um Presidente da República de um país da NATO (ou OTAN) como se fosse um troca-tintas. Um amigo meu, subitamente colocado na posição rastejante de comentador da CNN Portugal (com muita pena minha...) diz mesmo que “a Turquia quer qualquer coisa em troca”. Terrorismo verbal! Arrogância eurocentrista. Insultos de antigos esclavagistas e colonialistas. Diziam o mesmo se fosse o senhor Biden a vetar a entrada da Turquia na OTAN (ou NATO)? Nunca mais. Ficavam logo sem tacho e até sem cabeça.

A Finlândia e a Suécia “prepararam meticulosamente” o processo de adesão à OTAN (ou NATO). O secretário-geral da organização agressiva, reacionária e ofensiva disse que os dois países entram quando quiserem e são recebidos de braços abertos. Washington decidiu. Londres confirmou. Paris abençoou e a Alemanha heil! Os outros 28 países são meros figurantes. O cravinho e a Carreiras ficam na área da limpeza dos WC. Tanta falta de respeito. Tanto insulto. Mas, pelos vistos, os insultados, os espezinhados, os excluídos gostam. Só a Turquia assumiu a conta da dignidade. 

Querem mais terrorismo? Em abril passado, com a participação dos serviços de inteligência dos EUA, 60 combatentes do ISIS (Estado Islâmico) com idades entre 20 e 25 anos foram libertados das prisões controladas pelos curdos sírios. Em seguida, levaram-nos para a base militar americana Al-Tanf, localizada na Síria, perto da fronteira com a Jordânia e o Iraque, para receberem treino e posterior transferência para o território ucraniano. Como se sabe, o Estado Islâmico foi declarado como uma organização terrorista. Mas par reforçar os nazis ucranianos, serve perfeitamente. Os Azov, Bandera e Sector Direita arrancam olhos. Os radicais islâmicos cortam a garganta às suas vítimas. Tudo boa gente.

Ontem começou a rendição dos nazis na Azovstal, em Mariupol. Já se renderam 700 nazis. Entre os prisioneiros de guerra estavam norte-americanos, britânicos, franceses e alemães. É uma pequena amostra. Um pormenor: Muitos chegaram à Ucrânia antes da operação especial da Federação Russa. Em breve se saberá qual era a missão de que estavam incumbidos. Mas o ministro Lavrov mandou hoje um recado para Kiev: “A Ucrânia não é independente. A Federação Russa tem informações de que o lado ucraniano nas negociações é controlado por Londres e Washington”.

E a Alemanha? Lavrov falou: “Desde que o chanceler Scholz chegou ao poder, a Alemanha perdeu os últimos sinais de independência”. Mas as declarações do ministro Lavrov foram particularmente lúcidas neste ponto: ”Ninguém precisa da Ucrânia, a Ucrânia é apenas um consumível numa guerra contra a Federação Russa”. E para sossegar a Finlândia e a Suécia rematou: “As nossas posições não são antiocidentais, são a favor do desenvolvimento acelerado de todos os povos, segundo a Carta da ONU”. Como a União Europeia, o Reino Unido e os EUA impuseram censura total aos Media desalinhados da OTAN (ou NATO), é sempre bom sabermos o que se diz daquele lado.

Do lado português o fascismo salazarista está de volta. Helena Ferro Gouveia, empregada do Marco Galinha e do António Costa nem disfarça. Ante as câmaras da CNN Portugal defendeu que os militares ucranianos encurralados em Azovstal “devem lutar até à morte, para darem ânimo à resistência de todos os outros. Rendição, nunca!”

No dia 17 de Dezembro de 1971, tropas da União Europeia acabaram com o domínio português em Goa, Damão e Diu. No dia 19, o general Vassalo e Silva, comandante militar e governador do “estado da Índia” apresentou a rendição das tropas portuguesas. Não havia hipótese de resistir. Seriam todos trucidados. Salazar expulsou-o do Exército bem como os seus oficiais. O ditador exigia que todos se batessem até à morte, como a nazi Helena Ferro Gouveia exigia dos militares encurralados em Mariupol. O fascismo está de regresso a Portugal, às escâncaras!

Um dos militares portugueses na Índia era Benigno Vieira Lopes, comandante Ingo. Antes da operaçãoi indiana ele tinha desertado. E na qualidade de angolano com o estatuto de exilado político, recebeu em Nova Deli uma delegação do MPLA, chefiada por Mário Pinto de Andrade e Viriato da Cruz. Foram recebidos pelo pandita Nehru. O estadista perguntou aos nacionalistas angolanos em que podia ajudar a luta de libertação. E a resposta foi unânime:

- Se os dirigentes indianos acabarem com a colónia portuguesa de Goa, Damão e Diu, já dá uma grande ajuda. Porque vai seguramente ter efeito de contágio nas outras colónias e particularmente em Angola onde já começou a luta armada”.

Assim se fez. O comandante Ingo é mais do que testemunha da História. Ele é a História Contemporânea de Angola. 

*Jornalista

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