A investigação independente exigiria a cooperação de ambos os contendores. Ora isso não está garantido, podendo tal levar – como noutros conflitos – a narrativas que os historiadores terão que confrontar mais tarde.
António Abreu | AbrilAbril | opinião
Diz-se desta guerra que os EUA a realizam «por procuração» confiada à Ucrânia, com o apoio da NATO, e UE.
Os EUA querem parecer estar «de fora», enquanto o dólar cai, revelando a decadência da economia norte-americana nas relações à escala mundial. E como isso faz parte do objectivo de iludirem esse apagão de uma decadência que o é, também em termos relativos, em relação à China (por quase tudo) e à Rússia (principalmente em matéria energética).
Esta guerra tem na sua origem a expansão da NATO para as fronteiras com a Rússia desde a independência da Ucrânia, nomeadamente, com destaque para o golpe de 2014, que perseguiu simpatizantes comunistas, sindicalistas, com agressões, torturas e levou os alvos da fúria nazi a declararem a sua autonomia e, depois a independência. Isso não parou os agressores e o Donbass reclamou o apoio da Rússia quando foi conhecida a «solução final». A Rússia, então, reconheceu a independência das repúblicas populares no dia 21 de Fevereiro e, dois dias depois, iniciou a intervenção militar com objectivos que incluíam a defesa dos habitantes do Donbass, a desmilitarização e desnazificação do resto da Ucrânia e não a conquista deste país ou das suas cidades.
A partir daí a invocação dos «valores ocidentais» gerou, no seu desespero, o vale-tudo, o esmagamento mediático ao arrepio do respeito por regras deontológicas no jornalismo. É muito difícil resistir a isso, mas no futuro importa que se saiba que a resistência existiu e impediu mais um passo no «pensamento único» para o qual trabalham as «democracias ocidentais» desde 1989.
Quanto às acções mais recentes do governo ucraniano, algumas reflexões se impõem, mesmo que seja possível que algumas delas possam não ser originais.
Diferentes protagonistas têm aparecido, por vezes vestidos da mesma maneira, em diferentes e muito afastados «cenários» de guerra. É fácil identificar a diferença de postura entre os actores que produzem declarações a la carte e os cidadãos que estão justamente aflitos com o que lhes poderá acontecer. Como foi fácil verificar o efeito da caracterização teatral em alguns casos.
É como se Zelensky tivesse uma divisão teatral, com recursos de cosmética, de peças de vestuário, de adereços para fins diversos, de cenários e de um conjunto de actores.
A presença em declarações diárias do comediante graduado em presidente foi um aspecto de grande importância para manter a coesão dos ucranianos que não se querem misturar com os russos e para arregimentar apoios, depois de durante muitos anos, ele e antecessores terem usado o seu país como lavandaria de dinheiro sujo.
Os repórteres de guerra vão para onde os deixam ir, e mesmo neste caso, vendo seleccionados esses locais. Como recentemente foi referido por uma repórter da SIC Notícias em Bucha, preterida em favor da TVI – não por acaso adquirida como franchisada da CNN. Muitos repórteres não puderam aceder durante dias a zonas que antes tinham sido de combate. Seria por causa das minas russas? Sim, aquelas que vimos serem afastadas a pontapé para a beira da estrada, depois dos planos arrepiantes em que tinham sido meticulosamente alinhadas num pedaço da estrada…
Os comentadores, creditados pelos respectivos meios de comunicação, sucedem-se na propagação da «verdade única» e, nalguns casos (ouvi, também recentemente, as atitudes desbocadas do editor internacional do Expresso, Pedro Cordeiro), não se aceita – até se ridiculariza! – a diversidade de fontes e narrativas.
Vários outros comentadores, com uma interessante e ilustrativa presença de oficiais generais portugueses, revelaram a coragem de resistir e dar o corpo às balas contra a previsível acusação de «amigos de Putin».
Na contabilidade de vítimas no conflito há que somar as dos oito anos de guerra da Ucrânia contra o Donbass, onde foram mortas 14 mil pessoas.
Com as imagens de edifícios atingidos, teria sido interessante identificar os que foram evacuados dos seus moradores para serem usados como rampas de lançamento de morteiros e outra artilharia, incluindo snipers, e para serem alvejados de seguida para as agências noticiosas creditadas fazerem suas fotos. Seria importante distinguir bombardeamentos da queda de partes de mísseis atingidos pela artilharia ucraniana também muito letais. E seria desejável que se admitisse haver artilheiros ucranianos que, de forma intencional ou não, são os autores destes cenários de guerra. Muitos deles estão pouco aptos a usar o material que de vários países lhe chegam…
Ainda sobre os Acordos de Minsk, Zelensky e antes Poroshenko puseram de lado um acordo, que subscreveram, e que foi difícil de obter, antes da intervenção russa de 24 de Fevereiro. Depois da intervenção foram os russos que avançaram com a necessidade de diálogo mas os dirigentes ucranianos tudo têm feito para adiar sucessivas reuniões de trabalho entre as partes e não se coibiram de apresentar como estando acordados aspectos que não o estavam de facto, como o permitir que deslizassem para as calendas os estatutos de autonomia nuns casos (Donbass) ou a definição do «estatuto» da Crimeia (há oito anos, com o apoio de muito larga maioria da sua população, integrada na Rússia). Para o grupo de Zelensky as negociações passaram a ser de forma virtual e difundidas de forma seleccionada. O que os interesses de chegar à paz impunham é usado para um embuste contínuo.
Sobre Bucha e noutros casos que já estão a ser referidos como possíveis, não será fácil ao Conselho de Segurança da ONU promover o esclarecimento sobre as sucessões de cenários criados em quatro dias por batalhões nacionalistas e até esclarecer a origem do amontoado de tanques e veículos de apoio, não desfeitos por ataques ucranianos ou abandonados em pânico, mas – como me parece mais plausível – inutilizados para não ficarem aptos a serem usados pelo inimigo.
A «investigação independente exigiria a cooperação de ambos os contendores». Ora isso não está garantido, podendo tal levar – como noutros conflitos – a pelo menos duas narrativas que os historiadores terão que confrontar mais tarde. Até lá, e por agora, falará mais alto a liturgia guerreira de Biden, de Boris ou da MNE alemã.
Quando seria importante convidar as partes a fazerem esforços sérios pela Paz, procurando que o eixo EUA/UE deixe de se limitar a fornecer cada vez mais armas, a obter cada vez mais sanções e procedendo a julgamentos mediáticos sem suporte jurídico mínimo.
E de se recusarem a firmar acordos de segurança que a Rússia reclama há anos, desde que passou a partilhar fronteiras com países da NATO cujos governos têm o dedo no gatilho com manifesta vontade de usarem as suas armas.
De rasgarem em sangue a Eurásia para afastarem os povos, para acabarem com as relações políticas, económicas, culturais e desportivas, científicas, tecnológicas, académicas, diplomáticas, militares, e de redes de cooperação, de amizade e solidariedade tecidas entre eles ao longo de décadas.
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