#Publicado em português do Brasil
A que custo?, livro arrebatador recém-lançado no Brasil, descreve um sistema que, incapaz de se reinventar, exibe sua face mais brutal. E investiga como estabelecer, em cada setor essencial da atividade humana, nova ética e outras lógicas
Ladislau Dowbor* | Outras Palavras
O capitalismo se tornou em grande parte disfuncional. Está com o crescimento estagnado, centrado mais nas movimentações financeiras do que na produção, gerando uma desigualdade explosiva, drenando os recursos naturais de maneira destrutiva, impotente em se reorganizar frente ao aquecimento global, incapaz até hoje de se reinventar, preso na lógica da maximização de lucros corporativos a qualquer custo. A que custo?, é precisamente a pergunta que nos traz Nicholas Freudenberg, num dos livros mais lúcidos que já li sobre os nossos desafios e os nossos caminhos. As questões chave que enfrentamos são sistematizadas de maneira clara, com linguagem descomplicada e exemplos práticos. Em particular, foge das simplificações ideológicas que têm frequentemente nos dividido. É o nosso futuro que é aqui colocado na mesa.
Ainda que os EUA estejam no centro da análise, como o capitalismo é hoje dominantemente global, no quadro das corporações transnacionais que dominam o conjunto da dinâmica, o estudo abre perspectivas para todos nós. Depois de apresentar os principais eixos de transformação sistêmica do capitalismo, o autor orienta a análise dos diferentes setores de atividade em função do que é importante para a humanidade: assegurar o bem-estar de todos, de forma sustentável. O pano de fundo é a busca de uma vida saudável, o que envolve o essencial do nosso cotidiano: a alimentação, a educação, o sistema de saúde, o trabalho, os transportes, as conexões sociais. De certa forma, é o pão nosso de cada dia. A terceira parte foca as transformações mais recentes e as esperanças que se abrem, com uma visão de como a convergência de tensões do capitalismo abre espaço para os movimentos sociais, a educação, a ciência e a própria política.
Não resisto à tentação de apresentar neste prefácio o sonho que anima o autor, e que provavelmente nos anima a todos. “Imagine, se puder, um mundo no qual o bem-estar das pessoas e do planeta seja a prioridade:
Imagine um sistema alimentar que torne os alimentos saudáveis, cultivados de maneira sustentável e produzidos por trabalhadores dignamente remunerados, disponíveis e acessíveis a todos.
Imagine escolas e universidades que forneçam a todos os alunos os conhecimentos e habilidades de que necessitam para atingir seu pleno potencial e contribuir para com suas comunidades e o mundo, e usar sua educação em busca de bem-estar e felicidade para si e para os outros.
Imagine um sistema de saúde acessível a todos, que faça da prevenção de doenças e da melhoria da qualidade de vida seus maiores objetivos e ofereça cuidados que permitam aos pacientes minimizar a carga das doenças que eles enfrentam e a dor e o sofrimento por elas impostos.
Imagine um emprego que pague aos trabalhadores o que eles precisam para uma vida decente; que garanta que o trabalho não adoeça ou prejudique os envolvidos; que contribua para um mundo melhor e mais sustentável; que ofereça caminhos para o progresso; e que permita que os trabalhadores se sindicalizem, façam seu trabalho e desfrutem da vida pessoal e familiar fora do trabalho.
Imagine um transporte que facilite a circulação de todas as pessoas em seus bairros, cidades e outros lugares; e que deixe nossas ruas acolhedoras para o homem, nosso ar seguro para respirar e nosso planeta apto para a vida.
Imagine, finalmente, uma maneira de se conectar com as pessoas ― família, amigos, colegas, empresas, nossas comunidades e o mundo ― que não exija o sacrifício da saúde mental, da autoconfiança, da privacidade, da dignidade, da paz cívica ou do acesso comercial aos detalhes mais íntimos de nossas vidas. ”
Um sonho? Nem tanto. Para já, temos amplamente os recursos financeiros necessários. Uma conta simples, mas perfeitamente realista, consiste em dividir o PIB, valor da produção anual de bens e serviços, pela população. No mundo, o que hoje produzimos, US$90 trilhões, dividido pela população, 8 bilhões, nos dá o equivalente a 20 mil reais por mês por família de 4 pessoas. No caso do Brasil, são 11 mil reais. Ou seja, o que hoje produzimos, em termos econômicos, permitiria assegurar a todos uma vida digna e confortável, bastando para isso uma muito moderada redução da desigualdade. Podemos utilizar a Renda Nacional Líquida em vez do Produto Interno Bruto, ou incluir o estoque de infraestruturas existentes, e fazer outros exercícios contábeis, mas o essencial é que o produzimos é suficiente para todos. O nosso problema não é econômico, é de organização política e social.
Temos também as tecnologias necessárias. No mundo conectado de hoje, e com o dinheiro virtual, fazer chegar o necessário a todas as famílias não constitui obstáculo, como vimos inclusive com o Bolsa-Família no Brasil. Não é falta de tecnologia, e sim de definição adequada de a que deve servir. E temos a informação necessária sobre os problemas críticos: o mundo dispõe de estatísticas detalhadas sobre praticamente todo o planeta, e chegando aos rincões mais isolados. Temos enfim os caminhos traçados. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) detalham em 169 metas o que deve ser feito, e inclusive os indicadores para o seguimento dos avanços. Ou seja, temos os recursos financeiros, tecnológicos e de informação necessários, sabemos o que deve ser feito, mas estagnamos. Não é falta nem de meios nem de conhecimento, é uma impotência institucional, travamento do próprio processo decisório da sociedade.
Uma coisa é analisar as tragédias humanas e ambientais que assolam o planeta, e que se agravam rapidamente na dinâmica atual do capitalismo. Outra coisa é pensar por que as tragédias se aprofundam, e que processo decisório gera a impotência. A força do texto de Freudenberg reside em grande parte na sua capacidade de tomar cada um dos “sonhos” que compõem o bem-estar que buscamos, e identificar a estrutura de poder que trava a transformação, a articulação de interesses cruzados que gera a impotência. E propor a partir daí os eixos de ação corretiva, bem como exemplos de iniciativas que têm dado certo. Pode parecer simplista, mas a força do texto reside na riqueza das informações, que demonstram um trabalho de pesquisa de primeira ordem. Não se trata de um receituário, e sim de uma visão estratégica bem informada. Como os argumentos em torno dos seis eixos do bem-estar estão muito bem sistematizados no texto do Freudenberg, comentamos a seguir a sua dimensão brasileira.
A alimentação se apresenta de maneira particularmente crítica. Em 2021, 19 milhões de pessoas passam fome no Brasil, e 116 milhões estão em insegurança alimentar: ora têm, ora não têm o que comer. Cerca de um quarto desta população são crianças. O impacto de desnutrição pode ser para toda a vida. Mas o Brasil produz, só de grãos, mais de 3 quilos por pessoa por dia. Grande parte é soja, o que faz parte do problema, mas só o que se produz de arroz e de feijão seria amplamente suficiente. O problema é que a comercialização de alimentos é feita por grandes grupos financeiros, os traders, como BlackRock, Bunge e semelhantes, que vêm o alimento como commodity cujo rendimento comercial deve ser maximizado. Há uma década, o dólar estava a 2,5 reais, em 2022 está a 5,5 reais: ou seja, o equivalente de um dólar exportado rende o dobro, e os traders desviam o produto para os mercados internacionais. As corporações do agronegócio conseguiram, com a Lei Kandir, de 1995, que a produção para exportação seja isenta de impostos, o que incentiva ainda mais a produção para exportação. O resultado é que um dos maiores produtores de alimentos do mundo tenha mais da metade da população com fome ou em situação de insegurança alimentar.
A carne e a soja dependem diretamente de grandes corporações cotadas no mercado internacional, como a JBS. A maximização dos dividendos para os acionistas, nacionais e internacionais, privilegia a exportação e leva à expansão da criação do gado e do plantio de soja, o que por sua vez gera impactos ambientais desastrosos, poucos empregos, pouco retorno para os cofres do Estado, e fome. Lembrando que no Brasil, com 353 milhões de hectares de estabelecimentos agrícolas, 225 milhões de hectares de solo cultivável, e apenas 63 milhões de hectares de uso para lavoura, temos cerca de 160 milhões de hectares de solo agrícola parado ou subutilizado com pecuária extensiva. No conjunto, é um sistema em que a prioridade das corporações financeiras nacionais e internacionais levou ao divórcio entre a produção, o uso racional do solo, o meio ambiente e a alimentação da população. Este sistema fraturado ilustra perfeitamente o primeiro dos “pilares” a que se refere Freudenberg.
No plano da educação, as tendências no Brasil acompanham muito de perto as tendências que o autor apresenta no plano internacional e nos Estados Unidos: privatização, reorientação de conteúdos, venda de pacotes de gestão e de currículos, o que reduz a autonomia das escolas, dos municípios e dos professores. No plano financeiro, o endividamento dos alunos é menos grave do que nos Estados Unidos, mas a compra de escolas, colégios e universidades é muito acelerada, gerando uma educação centrada na maximização de lucros. A penetração de novas tecnologias, que poderia assegurar a gestão em rede, com a geração de um ambiente colaborativo e interativo de construção de conhecimento, tende com a privatização e internacionalização a privilegiar a competição e a oligopolização pela compra de concorrentes.
Em termos sociais, o resultado é
o aprofundamento do fosso entre a educação para pobres e a educação para ricos,
refletindo a desigualdade de renda e de riqueza que domina no Brasil, sétimo
país mais desigual do mundo. Esta cristalização da desigualdade por meio da
educação, atingindo assim a próxima geração, é catastrófica quando consideramos
que o conjunto das atividades econômicas no mundo evolui rapidamente para uma
maior densidade
No quadro da saúde, Freudenberg utiliza o caso do câncer como vetor de análise do funcionamento da saúde nos Estados Unidos, mostrando de forma geral como a apropriação do sistema sanitário por corporações financeiras gerou políticas tecnologicamente avançadas, mas caríssimas e de acesso limitado, lembrando que o câncer é hoje a segunda causa de mortes. O autor menciona o fato de que 80% dos casos de câncer são relacionados com causas externas, em particular a contaminação química, o tabaco e outras, ligadas ao comportamento do agronegócio. Como ordem de grandeza, no Brasil a metade do financiamento da saúde vai para um quarto da população, os 47 milhões que pagam planos privados de saúde.
O SUS é de uma eficiência muito superior, em termos de custo/benefício, mas a sua ação é travada pela lei do teto de gastos, a EC95, que congelou praticamente os recursos até 2036, enquanto as próprias políticas governamentais, que priorizam a remuneração de grupos financeiros, reduziram as transferências do governo. Para se ter uma ordem de grandeza, o orçamento público de saúde é de 160 bilhões de reais para 2022, enquanto por exemplo o aumento dos lucros de 42 bilionários brasileiros, entre 18 de março e 12 de julho de 2020, já na pandemia, foi de 180 bilhões de reais, em quatro meses, fonte de intermediação financeira mais do que de produção, e não pagando impostos (desde 1995 lucros e dividendos distribuídos são isentos). Aqui, como nas outras áreas, vemos como a desigualdade estrutural tende a se cristalizar na divisão entre ricos e pobres, com forte e crescente participação de acionistas que buscam a maximização dos dividendos.
É importante mencionar que a privatização transforma esses grupos em sociedades com ações cotadas na bolsa, o que permite a sua tomada de controle por grupos financeiros internacionais. O sistema passa assim a responder aos interesses financeiros dos gestores de ativos, como a BlackRock, em vez de serem organizados em função das necessidades de qualidade de vida da população. Como os pobres têm pouco dinheiro, os serviços de saúde priorizam os interesses das elites. De certa forma, as elites se reforçam nas conexões financeiras e tecnológicas no exterior, e se desresponsabilizam dos interesses da nação.
O trabalho, outra área analisada por Freudenberg, apresenta no Brasil condições particularmente absurdas. A orientação geral dos últimos governos, é de que se deve deixar “os mercados” resolverem os desequilíbrios. Mas os dados são claros. Para uma população total de 213 milhões, o Brasil tem cerca de 150 milhões de pessoas em idade de trabalho (entre 16 e 64 anos, no critério da ONU), e 106 milhões na força de trabalho, pessoas que ou trabalham ou buscam emprego. Mas o país tem apenas 33 milhões de empregos formais privados. Acrescentando 11 milhões de empregos públicos, são 44 milhões formalmente empregados. Por outro lado, 40 milhões estão no setor informal, pessoas que simplesmente “se viram”, sem direitos ou proteção social, e com um rendimento médio que é a metade do que se aufere no setor formal da economia. Aos 40 milhões devemos acrescentar 15 milhões de desempregados, e 6 milhões desalentados, que querem trabalhar mas desistiram de procurar.
No conjunto, a subutilização da força de trabalho é da ordem de 60 milhões de pessoas, absurdo mal disfarçado com iniciativas como “micro-empresário-individual”, MEI, e participando do universo qualificado de “precariado”. É interessante cruzar esse dado com a subutilização do solo agrícola: os 160 milhões de hectares mencionados acima representam 5 vezes o território da Itália. O país tem uma imensidão de coisas a fazer, terra parada, capitais empatados em rendimentos financeiros, inúmeras atividades intensivas em mão de obra como saneamento básico, cinturões verdes em torno das cidades, pessoas desesperadas por fazer algo de útil, e o país está esperando “os mercados”. A exclusão produtiva generalizada impacta por sua vez e de forma dramática a qualidade de vida das pessoas, tanto pela renda insuficiente, como pelo sentimento permanente de insegurança das famílias quanto seu futuro.
O quinto eixo analisado por Freudenberg, o dos transportes, é igualmente aplicável ao Brasil. O país, por pressão das corporações, optou pela composição intermodal mais cara e menos produtiva. Para o transporte de carga, a opção foi pela estrada e o caminhão, o que é incomparavelmente mais caro do que a ferrovia e a cabotagem, lembrando que os principais centros urbanos do país são portuários, ou semi-portuários como no eixo São Paulo/Santos. No caso da matriz de transporte de pessoas, a opção, por interesse das montadoras internacionais, foi privilegiar o transporte individual por automóvel, lucrando com as elites e classe média que podiam comprar carros, fragilizando o transporte coletivo. No caso de São Paulo e outras cidades, inclusive, se tirou os trilhos de bondes para reforçar a opção do transporte individual. Os bondes, transporte elétrico e coletivo, são amplamente utilizados em cidades ricas. A organização Nossa São Paulo mostrou que o paulistano médio perde no transporte 2h43 minutos por dia útil, tempo em que não trabalha, não estuda, não está com a família.
O impacto na qualidade de vida é violento. Uma pessoa que mora na Cidade Tiradentes, na periferia de São Paulo, levanta às 5h da manhã para estar às 8h nos bairros onde há empregos, volta para casa às 20h, adormece no sofá vendo bobagens na tv. Daqui a pouco são 5h novamente. Que vida de família pode haver nestas condições, que capacidade de recuperação de forças, que espaço para lazer e enriquecimento cultural? A questão dos transportes coloca assim tanto a questão da opção pelo transporte individual, como a organização do território urbano, a localização dos empregos, e evidentemente o sistema de especulação imobiliária que grava nos espaços urbanos a desigualdade herdada. No conjunto, com as decisões sobre as opções de transporte dependentes das corporações interessadas, e no quadro da desigualdade, o resultado é uma profunda irracionalidade, custo mais elevados, e muito sofrimento na base da sociedade. Lembrando que o carro que entulha nossas ruas e nos paralisa é usado apenas 5% do tempo em média, 95% do tempo apenas ocupa espaço.
O último eixo se refere às conexões sociais, área que se tornou crucial nos últimos tempos. Lembremos que nesta área estamos plenamente dependentes do GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft), todas norte-americanas, e que apresentam lucros gigantescos. O uso do Facebook, por exemplo, pode parecer gratuito, mas os seus gigantescos lucros são pagos por empresas de publicidade, cujos custos são repassados aos produtos que compramos. Não há almoço de graça, e quem paga esses gigantes somos nós. A eficiência dos grupos vem da comercialização de informações privadas, uma nova indústria tão bem descrita por Shoshana Zuboff. O monopólio planetário que se gerou é compreensível: como se trata de comunicação, somos obrigados a utilizar o que os outros utilizam, gerando um monopólio de demanda. E como não podemos dar um passo no computador ou no celular sem autorizar os cookies a acessarem tudo o que fazemos, a manipulação comercial, financeira e política se generalizou.
Os perfis individualizados permitem aos algoritmos reforçar o consumismo; a informação da nossa situação financeira permite discriminação de preços; os perfis políticos, sociais e emocionais permitem a erosão da democracia. Gerou-se uma atomização social, fragmentação do convívio, sentimento de solidão e de insegurança. A tendência é agravada pela erosão do convívio familiar. Onde antes havia o clã familiar, e o domicílio vibrante de avôs, tios, netos, brigas e gargalhadas, hoje temos o domicilio médio com 3 pessoas no Brasil (2 pessoas na Europa), muitos solitários, grande parte de domicílios com mães sós com os filhos. Essa desagregação da família ampla, tendência planetária, é mal compensada pelo celular e as conexões online. A erosão da família e das comunidades geram uma outra realidade.
Os seis eixos que Freudenberg analisa permitem entender os desafios, os mecanismos e as oportunidades. A parte final do livro desenha as linhas de ação possíveis, mostrando que há inúmeras iniciativas, que raramente aparecem na mídia comercial dependente da publicidade das corporações, mas que apontam caminhos possíveis. Mas é essencialmente um livro realista. Vivemos momentos críticos, ou melhor dizendo uma convergência de crises que se aprofundam e retroalimentam. A catástrofe ambiental resulta do aquecimento global, da perda de biodiversidade, do esgotamento de solos agrícolas por manejo predatório, da perda de cobertura florestal, da acidificação e subida dos mares, da poluição da água doce e esgotamento dos aquíferos, dos plásticos e outros resíduos que contaminam os oceanos e as diferentes formas de vida, dos antibióticos na carne que comemos, de resíduos de produtos farmacêuticos que hoje se encontram nas mais variadas fontes de água. Somos hoje 8 bilhões de habitantes, e 80 milhões a mais a cada ano, os desastres ambientais aumentam, e nos sentimos impotentes.
Mas o mais importante é entender o papel das corporações e da organização social: como evitar o plástico se todo o sistema está baseado nele? Como reciclar o lixo se sabemos que a maior parte fica simplesmente misturada? Como evitar alimentos ultraprocessados se estão em todas as prateleiras e unidades de fast food? As empresas que colocam antibióticos na ração animal não conhecem os impactos? A Volkswagen não sabia dos impactos das emissões?
Hoje temos as estatísticas, mas não o poder de mudá-las. A OMS apresenta em detalhe os 8 milhões de mortes prematuras causadas pelo cigarro, 7 milhões de fumantes e 1,2 milhão por exposição passiva. Morrem cerca de 4,2 milhões por poluição do ar, 3,6 milhões por poluição da água. Total 15,8 milhões por ano, com causas conhecidas, e evitáveis. A obesidade, causada em grande parte por alimentos industrializados, causa mais 5 milhões de mortes prematuras. O câncer, em boa parte causado por produtos químicos, gera 10 milhões de mortes anuais, e hoje atinge até jovens e crianças. As empresas que causam essas mortes conhecem perfeitamente os números. Mas a prioridade é obter mais lucros e dividendos para os acionistas, grandes grupos financeiros. Todos eles assinam os princípios de ESG.
Freudenberg deixa clara a responsabilidade central das deformações: “A globalização controlada pelas empresas, a financeirização, a desregulamentação, a concentração monopolista e a captura corporativa de novas tecnologias, características que definem o capitalismo do século 21, são causas fundamentais de múltiplas e crescentes ameaças ao bem-estar. Essa uniformização justifica um forte enfoque sobre o sistema, que é a causa subjacente.” E deixa igualmente claros os caminhos, que passam pela articulação dos diversos movimentos sociais, em torno dos problemas críticos identificados: “Ao integrarem esforços para resolver os problemas que as pessoas enfrentam em seu dia a dia com uma análise das realidades econômicas, sociais e políticas em transformação, aqueles que buscam um mundo diferente podem alcançar melhorias a curto prazo enquanto preparam o cenário para mudanças mais transformadoras no futuro.”
O livro constitui uma excelente introdução ao mundo real. O autor sonha, sem dúvida, ou como escreve, “imagina”, mas é um realista de mão cheia, identifica os desafios, os mecanismos que geram os dramas, e aponta os caminhos. Trata-se do futuro de todos nós.
* Ladislau Dowbor é professor de economia da PUC-SP, consultor de várias agências da ONU, e gestor do site http://dowbor.org, pequena biblioteca científica com textos disponíveis gratuitamente online, Creative Commons. Os seus últimos livros são A Era do Capital Improdutivo, e O Capitalismo se Desloca. Propostas para o Brasil estão sistematizadas no livro O Pão Nosso de Cada Dia: opções econômicas para sair da crise. Contato ldowbor@gmail.com
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