domingo, 8 de maio de 2022

Ucrânia: O TRIUNFO DA MANIPULAÇÃO

Novo santo beatificado já aparece em velas. A igreja ortodoxa ucraniana, o comediante, o regime ukronazi e a NATO estão alinhados. Grotesco.

Manuel Augusto Araújo | Praça do Bocage

Começa a ser grotesca a contrafacção que hora a hora, minuto a minuto nos é vendida sobre a guerra na Ucrânia com a entronização do seu oportunista presidente, mesmo com as mais bimbas imagens, e a sua corte de oligarcas que, por um milagre mais perfumado que o das rosas, foram beatificados no papel espessamente couché da Forbes como multimilionários. São as vantagens e o preço de servir de mula a uma guerra entre dois impérios capitalistas, os EUA e a Rússia.

Vários e múltiplos são os episódios detergentados pela comunicação social mercenária, um paradigma do servilismo ao império em que muitos dos seus escreventes são pagos, directa ou indirectamente pela CIA, como documentos desclassificados manifestam, que sem revelar nomes revelam a quantidade, nos anos setenta eram mais de oitocentos os que figuravam na folha de pagamentos, a que há que acrescentar todos os colaboradores dessa prestimosa agência que agora são comentadores residentes.

Hoje o Público, esse jornal dito de referência que só continua a existir porque os azevedos empenharam-se de pais para filhos, em investir a fundo perdido na propaganda comunicacional, noticia em duas páginas a pré-publicação do tosco panegírico Vlodymyr Zelensky: Biografia, um relato de uma rasca moralidade, parcialidade e manipulação da vida do presidente da Ucrânia que todos os dias, nas nossas televisões e outras mundo fora, faz conversas em família em que lê, com os seus dotes de comediante, os teletextos que as agências de informação ao serviço dos EUA/NATO impingem contribuindo para a desinformação em curso e para a sua farsa de estadista. O livro é uma das peças do triunfo da vigarice intelectual para dulcificar a imagem de Zelensky e de um país dominado pelos oligarcas seus comparsas que vão enchendo as suas e as dele contas offshore, as que foram conhecidas na investigação dos Pandora Papers e outras ainda com paradeiro desconhecido, em que a interferência e o comando de forças externas é a normal anormalidade de um estado que é dos mais corruptos do mundo, onde a corrupção continua a prosperar, que tem um sistema eleitoral de que são excluídos dezenas de milhares de cidadãos, onde o apartheid se tornou lei, onde as milícias armadas nazi-fascistas foram legalizadas, onde foi e é feita a reabilitação histórica de líderes nazis, que é desde 2014 o campo de treino dos fascistas europeus, norte-americanos e canadianos, onde prospera a perseguição, o medo, o assassinato político e a ilegalização dos partidos políticos que se opõem ao poder instituído submetido às potências do circulo imperialista, em que as forças de segurança e os militares se dão ao desplante de publicarem vídeos das torturas que infligem aos seus adversários sejam ucranianos ou soldados russos. Com um descaramento que não conhece alguma fronteira Sergiuu Rudenko escreve uma pseudo biografia de Zelensky atribuindo-lhe excelsas qualidades bem maiores do que aquele que conseguia transformar água em vinho, limpando a imagem de arrivista sem escrúpulos patente num filme que até de algum modo pretendia elogiá-lo e foi exibido por cá em dois canais televisivos. Para esse biógrafo assoldadado a Ucrânia é uma variante de paraíso terrestre atacado pelas forças do mal, a que seu presidente resiste com a heroicidade de um super homem dos Monty Python.

Na operação de branqueamento e de lavagem em curso vale tudo, a começar pela imagem de uma guerra em que de um lado só há civis mortos e torturados e do outro bárbaros soldados que não conseguem acertar num único soldado inimigo, só em mulheres e crianças, nem em alvos militares só escolas, creches, hospitais e e edifícios residenciais. Em que o que ainda há poucos anos eram descritos como brutais milícias nazi-fascistas agora são endeusados como cruzados dos valores ocidentais. Quando na realidade a Ucrânia consegue ser pior que a Rússia de Putin, o que não é fácil e em nada justifica a invasão e esta guerra. Guerra que para o Ocidente que a alimenta é um pesado fardo económico e militar, mas que interessa sobremaneira aos EUA que como usualmente tripudiam o direito internacional impondo a sua lei utilizando as sanções, para no imediato conseguirem que a sua indústria de fracking, o mais poluente modo de produzir gás e petróleo, que estava à beira da falência colocando em risco o sistema bancário que a tinha financiado, os vá vender à Europa a preços três vezes superiores aos actuais, sem contar com as instalações logísticas necessárias para os processar. É um procedimento de a curto prazo atrasarem a sua decadência, continuando a fazer pagar aos países amigos, inimigos e assim-assim parte do seu crescente e impagável défice sem ir à ruína. Os autocratas imbecilizados da Comissão Europeia, que de macroeconomia nada sabem, nem percebem que isso vai impossibilitar o desenvolvimento europeu, colocando-o na dependência dos EUA. Só mesmo falta, como Michael Hudson ironizou, desistirem do euro e adoptarem o dólar. Essa é só uma parte dos grandes benefícios económicos-financeiros, os outros, até mais visíveis, são os das indústrias armamentistas, do complexo militar-industrial-económico-financeiro e tecnológico que dá corda à vez a democratas e republicanos.

Dando páginas a livros deste jaez na molhada de notícias fraudadas que de um dia para o outro alteram a realidade, o jornalismo mercenário sobrevive fazendo-se pagar directa e indirectamente ou costurando pro bono a sua sobrevivência contribuindo para a normalização do nazi-fascismo que está em marcha na tentativa de esmagar qualquer hipótese de resistência ao capitalismo neoliberal. Os sinais multiplicam-se das notícias aos comentários de uma tropa fandanga de estrategas, politólogos, biógrafos, think-tanks, nas mais miseráveis e desbragadas manobras de uma vasta acção psicológica para validar, como alguém já referiu, o actual momento Moby Dick do neoliberalismo capitalista tecno-feudal, em que se revisitam quase diariamente versões actualizadas da Lição de Anatomia de Rembrant dissecando o cadáver da desta guerra mundial ainda que territorialmente localizada, que a comunicação estipendiada nos vende em folhetins na sua variante pós-moderna e performativa. Um oceano de turbulentas vagas informativas pra condicionarem a opinião pública registando as acções do capitão Ahab dos EUA/NATO e seus subservientes mordomos, muito empenhados em arpoar a baleia branca que sem hipótese de sobrevivência vai continuando a vitimar Ahab e os tripulantes do Pequod, enquanto nós, como Ismael, o sobrevivente da Moby Dick de Melville, temos a obrigação militante de combater, sem ter tempo nem espaço para descanso, os ventos das falácias, das ficções, das fraudes, das farsas que o sistema moribundo manipula sem parar.

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