terça-feira, 14 de junho de 2022

Angola | Heróis ao Desbarato e Golpistas Valorizados – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Familiares dos golpistas de 27 de Maio de 1977 ou mesmo os golpistas que não tinham responsabilidades na sua direcção política e militar tendo por isso penas mais leves, todos os anos, antes, durante e depois do mês fatídico, abrem campanhas contra o Estado Angolano, todas e todos que se opuseram e derrotaram os golpistas, mas sobretudo contra os dirigentes da época. Este ano, o festival foi abrilhantado pelo ministro da intentona e alguns familiares dos mais altos dirigentes condenados. Paralelamente, desenvolveram nos Media a campanha de mentiras e calúnias do costume. Até a angélica Francisca Van-Dúnem entrou na farra. Não se respeitam, não respeitam os parentes, não respeitam Angola.

Na campanha de falsificação da História, ontem um dos propagandistas de serviço escreveu isto sobre os golpistas sentenciados e condenados: “Era a geração mais urbanizada, formada, cosmopolita, idealista dos últimos 170 anos da colonização. Era a mais politizada, e bem informada; universitários, funcionários públicos, jovens militares, jornalistas, artistas, futebolistas que foi toda enviada para a morte sem dó nem piedade. Era a nata e o luxo de que uma nação se pode orgulhar”.

Os golpistas sempre pensaram assim. Por isso deram o golpe. Estavam convencidos de que eram o luxo e a nata de Angola. Eram os mais formados e politizados.  Os mais revolucionários. Os únicos que podiam governar. Agostinho Neto fora. Eta burguês e casou com uma mulher branca. Lúcio Lara fora. Era burguês e mestiço. Comandante Xiyetu fora. É analfabeto e “catetista”. Iko Carreira fora. Era mestiço. Carlos Rocha (Dilolwa) fora. Era mestiço e protector dos esquerdistas. Maria Mambo Café fora. Era reacionária. Pedro Maria Tinha (Pedalé) fora. Era reacionário porque estava ligado à Igreja. Manuel Pedro Pacavira fora. Era reaccionário e analfabeto. Pascal Luvualu fora. Eras um burguês reaccionário.   Rodrigues João Lopes (Ludy Kissassunda) fora. Era reaccionário e veio da UPA/FNLA.

Os nomes são de membros do Bureau Político do MPLA. Altos dirigentes do Estado e do movimento. Tinham de ser derrubados. Tentaram mas foram derrotados. Os membros da direcção política e militar do golpe, ao contrário do que dizem as e os falsificadores da História Contemporânea de Angola foram julgados sim. 

Angola estava em guerra. Os golpistas eram quase todos militares. Foram apresentados a um Tribunal Marcial, no Ministério da Defesa. E condenados à morte por fuzilamento. Os que decapitaram o Estado-Maior General das FAPLA não esperavam outro desfecho para o golpe. Como não seria outro, se triunfassem. Do Governo só era poupado o ministro Minerva. E do Bureau Político eram todos fuzilados.

A geração “mais urbanizada, formada, cosmopolita, idealista dos últimos 170 anos da colonização. Era a mais politizada, e bem informada; universitários, funcionários públicos, jovens militares, jornalistas, artistas, futebolistas que foi toda enviada para a morte sem dó nem piedade. Era a nata e o luxo de que uma nação se pode orgulhar”, depois do golpe de estado continuou a dar tudo pela construção da Angola Independente. Felizmente é uma mentira hedionda escrever que “foi toda enviada para a morte sem dó nem piedade”. E é uma grande falta de respeito por todas e todos que deram o seu melhor pela soberania nacional e a integridade territorial.

Depois do golpe de estado, milhares de homens e mulheres bateram-se nas frentes de combate contra os mercenários e exércitos estrangeiros. Milhares e milhares de jovens continuaram os seus estudos nas escolas de todos os níveis. Milhares e milhares de professores continuaram a ensinar, apesar da penúria generalizada, provocada pelas agressões estrangeiras. Milhares de técnicos de saúde continuaram a cumprir as suas missões nos hospitais e centros de saúde, que não foram destruídos pelos agressores. Os aviões da TAAG continuaram a voar. Os camiões e machimbombos continuaram a circular. Aas fábricas que herdámos do colonialismo,  continuaram a laborar. Nada parou. Mas muito mudou.

Os golpistas andaram meses a esconder bens alimentares em armazéns clandestinos para fomentarem a revolta popular. Depois de 27 de Maio de 1977 a comida voltou. Os bens essenciais voltaram. Os serviços públicos continuaram a trabalhar. As forças armadas continuaram a combater. Alguma vez faltaram soldados, sargentos e oficiais de todos os escalões nas frentes de combate? Nunca. Todo o país se mobilizou para a guerra pela soberania nacional.

Sim, alguns golpistas eram politizados, urbanizados, formados, cosmopolitas, idealistas, jovens militares, cantores e futebolistas. Mas nenhum era jornalista. Nem propagandistas eram. Uns pobres diabos cegos pela ambição. Nito Alves não era cosmopolita nem formado. José Van-Dúnem não era cosmopolita nem formado. Muito menos militar. Monstro Imortal não era cosmopolita nem formado. Sianouk não era cosmopolita nem formado. Bakalof não era nada. 

Alguns membros da direcção do golpe, sim, andaram a estudar. Estudámos na mesma escola. Mas quando em 1974 os independentistas brancos tentaram impor em Angola um regime igual ao da África do Sul e da Rodésia (Zimbabwe) e Namíbia, não vi nenhum defendendo o povo dos musseques na famosa linha “L”. E tínhamos armas desviadas do ASMA. Tínhamos camaradas que ensinavam a disparar e manusear granadas. Mas não havia mão-de-obra. Os golpistas estavam acima dessas coisas.

 Na Grande Batalha do Ntó estiveram na linha da frente jovens da geração de 40 e 50. Nenhum aderiu ao golpe de 27 de Maio de 1977. Na Grande Batalha de Kifangondo estiveram ao comando jovens da geração de 40 e 50. Nenhum aderiu ao golpe de estado militar do 27 de Maio de 1977. Na Grande Batalha de Luanda, em 1975, contra as tropas zairenses e os esquadrões da morte da FNLA, estiveram ao comando jovens da geração de 40 e 50. Nenhum aderiu ao golpe de estado dos fraccionistas. Na Grande Batalha do Luena bateram-se contra os invasores sul-africanos milhares de jovens da geração de 40 e 50. Nenhum aderiu ao golpe de estado. O comandante Dangereux, assassinado pelos golpistas, comandou as tropas angolanas vitoriosas. Na Grande Batalha do Ebo estiveram milhares de jovens da geração de 40 e 50. Nenhum embarcou na aventura dos golpistas. 

Milhares de jovens da geração de 1940 e 1950 bateram-se em todas as frentes até à derrota dos invasores sul-africanos, em Março de 1976. Nenhum aderiu à direcção política e militar do golpe de estado de 27 de Maio de 1977.

Depois do golpe de estado, milhares de jovens das gerações de 40 e 50 continuaram a lutar pela soberania nacional e a integridade territorial. Os golpistas não fizeram falta. Os heróis que derrotaram as tropas sul-africanas na Cahama não eram golpistas. Os heróis que derrotaram os sul-africanos no Triângulo do Tumpo (Cuito Cuanavale) não eram golpistas. Pelo contrário, alguns combateram galhardamente contra os golpistas até os derrotarem.

Os golpistas “urbanizados, formados e idealistas” eram peritos na arte de combater com a língua. A especialidade deles era reuniões enfadonhas e intermináveis. Os estudantes da Universidade que aderiram ao MPLA estavam maioritariamente nos Comités Amílcar Cabral (CAC) e não nos grupos “revisionistas” ou pró-soviéticos. A Academia de Luanda era a favor de Agostinho Neto. Militantes do MPLA conotados com a extrema-esquerda. Que os golpistas apelidavam de traidores e pequeno-burgueses de fachada radical. Muitas e muitos angolanos formados, urbanizados e politizados abandonaram Angola porque eram perseguidos camarilha de Nito Alves.

A Academia no Huambo era MPLA. Jovens da geração de 40 e 50. Mas não era golpista. Convivi com muitos. Trabalhei com eles. Carlos Fernandes, Cesaltina Abreu, José Leal, Fernando Pacheco, Rui Galhanas e muitos outros eram do MPLA mas nada tinham a ver com os golpistas. Esses não prestam? Não são politizados? Não são formados? O Dr. David Bernardino não era golpista. O engenheiro Marcelino não era golpista. 

O general Higino Carneiro era professor em 1974. Um jovem da geração de 40 e 50. Em 1977 foi um dos que combateu os golpistas. A sua carreira militar e política falam por ele. Não presta, saudosos do golpe?

O general Nado Cuito andava a combater quando os golpistas se desdobravam em conspirações. É um Herói da Cahama e do Cuito Cuanavale. Nunca foi golpista. Sabe mais a dormir do que os golpistas todos juntos, com os olhos abertos.

O General Nzumbi é um jovem da geração de 40 e 50. Estudante do ensino técnico aprendeu técnicas de rádio. Quando a Pátria o chamou, bateu-se em Kifangondo, na libertação do Norte, na Cahama, em Malanje. Era o comandante da Frente Leste quando Savimbi foi derrotado, pondo fim à guerra. Este Herói Nacional sabe mais do que os golpistas e seus familiares todos juntos. Fez um curso superior de guerra e ficou em primeiro lugar entre dezenas de colegas. Coitados dos golpistas. Tirando Monstro Imortal, militarmente valiam zero. Nem uma secção da guerrilha eram capazes de comandar, quanto mais grandes unidades e regiões militares.

Não mintam. Não atropelem. Não insultem todas e todos que combateram vitoriosamente o golpe de estado. Mesmo que tenham as costas quentes pelo Francisco Queiroz. Esse vai na enxurrada de lixo para um aterro sanitário quando escrevermos a História Contemporânea de Angola. Aproveitem a negociata das ossadas, porque mesmo essa mama está quase a acabar.

O comandante Eurico Gonçalves e o diplomata Garcia Neto foram estudantes do Liceu Salvador Correia. Colegas de alguns golpistas, como Juca Valentim. Dois jovens brilhantíssimos da geração de 40 e 50. Foram indubitavelmente assassinados pelos golpistas. Há testemunhas, há depoimentos, há provas indesmentíveis. Eurico foi estudar para Portugal e depois juntou-se à guerrilha. Foi o comissário político da Frente Norte. Como não patenteou vigaristas e mentirosos, mataram-no. 

Garcia Neto foi estudar para Portugal. Integrou as células clandestinas do movimento e foi preso no famoso processo do padre Joaquim Pinto de Andrade, na época presidente de honra do MPLA. Mataram-no por ter dito aos seus matadores que se todos regressassem às suas casas e depusessem as armas, seriam poupadas muitas vidas. Foi cuspido, insultado e torturado. Esses dois jovens da geração de 40 e 50 eram lixo? Não. Eram do melhor que o MPLA tinha. Dos melhores filhos do Povo Angolano.

Zé Van-Dúnem fez a recruta nas forças armadas portuguesas e quanto estava na especialidade foi preso. Sabia manejar armas. Quando chegou a Luanda, libertado do Campo de Concentração de São Nicolau (Bentiaba), recusou-se a ir defender as populações dos musseques dizendo que era político. Por isso era o luxo de uma noção. As armas sujam as mãos e quando disparam muitos carregadores ficam quentes pra burro! As balas dos inimigos, quando acertam, furam a pele, partem os ossos, rompem a carne, cortam artérias e matam.

Os golpistas, acima de tudo, eram covardes. Mas também irresponsáveis e desmedidamente ambiciosos. Quem os derrotou não tem que pedir desculpas a ninguém e muito menos perdão. Os seus familiares são oportunistas insanáveis. Querem fazer render o comércio das ossadas. Gente desavergonhada que não respeita ninguém, nem os parentes falecidos.

Parem com a negociata das ossadas e essa loucura de pôr em causa duas gerações de militantes e combatentes do MPLA que salvaram a Pátria da dependência estrangeira e da mutilação de vastos territórios. A esmagadora maioria dos jovens da geração de 40 e 50 que aderiu ao MPLA era e é contra os golpistas. Não se iludam. Não mintam. Não manipulem. Em 1992, nas primeiras eleições multipartidárias, o partido dos golpistas e de restos da Revolta Axctiva, o PRD, elegeu apenas um deputado. Nas eleições seguintes averbou 0,20 por cento dos votos e foi extinto, Os golpistas e seus familiares não representam nada nem ninguém. Não é por terem os favores do ministro Francisco Queiroz que passam a valer alguma coisa. Ele próprio vale menos do que excrementos de catuitui.

*Jornalista

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