quarta-feira, 27 de julho de 2022

Angola | Falaram Tanto que a Morena Foi Embora – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Samba é Ataúlfo Alves numa aliança fraterna com Mário Lago. Ao Ataúlfo chamavam Garnisé por ser pequenino e cantar como ninguém. Mas foi tão grande como o pensamento livre. Mário Lago era um dos maiores actores do Brasil mas como letrista do Garnisé foi único e irrepetível. Os dois criaram sambas que fazem parte da riquíssima história da grande música negra.

Ataúlfo cantou, compôs, tocou violão, cavaquinho e bandolim. Uma das suas composições foi interpretada por Carmem Miranda e por essa via entrou no mundo artístico. Encheu os corações de milhões de fãs, desde o Rio de Janeiro ao Negage, mas nunca se pronunciou sobre as suas opções políticas. 

O seu parceiro Mário Lago extravasou o mundo dos palcos e dos ecrãs de cinema. Foi um militante comunista muito activo e deu a cara na campanha que levou Lula da Silva à sua primeira vitória eleitoral para a Presidência da República. Estou à espera da próxima vitória, camarada Lula!. Era excepcionalmente culto e elevou a arte de representar a um patamar inigualável.

No meu pequeno mundo, Ataúlfo Alves e Mário Lago têm um lugar de eleição porque deram à arte popular uma grandeza tal, que a partir deles ruíram as torres de marfim onde poetas macilentos e músicos desgrenhados olhavam com desdém para a humanidade que respira com a pele encostada ao chão. Os rurais ganharam visibilidade e passaram a ser vistos como almas doces e sensíveis. Meninas, não se esqueçam, eu sou um rural da Kapopa!

A nossa festa chama-se eleições gerais. Kizomba total. Quem não tem preparação pode dançar di lento, peito com peito, cara a cara. Que ninguém siga o rasto dos ateadores de fogueiras. Ninguém desça ao nível dos motoqueiros incendiários. Ninguém dê importância a Adalberto, controlado por Chivukuvuku, trela curta, discursos revistos palavra a palavra. 

Quem manda na campanha é aquele que ameaçou reduzir Angola a pó e balcanizar o país, esse mesmo, Abel Chivukuvuku. Depois meteu-se num golpe de estado, falhou, foi gravemente ferido, os médicos salvaram-no e renunciou ao Savimbi. Está de regresso cheio de guso para novos golpes.

Nós somos os que sempre estiveram com o Povo Angolano. Temos a confiança do Povo Angolano. Não podemos descer à lixeira ou à kibanga. Aos votantes do MPLA fica terminantemente proibido cultivar o ódio e a violência. Isso é com o pessoal do Galo Negro e só interessa aos esforçados e competentes agentes da Polícia Nacional.

 Se for preciso, saímos das ruas porque não podemos misturar-nos com marginais violentos, saudosos das fogueiras da Jamba. Cuidado, Bela Malaquias! Não é uma retirada, não é virar as costas ao eleitorado. É mostrar que amamos a democracia e queremos paz, unidade, reconciliação, solidariedade. 

As reacções dos marginais incendiários contratados pela UNITA obrigam a deixar a maka nas mãos da Policia Nacional. Tanto mais que 33 militantes da FNLA entre os quais três candidatos a deputados, entraram na senda do crime. A aliança do medo e do terror é mais larga do que pensávamos. Virar as costas à violência e ao ódio não é capitulação. É mais aquele samba de Mário Lago e Ataúlfo Alves que reza assim: 

(Covarde sei que me podem chamar/porque não calo no peito essa dor/atire a primeira pedra, ai,ai,ai/aquele que não sofreu por amor.)

Os críticos de Ataúlfo e Lago apontam como pecado o samba “Amélia” a que era mulher de verdade, porque passava fome a meu lado e achava bonito não ter que comer. A mulher que quando me via contrariado dizia conformada: meu bem, o que se há-de faze? Sim. Amélia é que era mulher de verdade, mas não porque os autores do tema achassem que as mulheres devem ser submissas.  

Os dois fizeram um samba onde uma mulher se revoltou e saiu de casa, deixando ao companheiro esta mensagem: 

“Lembro-te agora/Que não é só casa e comida/Que prende por toda vida/O coração de uma mulher.” 

A insubmissão é amiga do amor. Ainda que Amélia não tivesse a menor vaidade, ao contrário dos sicários do Galo Negro, pagos para partir, destruir, incendiar, odiar. As vitórias eleitorais não chegam de motorizada, não se constroem com violência e intolerância. Esperem pelo dia 24 de Agosto e vão saber o que é a mãe de todas derrotas. 

A UNITA tem de aderir à democracia, sem truques nem subterfúgios. Se não conseguem viver em democracia, vão ter que ouvir estas palavras de Ataúlfo e que são a marca de um dos mais belos sambas: 

“Pois é/Falaram tanto que desta vez/A morena foi embora/Disseram que ela era a maioral/E eu é quem não soube aproveitar/Endeusaram a morena tanto, tanto/Que ela resolveu me abandonar/A maldade nessa gente é uma arte/Tanto fizeram que houve a separação, ai, ai, ai/Mulher a gente encontra em toda parte/Mas não se encontra a mulher que a gente tem no coração.”

Mas porque meti o samba nesta crónica? Porque a grande música negra cura tudo e ilumina águas passadas tumultuosas de mágoas. Quem tem o apoio do Povo Angolano (o M PLA hoje e sempre!), é sempre primeiro. Samba, samba, quizomba. A fabulosa música negra! 

*Jornalista

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