Os mais de 124.000 documentos confidenciais, analisados no âmbito da investigação Uber Files do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, revelam, nomeadamente, o acordo secreto de Emmanuel Macron sobre a plataforma digital.
Os documentos em causa correspondem a um período de cinco anos, em que a Uber era administrada pelo seu cofundador Travis Kalanick. A investigação mostra como a Uber fez lóbi junto de primeiros-ministros, presidentes, bilionários, oligarcas e barões dos media e como os seus executivos estavam perfeitamente conscientes da violação da lei por parte da empresa.
De acordo com o TheGuardian (link is external, o conjunto de arquivos, que abrange os anos de
No contexto de greves de táxi e
tumultos em Paris, Kalanick ordenou que os executivos franceses retaliassem,
incentivando os motoristas do Uber a realizar um contra-protesto com
desobediência civil
De acordo com o The Washington Post, em julho de 2015, Rui Bento, então gestor da Uber em Portugal, tentou capitalizar a violência contra motoristas da Uber. A ideia passava por difundir as informações dos ataques dos taxistas contra motoristas da plataforma digital para “criar uma ligação direta entre as declarações públicas de violência do presidente da ANTRAL (Florêncio Almeida) e estas ações, para degradar a sua imagem pública”.
O lóbi junto de governos e o acordo secreto de Macron
A investigação inclui trocas de mensagens entre Kalanick e Emmanuel Macron, que secretamente ajudou a empresa na França quando era ministro da Economia, permitindo que a Uber tivesse acesso frequente e direto a ele e à sua equipa. Macron chegou a garantir à plataforma digital que tinha feito um “acordo” secreto com os seus oponentes para favorecer a multinacional.
Em 2015, quando as autoridades francesas tentaram banir a operação da Uber em Marselha, Macron garantiu que iria “tratar disso pessoalmente”. “Para já, fiquem calmos”, afirmou o governante.
A Uber tentou, sem sucesso, também pressionar o chanceler alemão, Olaf Scholz, então autarca de Hamburgo. Já Joe Biden, à época vice-presidente dos EUA, após se ter reunido com Kalanick, referiu-se no Fórum Económico Mundial ao CEO cuja empresa daria a milhões de trabalhadores “liberdade para trabalhar quantas horas quiserem, gerir as suas próprias vidas como quiserem”.
Os executivos da Uber tiveram encontros com o primeiro-ministro irlandês, Enda Kenny, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e George Osborne, então chanceler do Reino Unido, identificado como um “forte defensor”.
Foram vários os governos que a
Uber pressionou a reescrever as leis a seu favor e a favor do seu modelo de
negócio, em detrimento do setor dos táxis. Só em
Os documentos indicam que a Uber era adepta de encontrar caminhos não oficiais para chegar ao poder, gozando de influência através de amigos ou intermediários, ou procurando encontros com políticos nos quais assessores e funcionários não estavam presentes.
A plataforma digital conquistou o apoio de figuras poderosas em lugares como Rússia, Itália e Alemanha, oferecendo-lhes participações financeiras premiadas na startup e transformando-as em “investidores estratégicos”. E, numa tentativa de moldar os debates políticos, pagou a académicos proeminentes centenas de milhares de dólares para produzir investigações que apoiassem as alegações da empresa sobre os benefícios de seu modelo económico.
De Moscovo a Joanesburgo, beneficiando de financiamento de capital de risco sem precedentes, a Uber subsidiava massivamente viagens, seduzindo motoristas e passageiros para a aplicação com incentivos e modelos de preços que não seriam sustentáveis.
Métodos sofisticados para fugir à lei
A Uber desenvolveu métodos sofisticados para impedir a aplicação da lei. Um era conhecido internamente na Uber como “kill switch”. Perante investigações judiciais, os executivos da empresa davam ordens para cortar o acesso aos principais sistemas de dados da empresa, impedindo as autoridades de reunir evidências. Os arquivos divulgados sugerem que a técnica, assinada pelos advogados do Uber, foi implantada pelo menos 12 vezes durante rusgas em França, Holanda, Bélgica, Índia, Hungria e Roménia.
Num comunicado em resposta à investigação, a Uber admitiu “erros e equívocos”, mas assinalou que a plataforma sofreu uma transformação desde 2017 sob a liderança de seu atual presidente-executivo, Dara Khosrowshahi.
“Não temos e não vamos arranjar desculpas para comportamentos passados que claramente não estão alinhados com os nossos valores atuais (…) Em vez disso, pedimos ao público que nos julgue pelo que fizemos nos últimos cinco anos e pelo que faremos nos próximos anos”, referiu um porta-voz da empresa.
Já o porta-voz de Kalanick afirmou que as iniciativas de expansão da Uber foram “lideradas por mais de uma centena de líderes em dezenas de países ao redor do mundo e em todos os momentos sob supervisão direta e com total aprovação dos robustos grupos jurídicos, políticos e de conformidade da Uber”.
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