Após Filipe Nyusi afirmar que o
terrorismo em Cabo
Delgado "não termina", o analista Mohamed Yassine
fala em "fracasso militar" na região. E diz que o Presidente terá
enviado um recado aos investidores do gás.
Na última semana, o
Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, afirmou por várias
ocasiões que "o terrorismo não
termina e que a vida não pode parar em Cabo Delgado". Filipe Nyusi disse ainda que
não entende porque alguns projetos de multinacionais ainda não retornaram
àquela província.
As palavras de Nyusi foram
proferidas, entre outras ocasiões, durante a Reunião de Negócios da Agenda
Africana da Comunidade dos Presidentes dos Conselhos da Administração e
Diretores Executivos, e provocaram alguma surpresa entre muitos observadores e
analistas políticos moçambicanos.
A DW África falou sobre o assunto
com o analista político e professor universitário moçambicano, e especialista
em terrorismo internacional, Mohamed Yassine.
DW África: Qual a mensagem que
Filipe Nyusi queria fazer passar, ao proferir publicamente as referidas
declarações?
Mohamed Yassine (MY): Primeiro,
penso que o Presidente da República, na sua forma peculiar de se comunicar - que
é muito difícil de perceber -, acabou por assumir aquilo que alguns de nós já
vínhamos dizendo desde 2020, que o terrorismo em Moçambique não iria
acabar usando o formato ortodoxo de combate que Moçambique estava a
utilizar.
DW África: O Presidente escolheu
um encontro com empresários para fazer passar esta mensagem...
MY: O Presidente escolheu
aquele encontro, onde tinha também muitos empresários internacionais, para
comunicar que [se] o terrorismo não estiver a ser vencido em Cabo Delgado, existem
muitos países que avançaram com os seus projetos económicos, assumindo que
estão enfrentando também o terrorismo. E Moçambique não deveria ser
diferente.
DW África: Qual o papel do Ruanda
em toda esta situação? Nyusi continua a contar com este parceiro na luta contra
o terrorismo?
MY: Atualmente o Ruanda
começa a ressentir-se da guerra prolongada em Cabo Delgado e também
das baixas que vai sofrendo. E por outro lado, a parte económica do próprio
conflito. O Ruanda precisa do sustento financeiro para manter as tropas lá, e
vimos ainda na mesma semana o representante da União Europeia em conversações
com o Ruanda. Também vimos o secretário de Estado norte-americano Antony
Blinken a assumir que o Ruanda joga um papel fundamental no processo de
manutenção da paz na região em África.
DW África: A petrolífera francesa
Total e os seus investimentos em Cabo Delgado são determinantes, Filipe Nyusi
dirige-se também à multinacional petrolífera?
MY: O Presidente respondia
indiretamente à mensagem da Total,
na qual dizia que, não havendo segurança em Cabo Delgado, não
iria iniciar as suas atividades. Para sustentar o que digo é que o próprio
Presidente disse que, se aquele que estiver a investir achar que não está em
condições agora, uma outra pessoa pode aparecer e investir, porque o gás
continuará lá, não irá evaporar, deixando perceber que aquela mensagem tem
a ver com o receio dos que já investiram em iniciar a exploração de gás
por causa da questão da segurança no perímetro de Inhassunge. Então, penso
que o Presidente da República não se estava a dirigir para o povo moçambicano,
mas sim para o investidor internacional.
DW África: Estas mensagens de
Nyusi poderão conter também uma mensagem implícita aos países vizinhos da
região da SADC, uma vez que as tropas poderão vir a abandonar muito em breve o
norte de Moçambique?
MY: Eu penso que se
partiu de um pressuposto errado, e nós alertámos várias vezes o Governo,
primeiro que precisava de um grupo de pensamento para identificar as
verdadeiras causas do conflito em Cabo Delgado e buscar aquilo que iria chamar
de soluções diferentes do uso da força bruta. Por exemplo, a SAMIM
[ Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em
Moçambique] tinha um plano de três meses que vai renovando, mas está a
haver um peso financeiro que está a deixar os Parlamentos desses
países numa situação de difícil anuir a mandatos sem término. Então, a
mensagem do Presidente também poderia estar-se a referir ao posicionamento
destes países, mas é preciso recordar que recentemente a SAMIM voltou a renovar
o mandato da estadia.
DW África: Portanto, na sua
opinião, as palavras de Nyusi são válidas, mas pecam por tardias, é isso?
MY: São tardias na medida em
que, no fracasso militar que está a acontecer em Cabo Delgado, e na
incapacidade de incluir outros atores sociais para melhor perceber o problema
[na província], o Governo teve muitos passos que deveria ter dado. Se
tivesse percebido também que estamos a lidar com uma insurgência que tem como a
base o extremismo violento, iria perceber que precisava de uma contra
narrativa para desfazer a ideologia que sustenta este extremismo. E também, até
aí, não ia precisar de arma nenhuma. Agora, se optou pelo uso das armas e incluiu
logo uma força internacional é porque entendeu que a única forma de vencer esta
ideologia era a via armada, e nunca se venceu nenhuma ideologia usando armas.
António Cascais | António Cascais
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