domingo, 11 de setembro de 2022

Angola | Alfabetização e Meandros da Redacção Única -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Dia da Alfabetização. Hoje é hoje. No final da vida pensamos muito no que fizemos e já não nos preocupamos com o que deixámos de fazer. Porque os anos nos ensinaram que de todas as coisas tristes, a mais triste é o que podia ter sido e não foi, o que podia ter acontecido e não aconteceu. Nada de frustrações na reta final da existência. Deixemos o pó, cinza e nada para depois do último suspiro.

A participação nas campanhas de alfabetização está em primeiro lugar nas realizações maravilhosas da minha vida longa (já estou a viver para lá dos anos que a estatística me concede). Ensinei mulheres e homens a ler e escrever! Obrigado ao camarada Neto, muito obrigado ao MPLA. Cumpri o meu dever revolucionário sob a suprema orientação dos camaradas Lukoki e Pepetela, os nossos ministros da Educação, naquele tempo de guerra e sem sol. Mas com muita alfabetização. Queríamos muito resolver os problemas do Povo. Fizemos tanta coragem, camaradas!

Também ensinei Jornalismo. Mas essa parte não me orgulha nem me faz sentir realizado. Porque já tinha arrumado aas botas quando descobri o que é a Liberdade de Imprensa nas democracias representativas e economia de mercado. A tal economia que quanto mais liberal, mais pobres e famintos faz, cria mais ricos a rebentar a pança e as costuras. Sabem o que é Liberdade de Imprensa no mundo globalizado, no capitalismo que mata? A Redacção Única! Não vos ensinei isso, caras e caros colegas! 

O nascimento da primeira agência noticiosa em França, no seguimento do desenvolvimento da comunicação à distância, marcou o início da linguagem jornalística com a sua gramática própria e que ainda continua aberta. Ao mesmo tempo a notícia passou a ser uma mercadoria. E foi necessário criar um instrumento mais eficaz para aproveitar todas as mensagens informativas. Assim nasceu a Rádio, onde a notícia ganhou uma dimensão estética e plástica. O maravilhoso espectáculo da voz humana está na primeira fila. Os edifícios sonoros são os suportes da informação. 

E nós passámos a simples assalariados. Tratados como os rapazes dos jornais (mulheres ainda não entravam nas Redacções). Mal pagos, mal considerados, mal apreciados, desprezados. Lutámos pela Liberdade de Imprensa contra os poderes ilegítimos que se instalaram na comunicação social e a dominaram à força do dinheiro na mão e cu no chão. Criámos os nossos sindicatos. Depois os Conselhos de Redacção. Tanta luta! E eles fizeram das agências noticiosas instrumentos ao serviço do Poder político. E o poder político rasteja aos pés do poder económico. Os jornalistas, além de assalariados, passaram a ser roboteiros da palavra. Zungueiros da informação avulsa. Serventes dos donos.

A globalização obrigou os amos a refinarem o processo e criaram a Redacção Única. As grandes autoestradas onde circulam milhares de milhões de fragmentos de informação desaguam numa esponja gigantesca que tudo absorve. É apertada por mãos autorizadas e dela apenas respinga a informação que eles querem, de preferência numa caldeirada com o entretenimento, quanto mais acéfalo, melhor.

Mas isso ainda é pouco. Apesar de controlada pelas mãos autorizadas, ainda foi necessário criar rochedos onde a informação bate e se esbate, para que ninguém consiga consumi-la. É a forma mais moderna de censura. O bombardeamento informativo a que somos submetidos, serve para nos confundir, manipular, enganar. É preciso saber muito, para no meio de tantos destroços encontrar o fio da informação. Censores impiedosos. Que saudade dos velhos coronéis, que atiravam as minhas reportagens e crónicas para o caixote do lixo.

Os cereais da Ucrânia eram indispensáveis para combater a fome em África. Por isso, começaram a ser embarcados para o mundo, apesar da guerra. Ontem foi denunciado pelo Presidente da Federação Russa que, tirando as cargas da Turquia, essa comida fica toda na União Europeia. Leram alguma notícia nos Media dos EUA, o estado terrorista mais perigoso do mundo? Nos Media da Europa ultra democrática? Absolutamente nada. A Redacção Única não fez o despacho, o acontecimento não existe.

Os jornais Ouest France, Frankfurter Allgemeine Zeitung, Vanguardia de Barcelona, Times, USA Today, The Times são os mais lidos no chamado nundo ocidental. Nem um deu a notícia de que os cereais da Ucrânia não matam a fome em África mas ficam na Europa para os especuladores enriquecerem ainda mais. Os canais de televisão, nada. Rádios mudas.

Redacção Única em acção. E são estes traficantes da informação que criticam os Media angolanos! Porque não fazem parte do sistema do embuste universal. Às vezes é bom ter pequenas tiragens e fracas audiências. Faz dos nossos meios mais limpos, mais credíveis e mais profissionais. Rejeitem a Redacção Única, seja quem for que a queira impor! 

O líder derrotado da UNITA segue a cartilha dos colonialistas cegamente. Acefalamente. É um megafone dos donos da Redacção Única. Nestas eleições esticou a corda até partir. Tentou pôr na rua o seu exército de marginais, os seus vândalos, salteadores e destruidores. Falhou. Denegriu a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional. Ainda está do lado dos que tudo fazem para destruir a soberania nacional e a integridade territorial. Os donos deram-lhe tudo para ganhar estas eleições. Perdeu estrondosamente. Em toda a linha, até em Tribunal onde foi litigante de má-fé.

Agora tem de fazer o mesmo que fazem os líderes partidários nos paraísos do liberalismo reinante. Demissão imediata. Sair de onde nunca devia ter entrado. Que vá gastar, refastelado, os 30 dinheiros recebidos, pelas traições a Angola e ao Povo Angolano.

O processo eleitoral acabou hoje, uns dias depois da data em que devia ter terminado. Para mim acabaram as férias. Vou embora para Pasárgada. Lá sou amigo do rei. E fiquem sabendo que fui amigo do rei do Bailundo, Augusto Cahitiopololo, Ekuikui IV. Se ele não tivesse morrido, ia para lá e ficávamos tardes inteiras à bebida e à conversa. 

Assim vou para Pasárgada onde conheço todos os becos, todos os leitos nupciais, todos os quartos com janelas viradas para a Lua Cheia, o quintalão de Vénus, deusa dos amantes. Amar, amar sempre, perdidamente, com os olhos secos, até ao infinito, subindo pelo pescoço ágil da gazela. Queria antes beber um copo de tinto com a rainha, mas não cheguei a tempo.

A noite, doce noite, sabe bem quanto nos custa morrer. E em Pasárgada as noites são mesmo muito nocturnas. Boa vida me espera, no fim das férias. Katé Mungu!

*Jornalista

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