Artur Queiroz*, Luanda
O povo sumiu depois da farra. A luz apagou, contados e revelados os votos. A festa acabou mal para quem fez tudo para manipular, falsificar, mentir. Fizeram da campanha eleitoral, um nunca visto festival de populismo e demagogia. Em Luanda foi anunciado um salário mínimo de 150 mil kwanzas a troco de três deputados. Em Cabinda, foi oferecida a independência a troco de quatro deputados. No Zaire, cada eleitor ficou com a produção de petróleo e gás, em troca de três deputados. Passaram por cima de todos os valores e todos os princípios. Também espezinharam a Constituição da República mas nisso foram coerentes, odeiam a democracia e a Lei Fundamental.
Um angolano que subiu a corda a pulso, desde a aldeia de Chitué até ao gabinete do primeiro-ministro do Governo de Angola, atirou com tudo o que construiu para o lixo e decidiu juntar-se aos sicários da UNITA. Recorda-nos que é um homem do Direito e académico. Mas ao mesmo tempo comporta-se como o Gilson Moreira da Silva (Tanaice Neutro), e Luther Campos (Luther King), Luaty Beirão (Brigadeiro Mata Frakus) ou Ângelo Kapwatcha.
Marcolino Moco é esse angolano. Despe a toga de professor universitário e atira-se ao MPLA com uma ferocidade inaudita. O partido que o indicou para primeiro-ministro e do qual ele foi secretário-geral. Isto em 1992. Hoje, 30 de Setembro de 2022, passados 30 anos, os estatutos da organização política são os mesmos. Os valores que defende são os de então: socialismo democrático e economia de mercado. Democracia representativa.
O líder do MPLA hoje é aquele que em 1992 fazia das tripas coração para levar o partido à vitória nas primeiras eleições multipartidárias. E como ele trabalhou! No dia em que cheguei à sede da organização política da qual Marcolino Moco era o secretário-geral, fui recebido por João Lourenço. No meio de uma azáfama impressionante, em cinco minutos deu-me o programa da campanha e assinalou as acções que ele considerava importante terem cobertura mediática. No pacote estava uma entrevista a Marcolino Moco, que eu conhecia há 15 anos. Com o tempo, percebi que ambos eram amigos, além de camaradas. A amizade foi esmagada pelo ódio e o ressentimento.
A agência noticiosa Lusa, órgão oficial da UNITA, publicou uma entrevista a Marcolino Moco. O antigo primeiro-ministro indicado pelo MPLA e alto dirigente do partido afirma que “a revolta anda na cara de muita gente e se os homens sensatos do MPLA não pararem com o golpe de Estado não conseguirão travar a população revoltada”. Isto é conversa de Hitler Samussuku ou de Luaty Beirão. Não de um académico e político que se dá ao respeito e honra a sua condição.
Mais Moco: “Todos nós estamos tristes, mas está claro para todos quem é que ganhou as eleições e há um golpe, chamo isso golpe de Estado. Aliás, como jurista, digo que este golpe de Estado começou em 2010, quando se criou um Presidente da República que faz tudo, mas não responde perante ninguém”. Isto é conversa de deputado da UNITA que abandonou a Assembleia Nacional na hora em que foi votada a Lei Fundamental. Não de um jurista que honra a sua condição.
Mais esta: “E terminou agora o golpe de Estado com roubo dos votos à oposição, sobretudo à UNITA/FPU [União para a Independência Total de Angola/Frente Patriótica Unida e depois meteram-se militares na rua com blindados numa exibição no dia da tomada de posse em que os rostos, do Presidente da República e de toda a gente que estava lá eram tão tristes”. Por uma questão de higiene não qualifico esta declaração. Hitler Samussuku, Tanaice Neutro, Luther Campos King estão desculpados. Podem ocupar a cátedra de Marcolino Moco.
Um colega de Moco no consórcio da UNITA com a Sociedade Civil atacou violentamente as mulheres angolanas no Club K, portal oficial da UNITA. Publicou a lista de 30 mulheres que ocupam altos cargos no aparelho de Estado. À Vice-Presidente da República, Esperança Costa, chama uma “tia que foi promovida de soldado a general”. E avança imparável no mais descabelado machismo. Um misógino que nem se safa com toneladas de viagra.
A diferença entre o MPLA e a UNITA é esta. A Mulher Angolana ocupa os mais altos cargos do Estado no Executivo suportado pelo do partido quer ganhou as eleições. A UNITA, no bantustão da Jamba, atirou com as elites femininas para a fogueira. Na hora dos votos, é facílimo decidir.
Manuel Rui Monteiro escreveu no Jornal de Angola sobre a morte da iraniana MAHASA AMINIA nestes termos: “Minha paixão matada em todas as minhas mortes em que morri por amor e ressuscitei na paixão. Ainda por cima eras linda. Morreste por mostrar o cabelo. Por todo o mundo há manifestações contra a violência sobre a mulher, a propósito de Aminia”.
O texto fala de vários casos em que a Mulher foi assassinada, violentada, mutilada, desprezada. Mas não fala do caso angolano! O escritor não deve ter lido a obra “Heroínas da Dignidade I - Memórias de Guerra”, da deputada Bela Malaquias. Ela denuncia que dezenas de mulheres com o curso geral do liceu, professoras primárias ou daí para cima, elites femininas de Angola, foram assassinadas nas figueiras da Jamba. Queimadas vivas!
Dona Ana Paulino, a senhora Savimbi, era uma mulher belíssima, elegante, educada, inteligente. Foi atirada viva para a cova de uma fera. Morreu asfixiada, implorando misericórdia! Não foi morta por mostrar o cabelo. Morreu por aconselhar Jonas Savimbi que cumprisse o Protocolo de Lusaka e acabasse com a guerra. Esta heroína da dignidade não teve os favores de Manuel Rui. Nem ela nem nenhuma mulher queimada-viva, na Jamba, às ordens de Savimbi. E os matadores andam aí, são deputados na Assembleia Nacional, generais na reserva, reformados com todas as mordomias, depois de passarem pelo parlamento,
As nossas Mahasa Aminia não merecem uma linha de crónica, um grito de protesto, um pensamento em sua memória. Uma réstia de dignidade. Não vá a UNITA zangar-se com o escriba apaixonado pela morta matada no Irão. As nossas mulheres assassinadas na Jamba são zorras. Intrusas. Arranham a nossa boa consciência. Perturbam as nossas libações. As nossas heroínas da dignidade nunca existiram. Apenas existem os seus nomes. Mas ninguém lhes conhece os cabelos, expostos ou não. Ninguém pode dizer que eram bonitas, belíssimas, Sorayas, Farah Dibas. Assim se branqueiam os crimes da UNITA.
*Jornalista
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