quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Angola | O Fato do Casamento e um Mendigo com Sorte -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Festas de casamento, não frequento. Não vou ao meu funeral nem a nenhum. Mas às vezes temos de abrir excepções. Um dia a minha mana Lena Saraiva de Carvalho informou-me que o nosso Gigi ia casar e fazia questão que eu fosse à festa. Declinei o convite até porque ela sabia muito bem que não tenho roupa para essas coisas. Disse que me comprava a encadernação, mas tinha mesmo de ir. Até se ofereceu para me pagar a viagem entre Luanda e Pretória, onde ia decorrer a boda. O pai da noiva é o general Alexandre Rodrigues (Quito) na época embaixador de Angola na África do Sul. Não tinha escapatória.

Naquele tempo trabalhava de manhã até à madrugada e folgava um fim-de-semana de 15 em 15 dias. A festa calhou na minha folga. Em Joanesburgo fiquei num hotel que tinha ao lado uma grande superfície com roupa de categoria. Fui comprar o fato. Uma menina muito simpática ajudou-me a escolher o que “ia melhor comigo”. Era caríssimo. Fiquei com vontade de regressar a Luanda. Mas cedi. Ela ainda tentou vender-me uma camisa e um a gravata mas sem sucesso. No dia seguinte, à hora marcada, lá estava eu em Pretória, no local da boda. O Gigi quando me viu, correu a abraçar-me. Pela primeira vez na minha vida abracei a felicidade em pessoa.

Logo a seguir veio a noiva, resplandecente. Fomos fotografados. Eu de um lado, o Gigi do outro e a Tininha no meio, com uma auréola radiante. Guardo essa foto no livro que estou a ler. Agora é um perfil de D. António Barroso, uma obra editada em 1809. Muito importante para sabermos o que era Angola e Congo, naquele tempo. 

Indicaram-me uma mesa onde já estavam o comandante Xyetu, o comandante Kasesa (Mário de Almeida, médico) e o meu amigo do bairro da CAOP, Raul Hendrick, desportista, médico e general. Um convívio muito agradável mas que terminou cedo. Tinha que regressar a Luanda na manhã seguinte e não podia fazer uma noitada.

Quando saí do hotel levava um pequeno saco de viagem e o fato metido numa capa de plástico, pendurado num cabide. Nas imediações do hotel os mendigos pediam as suas migalhas de pão. E eu dei o fato a um deles. Recusou. Se a polícia me apanha com isso, diz logo que sou ladrão e prende-me. Um guarda do hotel testemunhou que o mendigo era mendigo mas não ladrão. O fato foi-lhe oferecido pelo dono. E assim me vi livre daquela encadernação.

Desse casamento resta a memória e a foto que tenho aqui. O Gigi faleceu. A minha mana Lena faleceu. Sei que a noiva radiante vive na África do Sul. Espero que sejas a mulher mais feliz do mundo, minha querida Tininha! Tu e os teus filhos.

Início de 1976. O comandante Tetembwa, pai do noivo, então comissário político do Corpo de Polícia Popular de Angola (CPPA) foi ter comigo ao Diário de Luanda e levou-me para o comando na Baixa. Era uma emergência. Quando chegámos ao seu gabinete, um jovem oficial entrou com um senhor civil, bem penteado e bem vestido. Tetembwa convidou-o a sentar-se num sofá. O jovem oficial retirou-se. E começou a falar:

Este senhor é o agente da PIDE que me montou a cilada lá no Leste. Fui a Benguela em serviço e quando saí do almoço, vi-o no passeio. Pedi a dois camaradas que o seguissem, sem lhe perderem o rasto. Ao fim da tarde fui a casa dele e trouxe-o para Luanda. Já contou tudo o que aconteceu naquela noite de traição. Chamei-te porque quero que ele repita à tua frente o que me contou a mim. E o homem contou. Mais tarde foi ouvido perante uma comissão. Ficou tudo muito claro. O comandante Tetembwa tinha sido vilmente atraiçoado e circulava a versão de que tinha traído!  

Até ao 25 de Abril de 1974 viveu em regime de prisão domiciliária na região de Banza Kitel-Kiminha. Mas nunca colaborou com o inimigo, Nunca apareceu na Voz de Angola apelando aos guerrilheiros do MPLA para se entregarem. Muita coragem. Muita força interior. Um comandante do MPLA! Depois de depor na comissão, o agente da PIDE (e do MPLA!) foi expulso de Angola.  Após a cilada, ele foi pago pela PIDE e enviado para Benguela com a mulher, com identidade falsa. Nunca imaginou vir a ter aquele encontro com o comandante traído.

A PIDE usou o comerciante de Cassai Gare como seu agente. Mas o MPLA também. Em 1972 Daniel Chipenda apareceu à frente de uma pretensa “revolta do leste”. A nível da direcção do MPLA todo o mundo ficou a saber quem era o agente duplo. Mas faltava saber quem foi o operacional da guerrilha que montou a cilada ao comandante Tetembwa. 

O comandante Ndalu um dia revelou-me que missão ia desempenhar na altura destes acontecimentos. Ele e um grupo numeroso de combatentes, bem treinados e bem armados, iam passar para Norte até ao Planalto de Malanje. A partir daí, as forças da guerrilha avançavam para a Baixa de Kassanje até atingirem a região de Kissama e Icolo e Bengo. Outra zona de infiltração fundamental era o caminho-de-ferro. Por comboio, Luanda estava a poucas horas de viagem dos guerrilheiros do MPLA. 

E pelo caminho existiam objectivos muito importantes como Lucala, Ndalatando, Dondo, Zenza, Catete até à capital. Se o comandante Ndalu tivesse êxito, a guerrilha de guerrilha ia avançar de uma forma radical. O colonialismo ia ser fustigado onde mais lhe doía.

Para as forças do comandante Ndalu passarem para Norte, com êxito, era preciso que o comandante Tetembwa fizesse operações de diversão. As tropas portuguesas e a PIDE andavam em perseguição dos guerrilheiros locais e o grosso da coluna passava para Norte sem levantar suspeitas. Era preciso impedir que Tetembwa cumprisse a sua missão. E isso só foi possível chamando-o a uma cilada, montada por um companheiro de armas, acima de toda a suspeita!

O alto comando do MPLA decidiu levar a guerrilha ao Planalto Central para, a partir daí, abrir uma frente para o mar. À boleia do Caminho-de-Ferro de Benguela. Aa forças do movimento atingiram o Bié mas dali não passaram. Os Flechas da PIDE/UNITA e as tropas dos “Dragões” fizeram uma barragem de fogo à sua passagem. Até meteram tropa a cavalo!

A PIDE sem a UNITA, um alto dirigente do MPLA (Daniel Chipenda) mais um comandante da guerrilha, impediram a operação, atraindo o comandante Tetembwa a uma cilada que levou à sua prisão. Um troféu importante para os colonialistas. Ele era oficial desertor do Exército Português!

Durante todos estes 46 anos nunca disse ou escrevi uma palavra sobre a cilada armada ao comandante Tetembwa. Hoje vou dizer o que ainda não se sabe. Porque as forças que o atraíram à cilada em Cassai Gare estão por trás de uma coisa nojenta transmitida no canal português SIC com o título “Despojos da Guerra”. As bufas SS (Sebastiana e Sofia) distorceram, mentiram, manipularam a verdade dos factos. A bufa Sofia violou gravemente a vida pessoal e a vida privada do general Tetembwa. 

O senhor José Pedro Castanheira está metido na tramoia. Não é por acaso que também teve um papel importante na armadilha montada pelo “Expresso” a Maria Eugénia Neto. Ele a mulher a dias da RTP, Cândida Pinto, foram “testemunhas” num processo que lhe foi movido pela “historiadora” Cabrita e seu marido (é cabrão ou bode?) Mateus. 

Maria Eugénia foi condenada na primeira instância. Mas o Tribunal da Relação de Lisboa absolveu-a. E demoliu a sentença condenatória. Numa das sessões do julgamento, o marido da Cabrita (bode ou cabrão?) passou por mi  e disse: “Istro resolve-se com dinheiro. Mas tem de ser muito porque temos de repartir com várias pessoas. Insultei-o de tudo. Repetiu a cena com o advogado de Maria Eugénia, Faria de Bastos. Ele não reagiu. Aquele processo, aquele julgamento, tinham como mira a chantagem e a extorsão! 

A SIC e o gripo do Balsemão congregam em Portugal tudo quanto é inimigo de Angola e do MPLA. As bufas SS (Sebastiana e Sofia) atentaram contra a honra de um Herói Nacional. Não contem com o meu silêncio.

Joãozinho! Disse-te mil vezes para não dares entrevistas a ninguém sem eu estar presente. Disse-te que entrevistas só em directo e com uma declaração assinada na qual se comprometem a não usar partes das tuas declarações proferidas em directo. Não sei se aceitaste os meus conselhos, Mas sei que nos “despojos” das bufas SS tu apareces as falar de ti e da cilada. Dizem-me que essas imagens foram roubadas ao Centro de Documentação Tchiweka. As fotos da tua vida pessoal e privada foram obtidas com ardis sujos, violando gravemente o código de conduta dos jornalistas. Outra coisa não era de esperar da SIC e das bufas SS (Sebastiana e Sofia).

A SIC confrontou-te com uma bufa da PIDE. Como se não bastasse terem-te atraído à loja do Cassai Gare onde estavam à tua espera forças especiais que te prenderam.

A PIDE infiltrou o Chipenda na direcção do MPLA. A PIDE recrutou o comerciante do Cassai e a bufa Sebastiana para atacarem a guerrilha do MLA na IV Região. Mas quem te mandou para a prisão era teu companheiro de luta. Para não levantar suspeitas, depois de combinar a traição, partiu para outra zona com o pretexto de que ia buscar mais forças para as operações de diversão que ias fazer.  Quando foste preso, ele estava muito longe, Mas nós sabemos quem é. Bonifácio Kinda (Cantiga) comandante de coluna. Membro do comité central do MPLA em 1974. As bufas SS (Sebastiana e Sofia) não têm dimensão para beliscar a tua honra. Quem lhes paga, continua a destilar ódio a Angola, ao MPLA e aos seus Heróis. Aguenta meu velho. Mas tanto lixo também cansa!

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana