segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Angola | ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA NACIONAL -- Artur Queiroz

Sipaios dos EUA Invadiram o Palácio 

Artur Queiroz*, Luanda

O Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR) reabriu hoje, algumas horas antes do 47º aniversário da Independência Nacional. O radialista Mesquita Lemos foi homenageado. Na Escola da Rádio, que ajudei a fundar, ele ensinou gerações de jovens profissionais a falar aos microfones. O centro e a escola funcionam nas antigas instalações do Rádio Clube de Angola onde o homenageado era estrela cintilante. Uma das melhores vozes da Rádio Angolana, que na época era das melhores do mundo e a melhor de língua portuguesa.

Hoje também foi homenageado Hendrick Vaal Neto, antigo dirigente da FNLA que mais tarde aderiu ao MPLA. Foi embaixador no Egipto e no Zimbabwe. O seu nome foi atribuído às novas instalações do CEFOJOR. Que arrepio. Há muitos anos escrevi este texto:

Apenas uma semana depois da assinatura do Acordo de Alvor, Hendrick Vaal Neto, porta-voz da UPA/FNLA e indigitado pelo movimento para secretário de estado da comunicação social, invadiu as instalações da Emissora Oficial de Angola, acompanhado de militares zairenses armados até aos dentes. Era domingo e o jornal das 13h00 estava a ser editado por António Cardoso, que me substituía aos domingos para eu poder folgar. 

O dirigente da FNLA entrou no estúdio e começou a partir as máquinas. Técnicos e jornalistas foram agredidos. António Cardoso tentou impedir as agressões e foi imediatamente manietado e barbaramente agredido. Depois os invasores abandonaram o estúdio e levaram-no. Avisado pelo sonoplasta Artur Neves fui imediatamente para as instalações da emissora. Encontrei toda a gente em pé de guerra. Fizemos um plenário de emergência e decidimos entrar em greve até António Cardoso ser libertado. 

Só passávamos música angolana, tradicional e urbana. De hora em hora dávamos notícias dos apoios à greve por parte de sindicatos, comissões de trabalhadores, comissões populares de bairro, grupos profissionais. O assalto à Emissora Oficial de Angola e o sequestro de António Cardoso aconteceram num momento de vazio de poder. 

A equipa do almirante Rosa Coutinho tinha regressado a Portugal, inclusive o director da rádio, comandante da Armada Garrido Borges, e o director de programas, capitão Alcântara de Melo. Os líderes do MFA-Angola, Pezarat Correia e José Emílio da Silva também regressaram a Portugal. O poder estava reduzido ao general Ferreira de Macedo, que assumiu o cargo de alto-comissário interino, e ao coronel paraquedista Heitor Almendra, o comandante operacional de Luanda. 

Por isso não houve reacções políticas imediatas por parte das autoridades portuguesas. O vazio de poder foi explorado por Hendrick Vaal Neto. O coronel Almendra confirmou os factos denunciados pelos grevistas da Emissora Oficial de Angola e não perdeu tempo, cercou a delegação da FNLA na Avenida Brasil e fez um ultimato aos responsáveis políticos do movimento: Tinham uma hora para entregar António Cardoso. 

Um dos membros da delegação, o comandante Barreiros, ainda tentou dialogar, mas o coronel Almendra disse que só aceitava ouvir os seus argumentos depois da libertação de António Cardoso. 

Os soldados zairenses, quando viram os paraquedistas em prontidão, tomando posições  à frente e à volta do prédio, desapareceram num ápice. E antes de terminar o prazo, dois jovens apareceram à porta amparando António Cardoso que mostrava sérias dificuldades para andar. O coronel Almendra levou-o de imediato para o Hospital de São Paulo porque se queixou de ter sido selvaticamente torturado por elementos das BJR. 

O coronel Almendra pediu ao sonoplasta Artur Neves para informar os grevistas da rádio que António Cardoso estava em liberdade. Manuel Berenguel foi à antena anunciar o fim da greve porque a FNLA tinha libertado o chefe de redacção da Emissora Oficial de Angola, sequestrado por Hendrick Vaal Neto. 

Estes factos são históricos, indesmentíveis. O general Ferreira de Macedo, alto-comissário interino, distribuiu o seguinte comunicado aos órgãos de comunicação social e que foi lido de hora em hora aos microfones pelos grevistas. A voz era de Francisco Simons: 

“Face aos acontecimentos, nos últimos dias, na Emissora Oficial, o alto-comissário em exercício esclarece o seguinte: 

“1º - Só por intenção de salvaguardar a integridade física do nacionalista angolano António Cardoso, que é também um dos expoentes máximos da cultura angolana, as Forças Armadas dirigiram toda a sua actividade no sentido dos bons ofícios com vista a recuperar incólume o raptado. Não se deixa de sublinhar que os desmandos e as violências contrariam o mais elementar sentido de democracia, porquanto:

Atentam iniludivelmente contra os direitos fundamentais da pessoa humana;

 Indicam a apetência para o exercício da justiça privada;

Embora praticados por elementos de um movimento de libertação, não deixam de ser tipificados como crimes de delito comum, depredação, rapto e sequestro.

2º Não desejam as Forças Armadas Portuguesas, em vésperas da constituição de novo governo, que qualquer foco de perturbação seja alargado para um clima de tensão emocional a degenerar em confrontações, que só poderiam interessar a quem, de momento, pretende travar o Acordo de Alvor.

No entanto, e para que, da forma como as Forças Armadas procuraram sanar o incidente, não se julgue qualquer manifestação de fragilidade. 

As Forças Armadas repudiam veementemente os actos arbitrários de que foram vítimas os trabalhadores da Emissora Oficial e em particular, o escritor António Cardoso, e garantem a sua firme determinação de contribuir para que actos desta natureza se não venham a generalizar.” 

Poucas horas antes do 47º aniversário da Independência Nacional, o Estado Angolano homenageou Hendrick Vaal Neto, que invadiu a Emissora Oficial de Angola (RNA) com uma força armada, destruiu um estúdio, agrediu técnicos e raptou um dos chefes de redacção. Os outros dois eram Manuel Rodrigues Vaz e eu. 

A partir de hoje o CEFOJOR tem o nome dele! Não critico quem tomou esta decisão descabelada. Mas crítico o meu amigo Hendrick. Ele não devia aceitar. Tal como não devia aceitar o cargo de ministro da comunicação social quando o Presidente José Eduardo o nomeou. O seu passado de violência armada contra a liberdade de imprensa e o rapto e tortura de um jornalista devia inspirar-lhe algum pudor. Esta é a opinião de um amigo. Porque somos amigos desde a nossa juventude no Bairro da CAOP.

No noticiário das 20 horas da TPA, menos de quatro horas antes do 47º aniversário da Independência Nacional, vi o chefe do AFRICOM no Palácio da Cidade Alta, recebido pelo Presidente João Lourenço. Nos últimos tempos, o estado terrorista mais perigoso do mundo despacha sipaios para África. A Casa Branca sabe que os sipaios angolanos davam a vida pelos colonialistas.

O sipaio chama-se Michael Langley. E anunciou ante as câmaras da TPA que os EUA e Angola vão reforçar a cooperação militar ao mais alto nível. Vão fazer exercícios conjuntos e tal. Há 47 anos os sipaios e loirinhos dos EUA matavam os nossos camponeses entre Maquela, Kibokolo, Damba, Bungo e Negage. Matavam os nossos camponeses entre Camabatela, Samba Caju e Lucala. Matavam os nossos camponeses entre Soyo, Nzeto, Ambriz, Dembos, Caxito e o Morro da Cal. Há precisamente 47 os sipaios e loirinhos dos E UA estavam no Morro da Cal, disparando os seus canhões contra os angolanos. Hoje entram no Paládio Presidencial e são tu cá tu lá com o chefe. Já não há respeito pelas vítimas do imperialismo.

Estou a escrever às 23 horas, uma hora antes do 47º aniversário da Independência Nacional. Acabo de chegar à Redacção do Diário de Luanda onde já estão o Raimundo Souto Maior e o Luciano Rocha. Deixei no Largo Primeiro de Maio o João Serra e o repórter fotográfico Bernardo. Temos uma declaração do Presidente Neto, manuscrita, dirigida aos angolanos através do nosso jornal. O Souto já desenhava a primeira página do número especial que havia de circular às primeiras horas da manhã da Angola independente. O jornal era vespertino, habitualmente só saía às 13 horas. Na oficina estava uma equipa reduzida, comandada pelo Domingos Alves e o Airosa.

Tínhamos outra “cacha”. Eu estive na frente de Kifangondo e fotografei o tanque das tropas zairenses que foi atingido na reta da ponte do Panguila. O tenente Pais, português, estava com as pernas de fora. O resto do corpo tinha desaparecido. Fotografei dezenas de soldados zairenses mortos na zona dos aviários. Fui recebido pelo comandante Kianda e o Dinho Martins, meu antigo colega do liceu e hoje general. Eles facilitaram-me a vida de repórter.

O texto e o material fotográfico ocuparam todo o caderno central. O jornal foi para a rua e nem uma hora depois fomos visitados por Afonso Van-Dúnem (Binda). O Presidente Neto estava a pedir uma dezena de colecções daquelas fotos de Kifangondo. E convidou-nos para o beberete que oferecia aos convidados estrangeiros, nos jardins do palácio. Fui buscar o Gouveia a casa, porque não tínhamos o técnico do laboratório fotográfico e ele tinha feito esse trabalho, antes de passar para a reportagem fotográfica.   À hora combinada o Luciano Rocha e eu estávamos no palácio e entregámos as colecções de fotografias.

Estávamos à conversa com o Zezinho Carvalho quando chegaram, bem-dispostos, felizes, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos. O Presidente apresentou-nos ao dirigente da FRELIMO. Trocámos algumas palavras, respondemos a perguntas do dirigente moçambicano e retirámo-nos. Juro que nem água bebemos!

Redacção do Diário de Luanda. Mais um dia, mais uma edição, dia primeiro da Independência Nacional. E hoje voltavas a fazer o mesmo? Sim, sabes que sim. Voltava, mas não bebia tanto. Descobri, muitos anos depois, que o álcool em excesso faz mal ao fígado e entope as artérias coronárias. Nada na vida é perfeito!

Agora vou beber um copo em memória dos nossos Heróis que já faleceram. E dos vivos. Dos meus amigos e minhas amigas. Das minhas camaradas e dos meus camaradas. Os médicos são uns chatos. Se soubessem o que foi o 11 de Novembro de 1975 não me proibiam de beber um copinho. Coisa leve!

Neste momento em que as associações de malfeitores atacam forte e feio o Jornalismo Angolano, numa campanha organizada para desviar as atenções das mafias da Jamba e a invasão dos sipaios ao Palácio da Cidade Alta, deixo-vos com este samba de Ataúlfo Alves:

(Eu quero morrer numa batucada de bamba/Na cadência bonita do samba./Mas o meu nome/Ninguém vai jogar na lama/Diz o dito popular: morre o homem e fica a fama./Quando eu morrer, não quero choro nem vela Quero uma fita amarela gravada com o nome dela/Meus inimigos que hoje falam mal de mim/ Vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim.) 

Na fita amarela o nome dela é Angola, a nossa amada Pátria.

*Jornalista

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