Enquanto o presidente eleito
recebia saudações de chefes de Estado mundo afora, o cessante mantinha
perturbador silêncio nas 24 horas seguintes ao sufrágio. Bolsonaristas,
entretanto, já admitiram a derrota e convenceram o líder a fazer o mesmo. Nas
ruas, camionistas bloquearam estradas. Na bolsa, o real subiu.
Cadê o Bolsonaro?",
perguntou-se o Brasil, nas ruas e em hashtags de redes sociais, ao longo
do dia, à medida que as horas passavam e não havia nenhum comentário de Jair
Bolsonaro às eleições da véspera, ganhas por Lula da Silva com 50,9% dos votos
contra 49,1% do candidato à reeleição. O presidente cessante, entretanto, fez
saber, já a meio da noite em Lisboa, que se, por um lado, não pretende contestar
o resultado, por outro, também não tenciona felicitar o sucessor. Além disso,
apontará, em eventual discurso, críticas ao sistema eleitoral do país e falará
em "injustiças".
Ao longo do dia, camionistas
aliados de Bolsonaro fecharam vias em protesto contra a vitória do candidato do
PT, o que fez pressupor uma contestação das eleições no campo bolsonarista.
Mas, pelo mundo, dezenas de chefes de Estado foram saudando Lula, indicando que
a comunidade internacional não aceitará qualquer desfecho eleitoral fora da
normalidade.
Na noite de domingo, logo após
conhecido o veredicto das urnas, ministros, aliados e jornalistas que se
deslocaram ao Palácio da Alvorada foram informados de que o presidente não
receberia ninguém e iria dormir. E às 22h06, as luzes da residência
oficial apagaram-se mesmo - relatos de aliados falaram em estado de
"tristeza" e de "abatimento". Na manhã seguinte, o ainda
presidente chegou, em silêncio, pouco depois das 09h00 ao Palácio do Planalto,
sede do governo, ao lado do candidato a vice, Braga Netto, e do filho mais
velho, senador Flávio Bolsonaro.
Horas depois, Flávio deu a
entender nas suas redes sociais que o pai aceitava a derrota. "Obrigado a
cada um que nos ajudou a resgatar o patriotismo, que orou, rezou, foi para as
ruas, deu seu suor pelo país que está dando certo e deu a Bolsonaro a maior
votação de sua vida! Vamos erguer a cabeça e não vamos desistir do nosso
Brasil! Deus no comando!".
A primeira-dama, Michelle
Bolsonaro, reagiu com um trecho bíblico: "Salmos 117: louvai ao senhor
todas as nações, louvai-o todos os povos. Porque a sua benignidade é grande
para conosco, e a verdade do Senhor dura para sempre. Louvai ao Senhor".
O ex-ministro da Justiça, Sergio
Moro, disse que "a democracia é assim" e que "o resultado de uma
eleição não pode superar o dever de responsabilidade que temos com o
Brasil". Segundo o ex-ministro do Ambiente, Ricardo Salles, "a
eleição traz muitas reflexões e a necessidade de buscar caminhos de pacificação
de um país literalmente dividido ao meio".
A parlamentar Carla Zambelli, que
correu com arma em punho apontada a um homem que a havia insultado no centro de
São Paulo na véspera do sufrágio, anunciou disposição para ser "a maior
oposição que Lula jamais imaginou ter". Para Nikolas Ferreira, o deputado
mais votado do Brasil, "os gritos de comemoração deles hoje se tornarão
gritos de desespero amanhã".
Felicitações
Na agenda de Lula no dia seguinte
à reeleição, entretanto, estava marcado um encontro com o presidente da
Argentina, um dos mais importantes parceiros comerciais do Brasil. "Amor,
admiração e respeito, temos um futuro que nos abraça e nos convoca",
escreveu Alberto Fernández nas redes sociais como legenda a um vídeo da reunião.
Muitas outras autoridades
felicitaram Lula ao longo das últimas horas, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa
e António Costa e os chefes de Estado da China, da Alemanha, da França, de
Espanha, de Itália, do Chile, do México e muitos mais países.
"Envio os meus parabéns a
Lula pela vitória numa eleição livre, justa e digna de confiança. Espero que
possamos trabalhar juntos e manter a cooperação entre os nossos dois países nos
próximos meses e nos anos que virão", escreveu Joe Biden, presidente
dos EUA, antes de telefonar ao eleito.
O chefe da diplomacia da União
Europeia, Josep Borrell, disse esperar trabalhar com Lula para promover as
relações entre o bloco e o Brasil. "Parabéns, Lula, pela sua eleição!
Estou ansioso para trabalharmos juntos e avançar nas relações UE-Brasil com o
seu governo e com as novas autoridades do Congresso e do Estado", afirmou.
Noutro âmbito, o ministro do
ambiente da Noruega anunciou a retoma da ajuda financeira contra o desmatamento
da Amazónia no Brasil, congelada durante a presidência de Bolsonaro.
"Em relação a Lula, nós observamos que, durante a campanha, ele enfatizou
a preservação da floresta amazónica e a proteção dos povos indígenas da
Amazónia", disse Espen Barth Eide. "Por isso estamos ansiosos para
entrar em contato com suas equipas, o mais rápido possível". O país
escandinavo, principal fornecedor de recursos para a proteção da floresta
amazónica, suspendeu a ajuda ao Brasil em 2019, ano em que Bolsonaro
assumiu a presidência.
Protestos
Paralelamente, em 140 estradas de
17 estados do país, camionistas apoiantes de Bolsonaro fizeram bloqueios em
protesto contra o resultado das eleições. A Polícia Rodoviária Federal, o mesmo
órgão que na véspera esteve em foco ao mandar parar autocarros com eleitores
sobretudo na região nordeste, onde Lula normalmente tem votações superiores,
confirmou aglomerações de norte a sul.
Mas o deputado federal Nereu
Crispim, que é presidente da frente parlamentar em defesa dos camionistas,
afirmou que "o ato de fechar estradas pelo país é ideológico e não
representa a categoria". Ele é do PSD, partido neutral na segunda volta
das eleições. "Lá em 2018, o então candidato Bolsonaro fez promessas que
se fosse eleito iria resolver ou dar atenção à agenda dos camionistas e na
realidade nesses quatro anos ele não resolveu nada e está aí o resultado, não
foi reeleito".
Mercado
Na Bolsa de Valores de São Paulo,
depois de uma abertura negativa, o mercado financeiro reagiu positivamente ao
resultado eleitoral ao longo do dia: o preço do dólar comercial caía 1,47%,
cotado a 5,2240 reais e o indicador de referência da bolsa, Ibovespa, subia
1,19%, aos 115.889 pontos.
Ações de empresas de setores
mencionados como prioritários por Lula no seu discurso após a vitória ganhavam
fôlego: os papéis da MRV, construtora especializada em moradias mais acessíveis
à população, disparavam 7%, liderando as altas da sessão.
João Almeida Moreira, em São Paulo | Diário de
Notícias
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