Ricardo Alexandre | TSF | opinião
Se há coisa que uma democracia não pode questionar é o direito à manifestação. Se estes cidadãos brasileiros que se manifestam desde ontem (a começar pelos camionistas e a acabar nas próprias forças da autoridade, com as nuances de que o assunto, aqui chegados, se reveste) o fazem de forma pacífica, têm todo o direito de o fazer. A questão é se os limites são ultrapassados, se as coisas se tornam violentas; aí estamos a falar de manifestações de polícias e militares, em muito boa parte organizados nas redes sociais, perante o silêncio cúmplice e ensurdecedor do derrotado presidente Jair Bolsonaro.
Organizadores de manifestações são vistos em vídeos a dizer que há provas de fraude. Vão pedir um golpe militar. Vamos ver que tipo de cobertura dá Bolsonaro a estas infundadas e perigosas declarações públicas em jeito de mobilização popular golpista. Ao ainda presidente não lhe resta senão ir gozar a reforma. Vai dispor de uma equipa de oito funcionários que inclui 2 motoristas, 2 seguranças e 4 assessores pessoais, além de viaturas e combustível. Um artigo do R7 em 2019, refere que no Brasil os ex-presidentes não recebem pensão ou qualquer tipo de remuneração direta, mas "o que lhes é oferecido chega a custar o equivalente a 12 mil reais por dia aos contribuintes", hoje o equivalente a 2.200 euros diários.
Para contestar a legitimidade da vitória eleitoral de Lula, Bolsonaro não tem apoio nem das instituições políticas (os presidentes da câmara dos deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, foram lestos a felicitar Lula pela vitória), nem de lideranças políticas (veja-se que até Sérgio Moro e outros líderes que o apoiaram já assumiram o seu lugar como oposição ao novo poder eleito; Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro conversou ontem ao telefone com Gleisi Hoffman, presidente do PT, e a conversa, de acordo com a Folha de São Paulo, foi respeitosa e o ainda ministro dispôs-se a ajudar na transição), nem dos altos comandos militares (tanto quanto se saiba), nem tem qualquer tipo de apoio internacional. A rápida declaração de Joe Biden sobre a eleição brasileira acaba com eventuais veleidades.
Mas o retardar do reconhecimento da derrota (se é que a vai reconhecer) gera naturalmente inquietação e instabilidade.
Entretanto, fala-se muito no novo governo que tomará posse no primeiro dia de janeiro. A nova Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a partir de 2023 deve aumentar o número de pastas, acabar com a lógica dos superministérios, recuperar uma boa parte da lógica organizacional dos governos PT e incluir gente que, de alguma forma, representa a frente ampla de partidos que elegeu Lula.
Entre as novas pastas estarão a Igualdade Racial, Segurança, Povos Originários (Ailton Krenak, pensador e filósofo, líder indígena, seria um ótimo nome) e, novamente com direito a ministério, a Cultura. A Economia poderá voltar a ser dividida entre Planeamento e Fazenda (Finanças). Mulheres e Direitos Humanos é uma das pastas que deve ser separada.
Nomes para o governo: desde logo Fernando Haddad. Para a pasta da Educação, o ex-candidato presidencial e a governador (derrotado pelo candidato bolsonarista Tarcísio Freitas) para São Paulo, faz todo o sentido, pela experiência passada e pelo sucesso extraordinário que teve na altura ao criar condições para muitos milhares de brasileiros oriundos de classes mais desfavorecidas terem acesso à universidade. Parece um nome menos provável para a Fazenda (como já tem sido aventado, pela CNN Brasil). Aí, no ministério das Finanças faz mais sentido outro nome que está a correr, o de Henrique Meirelles, que foi governador do banco central nos governos Lula, foi candidato presidencial em 2018 pelo MDB recebendo 1,7% dos votos, antes disso foi ministro das finanças com Michel Temer. É alguém desde este no filiado no União Brasil, partido de direita. Mas é sobretudo uma das figuras mais respeitadas na área financeira internacional, tendo sido presidente internacional do BankBoston. Pode ser o tipo de pessoa que Lula quer para tranquilizar os mercados e fazer regressar a credibilidade internacional ao Brasil que, diga-se, em termos de números de performance económica, está a apresentar bons números (desemprego nos 8,7%, número mais baixo desde abril).
O problema são os 32 milhões de habitantes a passar fome e o recorde de empregados sem carteira assinada, isto é, sem contrato. No fundo, uma precariedade sem precedentes no mercado laboral brasileiro com o governo Bolsonaro e Paulo Guedes, realidade obviamente muito agravada pela pandemia
Outras possíveis escolhas: o governador cessante da Baía Rui Costa como Chefe da Casa Civil faz todo o sentido; é um indefetível de Lula e conseguiu excelentes resultados para o PT na Baía, diria mesmo, decisivos para o resultado presidencial nacional.
Aldo Rebelo é um nome forte para a defesa. É um civil o que romperia com a tendência bolsonarista. É filiado ao Partido Democrático Trabalhista, de Ciro Gomes. Foi deputado federal por São Paulo durante cinco mandatos pelo Partido Comunista do Brasil, sendo presidente da Câmara entre 2005 e 2007. Outro nome forte aqui seria Jacques Wagner, que já ocupou a pasta no segundo mandato de Dilma Rousseff.
Podemos vir a ter o regresso de Alexandre Padilha à pasta da saúde. Médico e político brasileiro, filiado no Partido dos Trabalhadores e atualmente deputado federal por São Paulo. Foi ministro das Relações Institucionais no Governo Lula e ministro da Saúde no Governo Dilma Rousseff, aliás foi um dos responsáveis pela campanha de reeleição de Dilma. Há, para esta pasta, também o nome do ex-secretário da Saúde de São Paulo, Davi Uip, que é visto como indicação do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
Simone Tebet pode ficar na educação se o escolhido não for Haddad ou na agricultura que é uma pasta muitíssimo importante no Brasil. Aqui, outra hipótese é a do senador Carlos Fávaro (PSD) do Mato Grosso, que na campanha presidencial, foi um dos responsáveis por tentar aproximar o setor do agronegócio do candidato Lula. Há também quem aposte no nome do ex-governador do Ceará, Camilo Santana (PT).
Claro que a ex senadora e ex candidata presidencial Marina Silva, que agora voltou ao círculo próximo de Lula ou da frente progressista que o apoiou, é bastante provável para o Meio Ambiente. Mas pode preferir o seu mandato de deputada federal e indicar um nome do partido que a apoiou em 2014 para a presidência, o Rede. Aí, o senador Randolfe Rodrigues seria um nome a considerar.
Silvio Almeida e Flávio Dino têm sido apontados para a pasta da justiça. Flávio Dino é um advogado, e ex-magistrado, filiado no Partido Socialista Brasileiro (PSB). É professor de direito constitucional da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) onde foi governador estadual. Advogado respeitado, Sílvio Almeida seria o regresso de um negro ao governo federal. É também reconhecido como um dos grandes especialistas do Brasil sobre a questão racial, um problema estrutural da sociedade brasileira, onde cerca de metade da população (indígenas, negros e mestiços) está absolutamente sub-representada no espaço político e em tudo o que é esfera de decisão. Em termos de diversidade, o que já estava mal ficou muito pior com Bolsonaro.
Para o Itamaraty, um Ministério dos Negócios Estrangeiros à procura do prestígio perdido nos últimos quatro anos, Wagner é, também aqui um nome cogitado, o que não surpreende dada a proximidade a Lula deste antigo governador da Baía, mas a escolha pode também recair na embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti. É economista e diplomata de carreira, é da confiança do embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa (não sendo de descartar o seu próprio regresso ao Ministério das Relações Exteriores). Amorim continua a ser um influente conselheiro de política externa do ex-presidente agora presidente eleito.
Lula tem desafios muito difíceis: desde logo orçamentais em áreas como a Saúde e a educação; uma miséria social escancarada e a fome a alastrar, cujo combate Lula assumiu como "a grande prioridade". E claro, como dar a volta a um Congresso hostil onde o Bolsonarismo está forte e consolidado. Lula já iniciou as conversações com os partidos do centro para garantir a governabilidade. Dois meses em suspenso antes de o Brasil regressar à normalidade.
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