Daniel Oliveira* | TSF | opinião
Daniel Oliveira fala sobre a greve e os protestos dos professores, que estão a decorrer um pouco por todo o país nos últimos dias. Para o jornalista, há "muitas coisas para debater" sobre este tema, nomeadamente, "como é que aqueles que chamaram irresponsáveis ao PCP e ao BE, por defenderem que o tempo de carreira que foi congelado aos professores tinha de ser todo contabilizado, e ainda mais irresponsável a Rui Rio por ter acompanhado esta exigência, agora acham que os professores têm razão".
"Estes seis anos e meio perdidos, quase fizeram o Governo cair em 2019, marcaram do meu ponto de vista o fim da geringonça e levaram a enormes criticas da direita ao então líder do PSD que depois acabou por roer a corda aos professores. A opinião que tinha na altura é a mesma que tenho hoje: os professores têm razão, as carreiras são para serem cumpridas", defende Daniel Oliveira no seu espaço habitual de Opinião na TSF.
Na perspetiva do comentador, pode ser ainda discutida "a injustiça de professores com menos anos de serviço ultrapassarem outros" e se "os professores estão disponíveis para encontrar soluções que deem maior autonomia à contratação de docentes, se as propostas que o Governo tem posto em cima da mesa são as melhores - se o fez da melhor forma -, e se os sindicatos têm outras [propostas] em que a adequação do professor ao projeto pedagógico tenha alguma relevância, porque a escola não é apenas um lugar onde os professores são colocados segundo a graduação de cada um".
Ou discutir ainda "se está tudo satisfeito com um sistema que não tem em conta as especificidades das escolas e das suas populações, que adia a fixação e vinculação dos professores e que dificulta a existência de quadros docentes estáveis em cada escola, promovendo o professor nómada que ao longo da carreira se tenta aproximar de casa".
De acordo com Daniel Oliveira, "há um consenso de que este sistema não funciona". O cronista questiona, por isso, "quem quer negociar um melhor".
"Podemos discutir se fundos de greves de professores podem ou devem financiar greves de assistentes operacionais, só porque isso sai mais barato e encerra mais facilmente uma escola. Se os fundos de greve, que devem servir para que as greves não sejam meramente simbólicas e se possam prolongar, podem servir para pagar greves feitas por outros. Se o sindicalismo não tem, como tudo, uma ética. Podemos discutir se isto acontece porque os sindicatos tradicionais perderam o pé nesta luta e se eles têm sabido acompanhar o descontentamento justificado dos professores e, se aqueles que na política tratavam a Fenprof como radical já perceberam que o problema é exatamente o oposto", reforça.
Para o jornalista, "o sindicalismo tradicional tem dificuldade em traduzir o mal-estar e a revolta dos trabalhadores". "E a verdade é que a reação dos professores teve o efeito oposto aos que há muitos anos se queixam de uma suposta intransigência de Mário Nogueira. Levou-os a endurecer a luta", considera Daniel Oliveira.
Contudo, para o comentador, "há uma coisa que não podemos discutir, porque entra pelos olhos dentro": "O enorme cansaço dos professores."
"Esse cansaço resulta de uma crescente exigência e burocratização das suas funções que não têm sido acompanhadas por mais meios e mais apoio, mas acima de tudo, por aquilo que está nos gritos de todos os professores: a exigência de respeito", sublinha Oliveira.
"Maria de Lurdes Rodrigues, que na minha opinião até fez algumas coisas positivas nas escolas, morreu politicamente quando disse que, tendo perdido os professores, tinha o país com ela. Não se muda a escola sem os professores. Isto não quer dizer que os professores sejam donos da escola pública, que é de todos nós. Quer dizer que a depreciação dos professores, que tem sido promovida em muitos discursos políticos e na sociedade, é mortal para a escola pública. Sem o prestígio dos professores, não há prestígio da escola pública, e nenhuma reforma se faz sem prestigiar a única escola que é de todos, seja qual for a sua classe, etnia ou capacidade escolar", explica, pedindo que "não haja equívocos".
A "explosão dos professores", acompanhada "com os restantes profissionais de educação", vai "sentir-se em todos os setores do Estado, atravessados por um profundo descontentamento, que anos de desinvestimento transformaram numa panela de pressão".
"E só se sentirá com mais força na administração pública, porque com os atuais níveis de precariedade e de perda de direitos e a queda a pique das taxas de sindicalização no privado, os trabalhadores do Estado são os que ainda têm alguns instrumentos para explodir", refere Daniel Oliveira.
"O descontentamento atravessa todos os trabalhadores que têm perdido poder, direitos, segurança e rendimento, e que querem respeito. O mal-estar é geral, porque o trabalho dos professores - e não só - tem sido mal tratado. Os professores estão exaustos e, se o Governo não o perceber, não perceberá nada do que se vai passar nos próximos tempos", finaliza.
*Daniel Oliveira em áudio com texto de Carolina Quaresma na página TSF
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