sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A INEVITÁVEL REDISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS DO MUNDO ESTÁ A CHEGAR

 – Para muitos países será um desastre, infelizmente...

Aleksey Kochetov*

Até recentemente, os ditos parceiros ocidentais da Rússia, com quem negociávamos e construíamos relações numa frente unida, mostraram-se extremamente agressivos e em todas as áreas – desde as relações económicas até aos valores culturais.

Tudo isto aconteceu rapidamente, mas nenhum deles se atreveu a opor-se abertamente a uma potência nuclear.

Mas qual é a razão fundamental para tal agressão? Ela não pode ser explicada só pelo desejo de tomar ou destruir a Rússia como um Estado. E já está claro para o mundo inteiro que o Ocidente não travará a Rússia.

Não se pode ter ilusões de que algo mudará na política dos EUA, independentemente de a Rússia sair ou não vitoriosa desta confrontação.

Isso não funcionará com a Rússia – ainda há muitos países com os quais ela certamente continuará a trabalhar. Tanto a China como a Índia também são bastante adequadas para o papel de vítima.

O que os Estados Unidos e os países seus aliados fazem é um processo natural e até economicamente justificado de transformação da economia mundial, o qual é simplesmente necessário para a reestruturação tanto dos valores materiais como da sociedade como um todo.

Muitos peritos na política dos países ocidentais em relação à Rússia mencionam frequentemente que eles perseguem determinados objetivos, mas o quê exatamente e para onde esses objetivos deveriam levar globalmente, geralmente não é explicado.

Vamos montar este puzzle por nós mesmos.

A economia global está agora no pico do seu desenvolvimento, o que inevitavelmente resultará numa crise. Os fenómenos de crise estão constantemente a abalar o mundo e, desde 2007, quando eclodiu uma crise financeira global, este processo só tem piorado. A economia dos chamados "países desenvolvidos" acumulou tantos momentos críticos que já não permitem que as economias cresçam, se desenvolvam e floresçam como antes, enquanto permaneciam como núcleo da economia mundial.

Só no princípio do século XXI, já houve mais crises económicas do que em todo o século XX

Ao longo dos últimos 20 anos, os mais importantes "faróis da democracia" acumularam gigantescas dívidas governamentais e empresariais. A dívida dos EUA já é um caso clássico, mas a situação é semelhante no Reino Unido, na França e até na Alemanha. Não há uma única economia desenvolvida pelos padrões ocidentais que não esteja endividada.

Em geral, o mundo deve a si mesmo mais de 300% do PIB mundial. Ao mesmo tempo, os países também têm elevadas dívidas públicas. Por exemplo, nos Estados Unidos, em 2022, representou 132% do PIB, na China – 73,7%, no Japão – 253,5%, na Rússia – 17,7%.

E isto não é apenas uma crise na economia global, é o limite do seu desenvolvimento. O velho modelo de desenvolvimento económico já não pode ser utilizado como meio de desenvolvimento global porque os recursos económicos estão tão esgotados que o modelo económico já está a falhar na maior parte dos países desenvolvidos.

Tome-se os Estados Unidos, onde a punição por roubo estava estabelecida na lei. Agora, o roubo de até 1 000 dólares não é mais considerado um crime. O chamado "roubo de loja" está a atingir uma nova escala.

Para corrigir a atual situação, há uma necessidade de reformas radicais, as quais em muitos aspetos contradizem o modelo capitalista sobre o qual foi construído o poder económico dos países ocidentais.

No entanto, as elites ocidentais não estão em vias de realizar quaisquer reformas sociais ou monetárias, porque isso implicaria perdas globais para elas.

Paralelamente à deterioração da economia mundial, teve início o surgimento de novos centros mundiais. A Rússia e a China tornaram-se os principais candidatos ao papel de criadores e guardiões da nova ordem mundial.

Se os novos centros do mundo constituírem um novo polo (um bloco forte), que simplesmente redistribua os recursos financeiros e materiais a seu favor, então às elites ocidentais só restará lutarem umas com as outras pelo remanescente do bolo.

Se a Rússia influenciar a formação de novos centros do mundo, em última análise eliminando os principais concorrentes, o processo de transição económica das principais economias dos países ocidentais se verificará então de forma mais suave e sem fortes choques tanto para a sociedade como para os países ocidentais como um todo – naturalmente, devido a choques no terceiro mundo.

O principal elo na formação de um novo centro de influência mundial é a Rússia como um país com uma população educada, com uma indústria real criada durante a modernização soviética e com enormes recursos naturais ainda não aproveitados. Ao mesmo tempo, a Rússia é uma potência nuclear. Sem a Rússia não haverá um novo centro de poder e, se ficar instável durante um período de tempo suficiente (por exemplo, pelo mergulho da economia russa numa crise), então os países ocidentais ganharão dominância completa sobre a transição económica e serão capazes de maximizar o seu uso para o seu próprio benefício às custas de outros, os Estados menos desenvolvidos.

No Fórum Económico Mundial em Davos, realizado em janeiro de 2023, o ministro das Finanças canadiano expressou o verdadeiro propósito das sanções contra a Rússia – levar os habitantes da Rússia à pobreza total durante décadas em prol da recuperação económica no mundo ocidental.

Que espécie de transição global é esperada por todos nós, e por que a Rússia é o país mais indesejável para o Ocidente durante esta transição?

Cientistas estão envolvidos em previsões da dinâmica global há quase 50 anos e, a cada nova previsão, a lógica de que a economia mundial não pode continuar a desenvolver-se normalmente torna-se cada vez mais poderosa.

O facto é que a base de recursos sobre a qual o mundo se desenvolveu está agora severamente esgotada. E a cada ano a situação só piora. As chamadas tecnologias "verdes" que o Ocidente impõe aos países menos desenvolvidos não ajudarão o ecossistema do planeta de forma alguma se não for mudado o paradigma do desenvolvimento económico de todo o mundo.

Isso é muito claramente descrito no conceito de "Fronteiras Planetárias" (“Planetary Boundaries”), baseado no fator antropogénico do impacto humano sobre o ambiente.

As fronteiras planetárias são um conceito que enfatiza distúrbios antropogénicos nos processos do sistema terrestre, longe dos limites ecológicos relativamente bem caracterizados da época interglacial do Holoceno. O conceito foi proposto em 2009 por um grupo de cientistas liderados por Johan Rockström, então trabalhando no Centro de Resiliência de Estocolmo, e Will Steffen, da Universidade Nacional Australiana.

Três processos já ultrapassaram limites razoáveis, provocando mudanças irreversíveis no ecossistema do planeta no futuro próximo:

a extinção de espécies, dependendo de seus habitats, começou a ocorrer 100-1000 vezes mais rápido do que era antes da revolução industrial há 250-300 anos;

a degradação dos reservatórios naturais de água doce já começou: se 2,3 mil milhões de pessoas não têm acesso à água doce hoje, então dentro de 30 anos 4,5 mil milhões de pessoas não terão acesso;

a degradação das terras agrícolas, a falta de água de irrigação e a acidificação dos oceanos do mundo inevitavelmente levam a uma diminuição do acesso a alimentos no mundo em termos per capita.

E a ONU diz abertamente que este processo já começou:

De acordo com este relatório da ONU, em 2021, o número de pessoas com fome no mundo chegou a 828 milhões, o que representa mais 46 milhões do que um ano antes e 150 milhões a mais do que em 2019

Não há mais qualquer reserva livre de terras aráveis no mundo. A camada de solo altamente fértil diminuiu significativamente nos últimos 200 anos devido à degradação geral das terras agrícolas e representa 3% da área terrestre. A quota combinada de terras médias-férteis, juntamente com terras de alta fertilidade, é inferior a 12% da superfície terrestre.

A taxa média global de degradação da terra arável é 35 vezes maior do que na era pré-industrial.

Nos últimos 200 anos, 2 mil milhões de hectares de terras aráveis foram perdidos. Hoje, a humanidade tem apenas cerca de 1,5 mil milhões de hectares à sua disposição. Isto tendo em conta que, na atual ordem tecnológica, 98% dos alimentos são produzidos com a ajuda do solo.

Além disso, observa-se a redução do caudal dos rios e as secas estão a tornar-se mais frequentes, razão pela qual o processo de desertificação se acelera a cada ano.

Claro que tentam lutar contra isso. Por exemplo, os países da UE iniciaram o programa "solos e alimentos saudáveis", que visa restaurar a produtividade de 75% das coberturas do solo até 2030. No entanto, na prática, o programa mostra a sua ineficiência, apesar de cerca de 50% de todo o orçamento da UE ser gasto em subsídios e programas agrícolas.

Em 2020, foi decidido atualizar o programa em prol de uma maior aplicação de técnicas amigas do ambiente. A reforma da política agrícola comum da UE deveria ter início em 2023.

O consumo total de recursos no planeta já duplicou o limite máximo.

Nenhuma tecnologia de reciclagem (mesmo com uma eficiência de 100%) resolverá os problemas da economia global e da situação ambiental no planeta.

De acordo com um estudo feito por cientistas do Reino Unido, os Estados Unidos e a União Europeia respondem por 74% do excesso de consumo global de todos os recursos extraídos no planeta

Tendo em conta a situação económica, ecológica e social, os próprios cientistas ocidentais chegam à conclusão de que o modelo existente de crescimento económico, produção e consumo inevitavelmente levará o mundo a uma catástrofe, movendo todos os indicadores do ecossistema do planeta para além de seu equilíbrio (fronteiras planetárias naturais) nos próximos 50 anos.

Mesmo cientistas ocidentais (especificamente: Randers, Rockström e Stoknes) no seu relatório ao Clube de Roma indicam que o capitalismo inevitavelmente levará a humanidade ao desastre.

Ou seja, os próprios cientistas ocidentais afirmam explicitamente que o capitalismo não apenas se esgotou, mas já é diretamente prejudicial ao desenvolvimento da humanidade. A melhor saída para a atual crise é através de reformas no domínio da transformação social, que melhorem o sistema económico e social.

Por exemplo, no caso dos Estados Unidos, diz-se que há uma necessidade de reformas com a criação de um sistema de estado social estatal. O socialismo nos EUA…

Conclusões semelhantes foram alcançadas por cientistas russos da Universidade Estatal de Moscovo, como Viktor Sadovnichy, académico da Academia Russa de Ciências, reitor da Universidade Estatal de Moscovo, e Askar Akayev, membro estrangeiro da Academia Russa de Ciências, pesquisador-chefe do Instituto de Pesquisa Matemática de Sistemas Complexos da Universidade Estatal de Moscovo.

No entanto, ao contrário dos seus colegas ocidentais, os cientistas russos veem uma saída para a crise económica global através da formação de uma nova ordem tecnológica, na qual a recusa em aumentar o consumo é o principal fator no desenvolvimento económico e na transição do confronto de Estados para a cooperação na solução de problemas globais comuns.

É claro que as elites ocidentais não fazem isso, tentam resolver problemas à moda antiga – às custas de outros Estados.

E a análise mostra que, por exemplo, apenas destruindo a Rússia e transferindo os seus ativos naturais (terra, água, recursos) para os seus ativos, o Ocidente obteria crescimento económico nos próximos 20 anos. Assim, se e quando a Rússia não estiver mais em competição, o Ocidente continuará a "democratizar" o mundo sem qualquer qualquer resistência.

Chave inferior esquerda, da coluna da esquerda para a direita:   gás, petróleo, carvão, cobre, ouro, prata, diamante, estanho, níquel, petróleo de xisto, manganês, titânio, platina, alumínio, tungsténio, molibdénio, urânio, minério de ferro, cromo. Além dos minerais, a Rússia possui 23% das reservas florestais do mundo, 8% de todas as terras aráveis férteis e mais de 10% das reservas mundiais de água doce. Sim, é de acesso a recursos intactos que os países ocidentais precisam. E há apenas um país no mundo onde tudo isso está concentrado em abundância. É na Rússia

Nossos rios siberianos permitirão realizar o potencial em energia hidroelétrica para as necessidades de toda a União Europeia.

Ao mesmo tempo, um país com recursos tão significativos nem sequer deve ter a oportunidade de fazer a transição para uma nova ordem económica mundial, porque um país auto-suficiente irá muito rapidamente tornar-se líder mundial em muitos indicadores naturais, sociais e económicos.

Por exemplo, a China não é um país auto-suficiente. Se os países ocidentais impuserem sanções ao seu setor de energia (ou seja, proibirem o fornecimento de recursos energéticos à China), a economia chinesa retrocederá até 1990, porque a China já importa 22% de seu consumo interno e, ao mesmo tempo, há crises energéticas periódicas. A última foi em 2021 e afetou 300 milhões de pessoas.

Lista de países importantes em termos de importação de energia (em milhões de toneladas de equivalente petróleo).

O ciclo de transição do capitalismo para o pós-capitalismo e, em seguida, para o socialismo com a formação de uma sociedade noosférica humanista já é inevitável para a humanidade. Caso contrário, o mundo está prestes a um desastre. Todos os estudos apontam para isso, cientistas ocidentais e russos falam sobre isso.

Consumo mundial de energia per capita em 2050

Na previsão de Gail Tverberg, perita em esgotamento de petróleo e gás natural, escassez de água e mudanças climáticas, se o mundo continuar a desenvolver-se sem qualquer transformação, então até 2050 ela prevê um declínio populacional para 2,8 mil milhões de pessoas e uma queda no consumo de energia per capita para o nível do final do século XIX.

Serão os países ocidentais capazes de fazer essa transição? Infelizmente não, e também não é possível cada um por si mesmo. Sem recursos externos, eles não serão capazes de fazer a transição, uma vez que as economias dos países ocidentais não estão apenas em buracos de dívida, como também excessivamente inchados em relação à segurança dos recursos do nosso planeta.

No nível atual de consumo – que representa três quartos de todos os recursos extraídos do planeta – os países do Ocidente coletivo não podem nem mesmo teoricamente fazer essa transição sem a pilhagem total do mundo inteiro. E mesmo neste caso, nem todos os países ocidentais serão capazes de se mover para uma nova estrutura económica sem choques nas suas próprias esferas sociais e económicas.

Será que arruinar a Rússia através da privatização das suas riquezas ajudará os países ocidentais a fazer a transição para um novo modo de vida? Também não. Neste caso, apenas obterão vantagem ou a UE ou os EUA – mas não os dois ao mesmo tempo. Eles então passarão a "democratizar" outros países ricos em recursos. Isso é necessário para sua sobrevivência na forma como existem hoje.

E o que acontece se a Rússia deixar de vencer? O Ocidente tentará fazer o mesmo com os países da África, com a China ou a Índia. E tentarão levar a Rússia à dependência económica dos países ocidentais sob vários pretextos. Esta é também uma condição necessária para a sua sobrevivência durante a transição.

Uma vez que a pesquisa sobre a dinâmica económica está disponível publicamente, muitos líderes da comunidade internacional estão bem conscientes disso. É por isso que muitos países não apoiaram os Estados Unidos e seus aliados nas sanções contra a Rússia.

Além disso, aliados de longa data e parceiros estratégicos, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Qatar e até a Turquia, começaram a afastar-se publicamente da política ocidental voltando-se para a Rússia e a China.

Em 2022, dez países manifestaram o desejo de aderir à Organização de Cooperação de Xangai, incluindo os Emirados Árabes Unidos, Síria, Qatar, Arábia Saudita e Turquia.   Ao mesmo tempo, Indonésia, México, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Tailândia, Cazaquistão, Nigéria, Bangladesh, Grécia, Síria e Tajiquistão desejam aderir aos BRICS.  Ambas as organizações internacionais foram criadas com a participação da Rússia.

Uma coincidência?

Nada será como dantes…

18/Fevereiro/2023

*O original encontra-se em www.stalkerzone.org/the-inevitable-redistribution-of-the-world-is-coming-and-it-has-been-scientifically-proven-that-for-many-countries-it-will-be-a-disaster-unfortunately/

*Este artigo encontra-se em resistir.info

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