segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Angola | Adiós Nonino e a Invenção do Amor – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O amor é uma invenção por isso é urgente reinventá-lo porque aquele que está inventado já não responde. Jaz morto e arrefece como o menino de sua mãe que morreu mas matas dos Dembos, Uíje, Zaire e Cabinda. Nas savanas e matas do Leste. Nas cidades vilas e sanzalas da paz. O poeta Daniel Filipe sobre este negócio escreveu estas palavras inapagáveis nem por mialas, terramotos e ventos invernais:

“Em letras enormes do tamanho/do medo da solidão da angústia/um cartaz denuncia que um homem e uma mulher/se encontraram num bar de hotel/numa tarde de chuva/entre zunidos de conversa/e inventaram o amor com carácter de urgência/deixando cair dos ombros/ o fardo incómodo da monotonia quotidiana”. É isso. Inventemos o amor neste país que esmaga quem ousou lutar pela liberdade. Nesta pátria que era sonora e agora murmura aos seus filhos segredos em surdina não vá o mobutismo espirrar mais sangue e erguer novas prisões. 

Inventemos o amor com carácter der urgência. Sabem o que era Angola quando os nossos Heróis se ergueram em armas contra o colonialismo, o imperialismo, o racismo e o tribalismo? Tomem notas, por favor. Ensino no 4 de Fevereiro 1961, há apenas 62 anos era assim: 

Dois sectores, um para brancos e assimilados o outro para indígenas. Dois graus, o primário e o secundário. O primário era para brancos e assimilados. Tinha em toda a Angola 300 escolas e 15.403 alunos.

Ainda no ensino primário existia o Ensino Elementar Profissional com 60 escolas e 3.944 alunos. Para formar professores existia a Escola do Magistério do Cuima com 150 alunos. Os negros tinham direito ao Ensino Rudimentar para Indígenas a cargo das Missões Católicas Portuguesas com 500 escolas para 17.114 alunos. Total da População Escolar no Ensino Primário em 1961, ano do 4 de Fevereiro: 36.661 alunos.

Vamos ao Secundário. Tinha o Ensino Liceal com duas escolas do Estado: Liceu Nacional de Salvador Correia (Luanda) e Liceu Nacional de Diogo Cão em Sá da Bandeira (Lubango). Mais 19 escolas secundárias particulares. Eu frequentava o Colégio Padre Américo no Uíje, mais tarde absorvido pelo Colégio Santa Teresinha porque o director, Padre Antunes, foi acusado de abusar de uma menina e o pai, administrador do Kimbele, queria matá-lo! Um dia vou contar-vos esta história digna de um filme. Mas o actor principal tem que ser o General Foge a Tempo.

Total de alunos no ensino secundário: 3.174 alunos.

Depois tínhamos (no ano e 1961!) o Ensino Técnico Profissional com a Escola Industrial de Luanda, Escola Comercial e Industrial de Nova Lisboa (Huambo), Escola Comercial e Industrial de Sá da Bandeira (Lubango),Escola Agro-Pecuária do Tcivinguiro (Huíla), Escola Prática de Comércio e Pesca de Moçâmedes (Namibe) depois transformada em Escola Comercial e Industrial, Escola Comercial de Luanda (pública), Escola Comercial do Colégio D. João II, privada que ficava no palácio Dona Ana Joaquina e Escola do Magistério Primário de Benguela. No Ensino Técnico Profissional existiam 1.085 alunos. 

Entre 1961 e 1974 houve uma explosão no ensino. Mas em 1975 ficámos muito abaixo dos números de 1960. Partimos praticamente do zero.

O Mapa Judiciário em 1960 cabia no bolso do casaco do distrito de Luanda. Pequenino. Após 11 de Novembro de 1975 ficou ainda mais reduzido. Os colonos não levaram os Palácios da Justiça nem outras instalações ao serviço do Poder Judicial. Mas foram embora funcionários judicias, juízes, agentes do Ministério Público e advogados às carradas. Quem ficou não chegava a para pôr a funcionar os Tribunais de Luanda.

O Ministro da Justiça, Dr. Diógenes Boavida, Herói Nacional, fez um esforço gigantesco para pelo menos pôr a funcionar as Conservatórias. E criou os alicerces para o novo edifício do Poder Judicial. Primeira pedra lançada: Criação da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Conseguiram! Angola passou a formar os seus juristas. Uma vitória estrondosa da Revolução e do MPLA. Em 1977, o panorama era desolador, apesar de Neto e Boavida terem apostado tudo na construção de um Estado Revolucionário e de Direito.

Esta parte foi para responder ao Michel e ao autóctone Tonet. Não perco nem mais um segundo com eles. E só fiz este texto para que os jovens percebam as enormidades propaladas por oportunistas. Em 1977, o Estado Angolano resumia-se às FAPLA e às estruturas do MPLA, único movimento que proclamou a Independência Nacional. 

Em democracia quem perde eleições ganha um estatuto fundamental que é pertencer à Oposição. Os nazis do apartheid mais uns portugueses ignorantes e corruptos convenceram Jonas Savimbi de que na democracia deles só há vitórias. Em vez de se comportar como um opositor, desertou do combate político e regressou à guerra. Não existe intolerância maior. Se nós denunciamos estas iniquidades eles ficam muito ofendidos!

Se, pedagógica e pacientemente, explicarmos aos membros da direcção da UNITA que o Poder Judicial é a trave mestra da Nação Angolana eles gritam que estamos a atentar contra a reconciliação nacional. Porque os derrotados do regime de apartheid não reconhecem a existência em Angola de um só povo, uma só nação. Adalberto, o kapitupiutu de serviço, ousou dizer isto publicamente. Mas quem apresenta Angola segundo uma visão anterior à chegada dos portugueses à foz do rio Zaire é patriota e faz tudo pela unidade e reconciliação nacional. Percebeu, senhor Miala?

Um dia estava no bar do Hotel Riviera em Havana e entrou uma figura que conhecia bem. Era o Comandante Ludy. Fiquei estupefacto, não o imaginava tão longe de casa. Eu estava a trabalhar. Fazia um a reportagem sobre o serviço nacional de saúde em Cuba. Um grande abraço e ficámos à conversa, eu bebendo mojitos e o meu camarada sumo. Estava doente. 

Enquanto permaneci na capital cubana encontrávamo-nos todos os dias no mesmo local. A pianista, Cecília Ruiz Rosado, quando entrava o Comandante Ludy, tocava o Adiós Nonino de Astor Piazzola. Sobre o 27 de Maio contou-me coisas de estarrecer. Não vou reproduzi-las porque a fonte faleceu. Mas, felizmente, ainda há alguns camaradas vivos. Vou desafiá-los para contarmos em livro tudo o que aconteceu. Michel, Tonet, Francisca Van-Dúnem, o irmão da Sita Vales e outros falsários calam-se para sempre.

*Jornalista

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