terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Angola | CEMITÉRIO DA MEMÓRIA E DOS ELEFANTES – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Banana e Matadi eram Angola. Deixaram de ser devido a um programa de trocas e baldrocas dos colonialistas portugueses, belgas, franceses e ingleses. Mas a região ficou com um estatuto especial. Os angolanos que quiseram ficar continuaram com todos os direitos como se vivessem na colónia portuguesa e adquiriram os direitos da colónia belga. Aniceto Vieira Dias (Liceu) figura incontornável da Cultura Angolana nasceu em Banana. Siona Casimiro, jornalista, nasceu em Matadi, 1944, o meu ano. Ambos são angolanos.

Siona Casimiro faleceu em Paris vítima de doença. Fui eu que o recebi em Luanda e fiz tudo para enquadrá-lo. Estávamos no final de 1974 e eu era o presidente do Sindicato dos Jornalistas. Lúcio Lara recomendou-me urgência no seu enquadramento porque “é um quadro valioso”. Está tudo dito. E esta memória justifica a minha tristeza pelo seu falecimento. Até porque até 1992 fomos amigos. Depois afastou-se de mim. Seguiu outro caminho fora do MPLA. Uma opção respeitável que não acompanho.

 Como sempre acontece na hora da morte, o defunto tem imensas virtudes. Mas estão a atribuir-lhe acções que não praticou e títulos que não tem. Luísa Rogério, minha amiga e colega que muito prezo, diz isto: " Siona Casimiro para o jornalismo angolano é a grande referência e o mestre dos mestres, porque faz parte do jornalismo angolano, uma vez que não podemos falar de jornalismo angolano sem citar Siona Casimiro”. Mestre dos mestres? Quando se faz uma afirmação destas é preciso dar exemplos. Não pode ser uma mera atoarda dilatada pela emoção.

Siona Casimiro levou tempo a enquadrar-se porque não escrevia em Língua Portuguesa. Portanto, não podia ir para a Imprensa. Não falava correctamente a língua. Rádio também não dava. Como ainda não tínhamos emissões regulares de televisão, já se vê como foi difícil enquadrá-lo. Ficou ligado ao DIP do MPLA. 

O Jornal de Angola diz que Siona Casimiro é fundador da ANGOP. Depende do que entendem por “fundador”. Mas esse conceito não pode ficar pela mera opinião. Vou explicar. Colaborei activamente com o colectivo fundador do jornal Libération na direcção de Jean-Paul Sarte. Mas não sou fundador. Nem chego aos calcanhares do director. Colaborei e já não é pouco.

Em Junto de 1975 fui a Brazzaville com o Presidente Agostinho Neto e o poeta António Jacinto naquele velho avião Dakota, pilotado pelo comandante Pestana. A hospedeira era a nossa camarada Gama, uma figura inesquecível. 

Agostinho neto foi falar com o Presidente Marien Ngouabi porque o seu primeiro-ministro, Henri Lopez, estava bandeado com a FLEC. Na conferência de imprensa que se seguiu ao encontro dos dois líderes eu perguntei ao Chefe de Estado Congolês se o apoio à FLEC ia continuar. Ele ficou furioso e disse: “Nós apoiamos o MPLA. Somos amigos de Angola. Jamais aceitaremos acções da FLEC na República Popular do Congo”. E acabou o apoio à FLEC.

No regresso a Luanda o Presidente Agostinho Neto e António Jacinto mandaram-me chamar para a frente do avião e falámos sobre a operação mediática em Brazzaville. No meio da conversa eu disse que Angola precisava de uma agência noticiosa e era necessário iniciar imediatamente a sua criação, para tudo estar pronta a 11 de Novembro de 1975. No dia seguinte, Luís de Almeida convocou-me para uma reunião. Agostinho Neto tinha-lhe dado instruções para avançar imediatamente com a criação de uma agência noticiosa. Trocámos impressões e ele queria que eu avançasse com o projecto. Recusei. E que tal o Mena Abrantes? Esse é o homem certo para o lugar certo!

Mena Abrantes, durante o seu exílio na República Federal da Alemanha, tinha trabalhado na Deutsche Welle. Trabalhou comigo na Emissora Oficial de Angola (RNA) e tinha a responsabilidade das agências noticiosas. Falava e escrevia correctamente em francês, inglês e alemão. Só ele podia avançar com o projecto. E assim foi. 

Um pormenor. O Zé Mena Abrantes ficou chateadíssimo pela indicação do seu nome. E com razão. Porque eu sabia que ele tinha três amores, o teatro, o teatro e o teatro. Criar uma agência noticiosa ia afastá-lo dessa paixão. Mas teve que ser. Começou a trabalhar nas catacumbas do Palácio Presidencial. Penso que tinha o apoio da jornalista angolana/italiana Augusta Conchigia repórter da Luta Armada de Libertação Nacional na Frente Leste. O fundador da ANGOP é José Mena Abrantes. Nessa altura Siona Casimiro estava no DIP. 

O mestre dos mestres. Nesse tempo Siona Casimirto estava a aprender tudo, não ensinava nada. Mestres, que eu saiba, eram outros. Não vou referir nomes porque posso esquecer alguém e isso seria imperdoável. Mas abro uma excepção para a Emissora Oficial de Angola onde mestres eram Concha de Mascarenhas, Horácio da Fonseca, Manuel Rodrigues Vaz, Francisco Simons e António Macedo. Algumas e alguns principiantes também me chamavam mestre mas por distracção do acaso. Ao fim de 58 anos de profissão ainda não passei de aprendiz. Sempre aprendendo.

Teixeira Cândido disse sobre o falecido Siona Casimiro que “foi para o jornalismo angolano um dos grandes impulsionadores. Defendeu, como poucos, a liberdade de imprensa, o jornalismo independente, ético e responsável”. Puro engano de alma. Até 1992, o defunto era comissário político do MPLA para a comunicação social. Fazia jornalismo partidário o que só lhe ficou bem. Depois partiu para o sindicato. Não vou pronunciar-me sobre o seu papel no Jornalismo Angolano após 1992, por uma questão de respeito pelo falecido. E não pode responder-me. 

Luísa Rogério chama a Siona Casimiro o decano dos jornalistas angolanos. E refere que em 1969 recebeu uma carteira profissional da Associação dos Jornalistas Franceses. Que seja. Não confirmo nem desminto. Mas gostava de saber onde Luísa Rogério vai meter Luís Alberto Ferreira do alto dos seus 90 anos e o primeiro jornalista angolano a trabalhar no estrangeiro (Espanha). Adolfo Maria, que foi jornalista do ABC (diário da tarde) nos ambos 50. Concha de Mascarenhas profissional desde meados dos anos 60. Luísa Fançony, início da década de 70. E os jovens que começaram em 1974 na Rádio, como Aldemiro Vaz da Conceição. Ou no início de 1975, como João Melo e José Patrício.

Siona Casimiro começou no Jornalismo Angolano depois ou muito depois dessas e desses profissionais. São todas e todos decanos do Jornalismo Angolano? Não enterrem a memória no cemitério dos elefantes antes de alguns elefantes morrerem.

* Jornalista

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