terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

SIM À GUERRA, FOGO CONTRA A PAZ – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente João Lourenço é o campeão da paz e reconciliação em África e, desde que foi a Washington participar numa “cimeira” alargou esse título para a Ucrânia. Daí vai saltar para campeão do mundo. Quando deu ordens para Angola votar contra a Federação Russa na ONU a propósito do conflito na Ucrânia já estava a campear na Europa. 

No dia em que se enganou na data do início da guerra na Ucrânia, estragou tudo. Porque afirmou que começou há um ano. Mas o conflito vem de longe. Precisamente de 2014. Por razões patrióticas, passo a revelar dados que desmentem o campeão da paz e reconciliação. Para não repetir o erro que, diplomaticamente, tem graves consequências.

Depois da vitória do golpe de estado nazi em Kiev, no ano de 2014, o Leste da Ucrânia rebelou-se contra o novo poder. Começou então a guerra. Entre 2014 e 2022, a OTAN (ou NATO) considerava o conflito como “uma guerra contra soldados irregulares russos” (Documento oficial). A Cruz Vermelha Internacional e a ONU consideraram que era “conflito armado não internacional”. A agência noticiosa Reuters chamava-lhe “uma guerra civil”. Guerra. 

Nessa altura o Presidente João Lourenço ainda não era campeão da paz. Mas era vice-presidente da Assembleia Nacional e entre 2014 e 2017, ministro da Defesa. Impossível não saber que havia uma guerra no Leste da Ucrânia. Mas não exigiu o cessar-fogo incondicional a nenhuma das partes.

 Entre Julho e Agosto de 2015, o governo de Kiev lançou várias ofensivas contra os separatistas do Leste, visando reconquistar Donetsk e Lugansk. Números oficiais de vítimas nessas operações: 1.100 civis! Os rebeldes recuaram. O líder rebelde, Igor Girkin, pediu ajuda à Federação Russa. Para travar a matança. A guerra ganhou força e Igor demitiu-se sendo substituído por Vladimir Kononov. A OTAN (ou NATO) mandou mais apoio militar às tropas de Kiev. Em 27 Dezembro de 2017, em cumprimento do Acordo de Minsk, houve uma troca de prisioneiros, onde 73 soldados ucranianos foram libertados em troca de 200 separatistas. O campeão da paz já era Presidente da República.

Em 18 de Janeiro de 2018, o parlamento ucraniano aprovou uma lei que tinha por finalidade dar legitimidade ao plano de retomada do controlo das áreas sob domínio dos separatistas, reconhecendo o território leste do país como “regiões ocupadas” e dando autoridade ao presidente Poroschenko para usar mais força militar a fim de reconquistar o Donbass. Os deputados aprovaram um bloqueio económico e sanções contra as repúblicas separatistas do Leste da Ucrânia. O governo russo afirmou que essa legislação aprovada era uma violação dos Acordos de Minsk e “dava sinais de uma nova declaração de guerra”. 

Após longas negociações, Ucrânia, Rússia, Donetsk, Lugansk e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCDE) assinaram um acordo, em 1 de outubro de 2019, para acabar com a guerra no Donbass. Ganhou o nome de “Fórmula Steinmeier”, porque o plano foi apresentado pelo presidente alemão Frank-Walter Steinmeier. Este acordo previa a realização de eleições em Donetsk e Lugansk sob a observação da OSCE.  O campeão da paz, Presidente da República, nem uma palavra sobre estes acontecimentos. Mas o acordo foi feito para acabar com a guerra. Logo, ela não começou em Fevereiro de 2022. 

Más notícias. No âmbito do acordo, as tropas ucranianas deviam retirar da cidade de Zolote no dia 29 de Outubro de 2019. Forças nazis do Sector Direita e Batalhão de Azov (defensores dos valores da União Europeia e dos EUA) impediram a retirada. Queriam mais guerra! Falharam. Em Novembro as tropas governamentais retiraram de Petrovske. Depois desta operação, Vladimir Putin, Volodimyr Zelensky, Ângela Merkel e Emanuel Macron reuniram-se em 9 de Dezembro de 2019 para consolidarem os acordos de paz. Todos concordaram realizar nova ronda der negociações em 2020.  

Em Fevereiro de 2021,os Media internacionais noticiaram (ingenuamente) que o governo ucraniano estava a adquirir armamento incluindo drones Bayraktar TB2. Em Novembro de 2021, a tensão voltou ao Donbass. No dia 22, a Federação Russa lançou um alarme: Os países ocidentais estão a fornecer à Ucrânia armas der alta tecnologia. 

O Kremlin acusou directamente a OTAN (ou NATO). Mais uma vez, os Media ocidentais, ingenuamente, noticiaram que países membros da OTAN estavam mesmo a fornecer armas à Ucrânia e o bloco militar assumiu o compromisso de “ajudar a manter a integridade do território ante uma invasão russa”. O campeão da paz nada disse e já era Presidente da República.

O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, no seu relatório anterior a 24 de Fevereiro de 2022, escreve o seguinte: “Durante a guerra, de 14 de abril de 2014 a 31 de janeiro de 2021, morreram no Dombass 3.107 civis (1853 homens, 1072 mulheres, 102 rapazes, 80 raparigas). O mesmo relatório dá como total de mortes nesse período, 10 mil pessoas. 

Este documento importantíssimo para compreender o que hoje se passa na Ucrânia está acessível na Internet. Se o campeão da paz desejar, posso enviar-lho devidamente traduzido porque está redigido em inglês. Atenção! Os peritos da ONU falam em genocídio por parte dos nazis do Batalhão de Azov. Porquê? No Donbass, 73 por cento da população é russa ou fala russo. E eles querem acabar com a língua russa e com os russos na Ucrânia!

O Presidente da República de Angola não pode, a título nenhum, dizer que a guerra na Ucrânia começou em Fevereiro de 2022.

Uma notícia excelente. O Tribunal Constitucional prestou um serviço inestimável ao Estado Angolano ao lançar uma versão em banda desejada e traduções em línguas nacionais do texto da Constituição da República. Todas e todos que colaboraram neste projecto merecem a mais alta condecoração nacional. Ainda que essa forma de distinção esteja emporcalhada pelo reizinho de Espanha e pelo Rafael Marques. Também há muita e boa gente condecorada. 

*Jornalista

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