Artur Queiroz*, Luanda
A mensagem da repórter Edna Dala informa que faleceu o nosso colega Domingos dos Santos. A noite desabou sobre os meus ombros cansados. Podia escrever uma crónica de saudade, um epitáfio, um grito de revolta, até uma elegia. Preferi dormir de olhos abertos. Acordei num dia de sol e pássaros e em vez de pensar decidi escrever.
Um dia decidimos criar o serviço
de reportagem no Jornal de Angola. Para mim o jornalismo é notícias e
reportagens. O resto é para flautistas. Falei com o Pereira Dinis e pedi-lhe
dez repórteres com vontade de encher as páginas com os seus trabalhos. Ele
deu-me uma lista e pedi-lhe sigilo. Chamei cada uma e cada um para verificar se
tinham o perfil desejado. Ninguém sabia que estava
Depois à nossa sala foi chegando mais gente. Um paginador queria ser repórter. Entrou no grupo. Colegas que estavam no jornal Economia & Finanças, também foram aumentar a equipa. E depois os editores mais impacientes desfizeram-se dos “pesos mortos” e mandaram-nos para o nosso espaço. Duas jovens estagiárias também reforçaram o pelotão. Toda a gente era bem recebida. Logo de manhã cada qual dizia de sua justiça. Criticava, aplaudia, vociferava, levantava problemas do quotidiano, alguns bem complicados. Depois fazíamos uma análise ao material da edição. E por fim criticávamos o trabalho de cada um e cada uma.
Um mês depois percebi que existia um núcleo de jornalistas com elevado potencial. Um deles era o Domingos dos Santos. Escrevia em definitivo e só usava os fragmentos de informação essenciais para as notícias ou reportagens. Desprezava a palha que lhe queriam impingir. Sendo um dos melhores profissionais exigia mais dele do que dos outros e zangava-me quando caía em facilidades.
Depois da formação cada um ia à sua vida e eu regressava ao matadouro onde me matava aos poucos, dia após dia. Um dia o Domingos dos Santos entrou e disse-me:
- Estás sempre a criticar-me porque trabalho, Mas não criticas quem nada faz e quando faz é porcaria! És muito injusto. Expliquei ao Domingos dos Santos que me zangava com ele porque era dos melhores e não podia tolerar que ele entrasse em facilidades e desprezasse o rigor, que é a marca distintiva do Jornalismo. Quem fazia pouco e mal não tinha capacidade para fazer melhor. Criticar essas e esses colegas seria uma cobardia. Quem dá o que tem, a mais não é obrigado.
O Domingos dos Santos percebeu a
minha posição e pediu-me para lhe dar um abraço. Ele um calmeirão e eu um rapaz
com menos uns
O meu trabalho com aquele grupo de jornalistas foi do melhor que me aconteceu ao longo dos anos que levo de profissão. Aprendi muito com todas e todos. Ensinei alguma coisa. Trocámos experiências. Ficámos ligados pela notícia e a reportagem. Uma ligação para a eternidade.
A Edna Dala enviou-me ontem uma mensagem dando notícia da morte de Domingos dos Santos. Ele tem a idade do meu filho Eurico Tiago. É um repórter como existem poucos no Jornalismo Angolano. A notícia caiu em mim e desabei como os prédios do terramoto na Turquia.
Hoje acordei com um dia de sol e pássaros Que fazer? Perguntaria Lenine. Eu respondo com palavras do Poeta Marcial que acompanhava os versos com a sua cítara de 72 cordas: Na Guerra da Turquia/Perdi os meus irmãos/ E uma filha moça/ Que era a luz do meu dia.
Ontem o Jornalismo Angolano perdeu um grande repórter. Eu perdi o sentido deste dia de sol e pássaros.
Miguel Francisco “Michel” diz que é “sobrevivente” do 27 de Maio. Não explica como nem porquê e para mim, os que hoje se dizem sobreviventes são apenas oportunistas que vivem à custa da tragédia desencadeada pelos assassinos no golpe de estado. Este artista destila menos ódio do que o Wiliam Tonet. No mesmo Ckub K publica um texto (?) onde põe em dúvida o papel do General Higino Carneiro na contenção do golpe e captura do assassino Nito Alves.
Argumento do Michel: Na época o General Higino Carneiro só tinha 22 anos e não podia estar investido de tantas responsabilidades. Este pelos vistos nem sequer sabe como as FAPLA cresceram depois de 1 de Agosto de 1974. Mas eu vou explicar-lhe. Nesse tempo quem tinha corpo de homem avançava para a luta mesmo que fosse adolescente. Encontrei no CIR do Cazage (liderado pelo comandante Matos Grosso), em 1974, jovens com 15 e 16 anos! A esmagadora maioria não tinha mais de 18! Na Grande Batalha do Luena já estavam a combater ao lado do Heróico Comandante Dangereux e em todas as frentes.
Este “Michel” (mais um autóctone autêntico) nasceu em 1955, exactamente no mesmo ano em que nasceu o General Higino Carneiro. Este não pode saber nada de Nito Alves nem pode ter participado na sua detenção, porque só tinha 22 anoa quando tal aconteceu. Mas ele também tinha 22 anos em 1977 e sabe tudo do golpista e do golpe! Esta gente enlouqueceu mesmo. Os insultos que despachou sobre os Heróis que conseguiram derrotar os golpistas, num país a sério iam custar-lhe muito caro. Mas como estamos no mobutismo ainda vai ser condecorado. Como o Nito Aves e os outros assassinos.
O General Nando Cuito tinha 16 anos quando entrou nas FAPLA. Participou em grandes batalhas. E com 22 anos era membro do comando da brigada que travou os sul-africanos na Cahama. O comandante era o General Zumbi, outro jovem. O General Nando Cuito com 27 anos pertencia ao comando das tropas que combatiam no Cuando Cubango contra os invasores da África do Sul. É um Herói da Batalha do Cuito Cuanavale.
O comandante das forças era o tenente-coronel Ngueto que tinha 29 anos. Os racistas da África do Sul nem queriam acreditar que estavam a ser derrotados por jovens angolanos. Os que não traíram, não desertaram, não conspiraram, não mataram camaradas assumiram enormes responsabilidades muito novos. Para os “Michel” desta vida hoje se pavonearem como donos da verdade.
* Jornalista
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