domingo, 12 de fevereiro de 2023

Portugal | GRANDE BARRACADA

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

A adjunta da actual ministra do Trabalho propôs uma autêntica acção revolucionária: ocupação da Ponte 25 de abril. A razão? Protesto pelo direito à habitação. Portanto, pertence ao governo mas não encontra melhor alternativa do que insurgir-se contra o governo, contra si própria. Que visionária! Eis uma vanguardista! Agora, só falta António Costa organizar uma manifestação contra o primeiro-ministro de Portugal.

"Não sei quantos quilómetros tem a ponte, mas devem ser bués!", declarou na TV Inês Franco Alexandre, que também propôs um patrocinador das tendas para montar e abancar no tabuleiro que une as duas margens do Tejo. Por isso mesmo se auto-proclama empreendedora - com as barraquinhas solucionava a escassez de casas e ainda os engafarramentos. Uma breve consulta às suas redes sociais confirma a craveira. Dá, por exemplo, webinares sobre "a importância de gerir relações de forma estratégica".

Enfim, em plena crise de habitação, a respectiva política deste governo é mesmo fazer de uma casa para um jovem ou para um trabalhador uma quimera e um escárnio. Talvez por isso tenha escolhido para titular da pasta alguém que nunca fez nada da vida além de assessoria parlamentar. Na área da educação.

Vejamos: os preços da habitação estão proibitivos. Para quem consegue, a aquisição de casa na capital representa um esforço de dois terços dos rendimentos. Noutros pontos do país o cenário não é muito diferente.

Em 2022, esses valores aumentaram ao maior ritmo destas três últimas décadas e só vão piorar com a crescente procura internacional - de particulares, de fundos imobiliários e de turismo. Esta demanda já duplicou e também vai continuar a subir. Lisboa já é uma cidade europeia recordista em AL por 100 mil habitantes. Agora, o peso da procura estrangeira chega a 12% a nível nacional, mas duplica em Lisboa e no Porto. Portanto, há escassez porque quase dois milhões estão em Alojamento Local, segunda habitação ou, simplesmente, desabitadas.

Impressionante. O mercado já estava desregrado mas o Estado só contribuiu para a especulação, concedendo benesses tributárias aos fundos de investimento imobiliário, a residentes não habituais e nómadas digitais com rendimentos elevados, que também inflacionam os valores das casas. Portanto, se forem vistos gold ou reformados estrangeiros endinheirados carregadinhos de borlas fiscais, há casas. Se forem professores, enfermeiros, funcionários, estudantes portugueses, chupam no dedo e Costa promove a facilitação dos despejos e da cessação de contratos de arrendamento. Já para não falar dos escravos amontoados nos quartos sobrelotados das camas quentes. Como é que isto será possível compatibilizar com a oferta de serviços essenciais?!

Urge responder a esta perigosa injustiça.

Dar incentivos a mais construção não chega, porque os não privados apostarão em fogos acessíveis e o desenvolvimento do prime/luxo só agudizará o problema. Importa travar a especulação imobiliária, recuperar devolutos, reforçar a oferta pública de habitação (em Portugal representa apenas 2% ) e até considerar o controlo do preço máximo das rendas, que já existe em cerca de metade dos 27 países da UE.

Já um acampamento precário suspenso a mil metros de altitude com quase 3 km de comprimento talvez seja um pouco megalómano, não acha Sr.ª Adjunta?

*Psicóloga clínica.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
.

Sem comentários:

Mais lidas da semana