Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
A entrega do relatório da Comissão Independente que fez uma primeira abordagem ao problema dos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica não deveria transformar-se, por um lado, numa mera operação de limpeza de imagem da instituição religiosa que encomendou o estudo nem, por outro lado, numa frenética voragem de acusações indiscriminadas contra padres pois, a partir de agora, é fácil alguém aproveitar o ambiente mediático para ajustar umas contas que nada têm a ver com abusos sexuais.
O segundo risco antevejo-o pela experiência que o país passou durante o processo Casa Pia, entre 2002 e 2006.
Houve, é bom não esquecer, listas, investigações, acusações judiciais, notícias de jornais e de televisões a caluniar largas dezenas de pessoas que acabaram por ser declaradas inocentes, mas que, ainda hoje, vinte anos depois, têm de se confrontar com essas suspeitas.
Houve, insisto em sublinhar, um processo judicial difícil e contraditório do qual ainda sobram fundadas dúvidas sobre a justiça de algumas das 10 condenações sentenciadas, bem como sobre algumas das ilibações anteriormente ocorridas.
Houve, não é possível ignorar, uma insanidade generalizada (que também me atingiu como jornalista) da qual o líder desta Comissão Independente, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, na ânsia de defender as crianças abusadas da Casa Pia, que acompanhou, acabou por ser um dos agentes - e quando o vejo, agora, a apelar à denúncia pública, através da comunicação social, de mais casos de abusos não detetados pela Comissão e a lançar frases bombásticas como "há mais de 100 padres suspeitos", receio a repetição do mesmo filme de terror..., mas pode ser que não.
Quanto ao outro risco que aqui analiso, começo por olhar para as recomendações do relatório e para aquilo que propõe que a igreja faça.
São nove recomendações.
Sete dizem respeito ao que a igreja deve realizar para melhorar a sua própria atuação na prevenção, identificação e denúncia destes casos - é o óbvio.
Duas, apena duas, apontam como a igreja deve atuar com as vítimas já identificadas.
A primeira diz isto: "pedido efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e a sua materialização".
A segunda propõe o seguinte: "Apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras".
Note-se que, segundo a própria Comissão, a esmagadora maioria dos casos detetados, do ponto de vista jurídico, já prescreveu, pelo que a justiça dos tribunais, as eventuais condenações a pena de cadeia e os possíveis pagamentos de indemnizações às vítimas não devem acontecer.
Mas porque é que não se recomenda à Igreja que, depois de uma análise crítica ao trabalho da Comissão (que pode, naturalmente, ter alguns erros) ignore a questão temporal e decida, voluntariamente, pagar indemnizações às vítimas, recentes e antigas, independentemente da justiça do Estado?
Porque é que se deixa uma palavra tão dúbia como "materialização" a acompanhar a sugestão do pedido de perdão pela Igreja, em vez de especificar o que significa, na prática, "materializar" esse pedido de perdão?
Lá fora, nos Estados Unidos, a
igreja católica pagou mais de 2 mil milhões de dólares em indemnizações por
casos de abusos sexuais ocorridos de
Em janeiro de 2018, o episcopado alemão anunciou que iria a proceder ao pagamento de 118 milhões de euros.
Em setembro de
Em 9 de novembro de
Na Inglaterra foi criado um fundo pela igreja católica para pagar às vítimas de abusos.
D. José Ornelas já disse que o pedido de perdão às vítimas "não será apenas uma questão de palavras", há mesmo decisões anteriores da Conferência Episcopal Portuguesa, a que preside, a preverem o pagamento de indemnizações - mas a sua concretização, a abrangência, e as quantias não são nada claras.
Se a igreja portuguesa acabar por recusar indemnizar voluntariamente, numa quantia significativa, as suas vítimas de abuso sexual, recentes e antigas, então não parecerá que está verdadeiramente arrependida pelo que aconteceu - e, nesse caso, pedir perdão parecerá, apenas, uma hipocrisia.
*Jornalista
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