segunda-feira, 6 de março de 2023

Angola | A INJUSTIÇA DAS ORDENS SUPERIORES – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Dr. São Vicente é um inocente preso e um condenado sem provas. Isto faz dele preso político do mobutismo reinante. Na prisão de Viana todos sabem que ele é um “preso especial”. Mas ninguém sabe explicar por que razão é “especial”. É difícil perceber que no Estado Democrático e de Direito alguém seja acusado sem provas. E é ainda mais incompreensível que um colectivo de magistrados judiciais condene com base em fantasias e invenções. Isso não é Justiça. É barbárie, vingança e inveja.

O Dr. São Vicente está com cinco meses de excesso de prisão preventiva. Quem dá as “ordens superiores” quer mantê-lo preso a todo o custo. A situação é ilegal e injusta mas em Angola ninguém diz nada: Nem Comunicação Social, nem Nações Unidas, nem ONG, ninguém. Como se fosse normal manter um dos maiores investidores angolanos ilegalmente preso durante tanto tempo.

Ainda não perceberam que manter o Dr. São Vicente como refém não produz o que querem? Ainda não entenderam que os inocentes não são culpados? O Dr. São Vicente só está preso porque quem devia ser independente e isento aceitou cumprir “ordens superiores” e prendeu um cidadão angolano que pouco tempo antes, a Procuradoria-Geral da República declarou não ser suspeito de nada nem ter cometido qualquer crime. Ordens ilegítimas e ilegais levaram obedientes a acusar um inocente. Ordens ilegais, ilegítimas, abusivas, ditatoriais. Sem as “ordens superiores” o Dr. São Vicente nunca seria condenado!

Estão todos entretidos com os escândalos da Justiça. Mas ninguém fala dos escândalos das “ordens superiores” nem de quem dá as “ordens superiores” e depois se esconde. No regime democrático e no Estado de Direito nada é mais grave do que o titular de um órgão de soberania violar a separação de poderes. Ordens atrás de ordens ilegítimas e ilegais estão a demolir o Poder Judicial que é a trave mestra da democracia. O maior escândalo que estamos a viver é fazer dos Tribunais, repartições do Palácio da Cidade Alta e dos magistrados judiciais criados às ordens do titular de um órgão de soberania que impõe a sua vontade ditatorial aos outros órgãos de soberania. 

Além do peculato de que foi acusado e condenado apesar de ter provado ser inocente quando a PGR que o acusou não provou nada, o Dr. São Vicente foi também acusado de fraude fiscal e de branqueamento de capitais. Também aqui a PGR só acusou e não provou nada. Porque a acusação foi ditada por “ordens superiores”. Pelo dono. Pelo patrão.

Desculpem a linguagem mais técnica mas tem que ser. A legislação que prevê e pune a fraude fiscal é a Lei nº 3-14 de 10 de Fevereiro. E aqui começa a batota. A lei não pode ser aplicada ao período anterior a 10 de Fevereiro de 2014. Ora a AAA Seguros deixou de operar como líder do Co-Seguro das actividades petrolíferas em Março de 2016. Logo a lei seria aplicável apenas a dois anos (Fevereiro de 2014 a Março de 2016). Mas não foi isso que a PGR fez. A PGR viu fraude fiscal de 2001 a 2022! Por “ordem superior” a lei é retroactiva para a AAA. Depois inventaram números à toa!

A primeira prova da inocência de São Vicente vem da Autoridade Tributária (AGT) que em 1 de Março de 2019 (fez ontem quatro anos) emitiu uma certidão que atesta: “Tem até â presente data, a situação tributária regularizada uma vez que não é devedor de quaisquer contribuições ou imposto ao Estado, prestações tributárias ou acréscimos legais (…)”. A AAA Seguros SA era cumpridora das suas obrigações tributárias.

Segunda prova: A AAA Seguros SA era um grande contribuinte fiscal afecto à Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes e nunca foi notificado de nenhuma infracção nem de fraude fiscal.

As contas anuais da AAA Seguros SA eram auditadas e nunca a auditora (Ernst&Young primeiro e Mazars depois) detectou qualquer indício de fraude fiscal na sua contabilidade ou nas suas declalarações fiscais.

O Dr. São Vicente informou o Tribunal da Comarca de Luanda que, no período de 2001 a 2017, pagou US$ 96.706.560,88 a título de Imposto de Selo de Apólices e de Recibos – Prémios e Comissões, IRT, Segurança Social, Imposto Industrial, Imposto Industrial – Retenções da Lei 7-97, Taxas do ISS, taxas da ARSEG.

A AAA Seguros SA era um dos maiores contribuintes, entre as seguradoras. É importante ter em conta que as companhias petrolíferas tinham um regime fiscal especial definido no respectivo Decreto de Concessão que as isentava do pagamento do Imposto de Selo.

A acusação da PGR não prova nada e não tem uma descrição factual no que concerne aos elementos objectivo e subjectivo do crime de fraude fiscal.

A fraude fiscal está bem definida por lei. A PGR não apresenta nenhum facto que prove este crime. Desprovida de qualquer concretização factual ou jurídica, a acusação só traz abstracções e generalidades.

Nem a PGR nem o Tribunal apuraram o montante que deveria ser tributado, qual a sua proveniência (de que imposto provém o respectivo montante) e qual o montante referente a cada ano. Para cada ano deviam apresentar uma declaração a especificar a fraude fiscal. Sem isso, a acusação não está provada e é nula.

O Dr. São Vicente não cometeu nenhuma fraude fiscal e só por “ordens superiores” foi acusado e condenado por um crime que nunca ocorreu!

Quanto ao crime de branqueamento de capitais este pressupõe a prévia concretização de um determinado facto ilícito típico definido pela lei. É preciso mostrar de onde são provenientes os proventos que o agente branqueador pretende dissimular.

No caso do Dr. São Vicente não existe o chamado “crime principal precedente”. Não há crime antecedente porque o Dr. São Vicente não cometeu peculato nem fraude fiscal. Não existe dinheiro sujo vindo de actividades ilícitas que tivesse de ser lavado para se tornar dinheiro limpo. A Autoridade Tributária nunca levantou suspeitas ou apontou faltas quanto ao cumprimento das obrigações fiscais da AAA.

O Dr. Carlos São Vicente provou em Tribunal que as transferências feitas pela AAA Seguros SA diziam respeito aos Prémios de Resseguro e foram feitas pelos bancos comerciais após o respectivo licenciamento junto do BNA. A ARSEG era informada de cada transacção. Periodicamente recebia o formulário “Movimento de Transacções dos Seguros e Resseguros com o exterior do país” conforme Circular 2-ISS-MF-10.

Na acusação e na pronúncia não é possível referenciar os factos indispensáveis à sustentação da responsabilidade criminal do Dr. São Vicente. Faltam os chamados “crimes antecedentes ou subjacentes”. Não é possível identificar as concretas vantagens ou bens adquiridos pelo Dr. São Vicente em resultado de um crime subjacente e tipicamente relevante e, como tais, convertidos em objecto de “lavagem ou branqueamento”. 

Quem dá as “ordens superiores” não sabe mas os obedientes do Poder Judicial têm o dever de saber porque são magistrados, esta norma: Quem acusa tem de apresentar provas que sustentem a acusação. É um gravíssimo atentado ao Estado de Direito inverter o ónus da prova. Ninguém consegue defender-se de invenções, fantasias e aldrabices.

O tribunal não especifica quais foram as vantagens obtidas de origem ilícita pelo Dr. São Vicente. Qual é o seu montante. Quando, onde e como foram obtidas. Através de que operações. Sem isso não se pode condenar o Dr. São Vicente por crime de branqueamento de capitais.

É urgente fazer justiça e absolver o Dr. São Vicente.

Soltem o Dr. São Vicente porque só nas ditaduras sanguinárias se prende um inocente.

Absolvam o Dr. São Vicente porque não se condena um inocente.

Deitem para o lixo as “ordens superiores” que só fazem injustiça! O Poder Judicial faz falta ao regime democrático e ao Estado de Direito. 

*Jornalista

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