quarta-feira, 8 de março de 2023

Portugal | O regresso de Pedro Passos Coelho: D. Sebastião ou 'kryptonite' do PSD?

Foi no Pontal, em agosto, que o ex-primeiro ministro interrompeu um período de afastamento da política nacional. Desde então, tem aparecido cada vez mais publicamente. O que significa isto? Os politólogos ouvidos pelo DN convergem: ainda há espaço político para Passos... resta saber em que funções.

Rui Miguel Godinho | Diário de Notícias | opinião

alçadão de Quarteira, 14 de agosto de 2022, Festa do Pontal. Luís Montenegro, recém-eleito líder do PSD (a 3 de julho), estreia-se na rentrée social-democrata como presidente do partido. A ocasião é especial e ganha outra importância por uma presença rara num passado recente: Pedro Passos Coelho, ex-primeiro ministro (de 2011 a 2015) e ex-líder do PSD, está no Pontal. Primeiro, aparece ao lado de Hugo Soares, secretário-geral do PSD; depois, ao lado de Luís Montenegro. É a primeira vez que o ex-governante aparece num evento partidário desde que deixou a liderança social-democrata e, por consequência, a atividade política, em fevereiro de 2018. Na altura, define a sua visita ao Pontal, numa conversa com uma militante, como sendo de "caráter excecional" por continuar "retirado da ação política".

Assumindo que estava no Pontal para "dar um abraço" a Montenegro [foi líder parlamentar do PSD no governo de Passos Coelho e durante a maior parte da "geringonça"], Pedro Passos Coelho reaparecia assim publicamente depois de um período em que se manteve afastado dos holofotes mediáticos. Nessa ocasião, Montenegro agradeceu a presença e elogiou o companheiro e amigo Passos: "Foste um grande primeiro-ministro e foi um orgulho em ter estado ao teu lado naquele período de recuperação em que mandámos a troika porta fora."

Certo é que depois da visita ao Pontal, o ex-primeiro ministro já esteve várias vezes em eventos públicos - alguns ao lado de Luís Montenegro e, até, do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como nas comemorações do centenário da escritora Agustina Bessa-Luís (que aconteceram a 15 de outubro, no Porto).

"Este reaparecimento acontece porque há agora um espaço político para Pedro Passos Coelho", analisa a politóloga Paula do Espírito Santo, investigadora e docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), ouvida pelo DN. "A retirada, se quisermos, foi estratégica e em tempo certo. Há outros exemplos, como o caso de Paulo Portas [ex-líder do CDS-PP]. O tempo de pousio já se fez", considera a académica. Já José Adelino Maltez, outro politólogo e também professor universitário, diz que este regresso é "um daqueles não-factos da vida política".

Segundo o docente, "o Presidente [da República] pegou na parte do discurso em que Passos Coelho disse que tinha um horizonte político. Claro, pode querer ser deputado, presidente de junta ou vereador, não se sabe o que o futuro lhe reserva".

O motivo da afirmação é simples: na passada segunda-feira (dia 27), Pedro Passos Coelho esteve num jantar, no Grémio Literário, em Lisboa, que assinalava o décimo aniversário do Senado, uma academia de formação política conservadora. No discurso, o ex-primeiro-ministro falou no seu "horizonte político", algo que, Marcelo Rebelo de Sousa, também presente na cerimónia, destacou, dizendo que valia a pena "fixar este dia", em que Passos Coelho definia a sua "vida política e pessoal, falando de futuro". Passado dois dias, na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), o Presidente da República clarificou a sua afirmação: "Limitei-me a assistir a uma sessão na qual o antigo primeiro-ministro e antigo líder do PSD falou no seu futuro político. [Se for para regressar] é o próprio que decide a oportunidade, se, quando e como".

Que leitura faz, então, o atual líder do PSD? Tal como já acontecera noutras ocasiões, Luís Montenegro considerou, também na BTL, que Passos é "um ativo extraordinário, que o país não deve desaproveitar seja em que circunstância for". Caso decida voltar, diz Montenegro, "será sempre motivo de satisfação do PSD" e da sua pessoal. "De facto, Pedro Passos Coelho é alguém que pode ocupar lugares de relevo, até pelo seu passado primeiro enquanto primeiro-ministro e, depois, como líder da oposição após as legislativas de 2015, mas a estratégia de afirmação, se for o caso, será natural, a seu tempo, nada forçada", afirma Paula do Espírito Santo.

Questionado pelo DN sobre esta "segunda vida" de Pedro Passos Coelho e qual o seu eventual papel no futuro, Miguel Pinto Luz, um dos atuais vice-presidentes do PSD, escusou-se a fazer comentários, dizendo não ter nada a acrescentar.

Também contactado pelo DN, o ex-ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia no governo de Passos Coelho e oponente de Luís Montenegro à liderança do PSD, Jorge Moreira da Silva, se absteve de comentar o regresso de Passos Coelho à vida pública.

Belém à vista?

Depois deste regresso a conta-gotas, houve já quem colocasse em cima da mesa uma eventual candidatura de Pedro Passos Coelho à Presidência da República (as próximas eleições acontecem em 2026).

Que leitura fazem os politólogos ouvidos pelo DN? "Apesar destes anos mais recatados, continua a ser uma pessoa nova, com alguns anos de vida política pela frente. Não acho que faça sentido excluir uma eventual candidatura. Se houver dez pessoas com essa pretensão, Passos Coelho estará no lote, certamente", considera José Adelino Maltez. Mas faz depois uma ressalva: "Agora, é certo que tem de mostrar ao país aquilo a que vem."

Para Paula do Espírito Santo, Passos Coelho "é uma figura que pode ocupar lugares de relevo. É importante lembrar que é alguém relevante: foi primeiro-ministro". No entender da politóloga, este regresso serve "para, no fundo, apurar um bocadinho se há ou não recetividade e espaço para si próprio".

"Este regresso acaba por derivar atenções"

Com Passos Coelho a voltar a estar cada vez mais presente na vida pública, que papel pode o ex-primeiro-ministro ter na vida partidária? Será como D. Sebastião, salvador, ou como a kryptonite, o mineral fictício que enfraquece o Super-Homem?

Na opinião de Paula do Espírito Santo, "a estratégia é positiva". Afinal, diz, Passos Coelho foi "alguém que uniu o partido, ganhou eleições e trouxe o poder ao PSD numa altura difícil na vida do país". Apesar disso, considera, "este regresso acaba por derivar atenções, mas não deverá prejudicar nem a liderança nem a vida interna do próprio partido". José Adelino Maltez concorda: "Não acho que seja uma fragilidade para a liderança, porque é que havia de ser uma fragilidade?".

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