quarta-feira, 5 de abril de 2023

Angola | O PREÇO DA PAZ E RECONCILIAÇÃO -- Artur Queiroz

Crónica das guerras contra a Independência Nacional 

Pretória e seus aliados foram de fracasso em fracasso até à derrota final no Tumpo

Artur Queiroz*, Luanda

O Povo Angolano pagou um preço elevadíssimo pelo 4 de Abril. Começou a pagar com vidas e sangue no dia 4 de Fevereiro de 1961 e só descansou no dia 22 de Fevereiro de 2022. Em todos esses anos, milhares de angolanos deram a vida pela paz e a reconciliação nacional. Bateram-se até à morte na guerra contra os invasores estrangeiros. O preço foi muito elevado, mas para os combatentes, a Independência Nacional, a liberdade e a dignidade estão acima de tudo. 

Assinar a declaração do fim da guerra no Luena foi muito mais do que esse gesto simples. O abraço entre os generais Armando da Cruz Neto e Abreu Muengo Kamurteiro, na Assembleia Nacional encerrou o período dos anos de chumbo. Para trás ficaram grandes operações militares de agressão a Angola. O seu fracasso foi a vitória de todos os angolanos. 

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Após a Independência Nacional, tudo começou com a “Operação Protéa”, no dia 23 de Agosto 1981, com um ataque da aviação sul-africsna contra vários objectivos económicos e sociais nas proximidades de Xangongo e Ondjiva. As forças da SWAPO e os seus postos de comando na província do Cunene, também foram bombardeadas. Centenas de angolanos, militares e civis, morreram durante estes ataques de surpresa. A comunidade internacional nem sequer quis saber do número de mortos. Seres humanos só existem na Ucrânia!

A invasão estrangeira foi feita às claras e com meios abundantes. Era impossível esconder a agressão. Pretória atacou o Sul de Angola com 11.000 homens, 36 tanques “Centurion M41”, 70 blindados “AML90”, 200 veículos de transporte de tropas tipo Rattel, Buffel e Sarracen. Um número indeterminado de canhões G-5 e de 155 milímetros. Mísseis terra-ar Kentron de 127 milímetros, 90 aviões de guerra e helicópteros. 

A comunidade internacional, sobretudo as grandes potências mundiais, não viram este movimento maciço de tropas. Estes foram os meios dos crimes contra Angola. Os mandantes são conhecidos por todos: Estados Unidos da América, França, Reino Unido, Alemanha e outros países da União Europeia. Os cúmplices, hoje vivem em paz entre os angolanos e escondem-se sob a capa da associação de malfeitores UNITA.

A “Operação Protéa” bateu estrondosamente na parede da Cahama e de lá as forças agressoras estrangeiras nunca passaram. Inseguros quanto aos resultados finais, tiveram o cuidado de destruir a ponte sobre o rio Cunene, em Xangongo (antiga vila Roçadas) para que as forças angolanas não tivessem capacidade para perseguir os invasores. Do rio para Norte, só actuava a aviação inimiga, até ao dia em que os “karkamanos” perderam o domínio do ar.

A invasão estrangeira começou com um bombardeamento aéreo sobre a Cahama e Chibemba. Os racistas de Pretória atacaram com seis aviões “Mirage” e dois “Buccanneer”. No dia seguinte aos bombardeamentos aéreos, dia 24 de Agosto de 1981, três colunas de infantaria motorizada atacaram e ocuparam Namacunde, Xangongo e Humbe. Mas Ondjiva resistiu aos invasores.

No dia 27 de Agosto de 1981, às 7h00 da manhã, os invasores tentam ocupar a capital da província do Cunene, depois dos bombardeamentos aéreos que destruíram objectivos económicos e alvos civis, como o edifício do Governo Provincial. Foram repelidos. Mais duas investidas e de novo o inimigo teve que recuar. 

No dia 28 de Agosto de 1981 os combatentes angolanos, totalmente isolados e debilitados, foram obrigados a abandonar Ondjiva. Centenas de combatentes da liberdade morreram. Os invasores a partir desse momento ocuparam 40 quilómetros quadrados de Angola a partir da fronteira Sul.

No início de Setembro de 1981, os invasores retiram para a margem Sul do rio Cunene os blindados e a artilharia pesada. Não conseguiram passar da Cahama e à cautela destruíram a ponte sobre o rio Cunene, na época a maior de Angola.

Operação Daisy

Para reforçar a agressão através da “Operação Protéa” Pretória lançou no dia 1 de Novembro de 1981 a “Operação Daisy”. Os invasores continuavam a atacar as posições das FAPLA na Cahama. Ao mesmo tempo lançaram uma força numerosa de infantaria motorizada contra as instalações da SWAPO dentro de Angola. O objectivo era decapitar o comando militar do movimento que lutava pela independência da Namíbia, ocupada ilegalmente pela África do Sul racista. 

A “Operação Daisy” terminou no dia 20 de Novembro com a destruição de todos os meios da SWAPO em Bambi e Chetequera.  A SWAPO, sempre com o apoio de Angola e do seu Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, reagiu e foi abrir outra frente em Kaokoland. 

Os racistas de Pretória responderam com uma nova investida, em Janeiro de 1982, a “Operação Super”. Chamar a uma agressão estrangeira com esta envergadura uma “guerra civil” é desvirtuar a realidade e branquear o regime de apartheid. 

Em Angola nunca houve uma guerra civil. Desde a guerra colonial que angolanos foram forçados a integrar as tropas de ocupação através do serviço militar obrigatório. No ano em que faziam 20 anos eram integrados nas fileiras. Obrigados. Mas Jonas Savimbi e a UNITA decidiram, voluntariamente, combater do lado errado da História. Renegaram a Pátria. Combateram se armas na mão contra a Independência Nacional. Mas isso não muda a natureza da guerra, apenas define a dimensão moral dos que integravam essa associação de malfeitores. 

Operação Meebos 

A “Operação Meebos” foi lançada em Julho e Agosto de 1982, um ano depois da “Operação Protéa”. Os invasores fizeram inúmeros ataques aéreos contra as unidades das FAPLA estacionadas na Mupa, onde também se encontrava desdobrado o quartel-general da SWAPO, denominado “Frente Leste”. 

Angolanos e namibianos tombaram durante estes ataques. Equipamentos sociais foram destruídos. Os racistas de Pretória não conseguiam aniquilar as FAPLA e as forças armadas de libertação da Namíbia (PLAN). Em Fevereiro de 1983, Pretória lançou a “Operação Fénix”, reagindo a uma ofensiva das forças armadas da SWAPO. Esta acção militar terminou no dia 13 de Abril, quase um mês depois, com um resultado inesperado para Pretória: As forças armadas da África do Sul perderam 27 militares koiros e de olhos azuis. Os racistas começavam a provar o sabor amargo da derrota. Pensavam que iam “caçar negros” em Angola e começaram a ser caçados.

Os sul-africanos reforçaram as acções e em 6 de Dezembro de 1983 lançaram a “Operação Askari” para destruir as infra-estruturas logísticas das forças armadas de libertação da Namíbia (PLAN). Os ataques foram aéreos e terrestres. Depois desta acção, Pretória entrou na via dos assassinatos selectivos. Em 29 de Junho de 1985 os racistas lançaram a “Operação Boswilger”, que durou apenas 48 horas e consistiu no assassinato de combatentes e quadros políticos da SWAPO em solo angolano.

Salvamento do Biombo

Entre 19 de Setembro e o início de Outubro de 1985, a África do Sul avançou com uma intervenção militar de grande envergadura, agora no Cuando Cubango. As FAPLA tinham desencadeado a “Operação II Congresso” para aniquilar o “biombo” dos racistas de Pretória, as forças da UNITA. Quando as tropas aliadas aos racistas estavam praticamente aniquiladas, as forças de defesa e segurança de Pretória vieram em sua defesa e atacaram as FAPLA no Lomba. Os racistas ainda precisavam de se esconder por trás de uma pretensa “guerra civil” em Angola.

Entre 14 de Agosto e 25 de Novembro de 1987, a África do Sul lançou a “Operação Moduler” que visou travar a ofensiva das FAPLA na via entre Cuito Cuanavale e Mavinga, vila ocupada pelos racistas e onde o Presidente PW Botha esteve, levado pela mão de Savimbi. Pela primeira vez nos tempos modernos um Chefe de Estado entrou dentro de um país soberano pela força das armas. O Guterres daquele tempo não disseram nada.

O Triângulo do Tumpo

As FAPLA tiveram de recuar e adoptar posições defensivas. Pretória lançou então a “Operação Hooper” para capturar o Cuito Cuanavale e avançar sobre Menongue. Tropas aliadas, da UNITA, já estavam na zona do Bié. O objectivo final era criar um “país” para Savimbi a Sul do rio Cuanza. 

O teatro desta operação foi o Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. Os racistas de Pretória foram derrotados. E com a derrota, foram forçados a capitular em Nova Iorque, aceitando a independência da Namíbia. Mas a África do Sul, apesar da mudança de regime, não largou mão do seu “biombo” e guardou os “melhores combatentes e o melhor material” em bases secretas no Cuando Cubango, que atacaram assim que a UNITA perdeu as eleições em Setembro de 1992.

A “Operação Hooper” desenrolou-se nas elevações de Chambinga (via de Mavinga) e no Triângulo do Tumpo. Face à humilhante derrota que lhes foi infringida pelas FAPLA, as forças sul-africanas retiraram. Deixaram no terreno muito material de guerra e tiveram pesadas baixas. 

Os generais de Pretória decidiram então o tudo ou nada e lançaram a “Operação Packer” (26 de Fevereiro a 23 de Março de 1988). Desta vez um dos contendores ia ser “empacotado”. Foram os invasores que empacotaram as imbambas e retiraram com o apoio da “Operação Displace”, que decorreu de 30 de Abril a 29 de Agosto de 1988. 

Os últimos soldados sul-africanos retiraram-se, após terem sido derrotados no Tumpo. Esta operação visou apoiar o grupo de engenheiros (sapadores sul-africanos) empenhado na implantação de minas, em todas as travessias sobre os rios Cuito e Cuanavale, numa extensão de mais de 14 quilómetros, para evitar a exploração do êxito pelas FAPLA. 

Os “generais” que querem saber por que razão não houve perseguição aos invasores, a resposta está dada. Nenhum chefe militar atira com os seus homens para campos de minas. E ninguém se preocupa com os biombos, antes de arrumar a casa para saber se ainda faz falta algum biombo. Na Frente do Cunene foi outra conversa. Os karkamanos só pararam debaixo da cama em Pretória. Se quiserem saber todos os pormenores leiam o livro ZUMBI O GENERAL DE TODAS AS FRENTES. 

Operações Especiais 

Os sul-africanos também fizeram operações militares em Angola contra objectivos económicos e estratégicos. No dia 12 de Agosto de 1980 os racistas tentaram destruir as fontes de recursos que sustentavam a guerra, realizando um ataque contra as instalações petrolíferas no Porto do Lobito. Foi a “Operação Amazone”. No dia 30 de Novembro de 1981 lançaram a “Operação Kerslig” para destruir as instalações petrolíferas no Porto do Luanda.

Em Maio de 1985 Pretória desencadeou a “Operação Argon” contra a base petrolífera do Malongo, em Cabinda. Nos dias 25 e 26 de Agosto de 1987 foi desencadeada a “Operação Coolidge” para a destruição da ponte sobre o rio Cuito Cuanavale. 

Nas guerras pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial os Comandantes foram os Presidentes da República Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.

O senhor general Furtado, ministro de Estado, disse ontem à TPA que as e os condecorados de hoje “tiveram a sorte de ser selecionados”. Percebi a lógica da elaboração das listas. Foi uma espécie de roleta. Quem teve sorte ganhou e quem teve azar ganhou mais ainda, porque o seu nome não foi incluído ao lado de Chivukuvuku, Samakuva, Nito Alves ou Bakalof. Felizes os azarados.

*Jornalista

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