sábado, 17 de junho de 2023

Angola | ACABOU O RECREIO VAMOS TRABALHAR -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Na escola número 78 do Negage, a meio da manhã, tínhamos um intervalo. Quem levava sandula comia quem não tinha, dava umas dentadas no lanche dos outros. Depois jogávamos um trumunu rijo de futebol, com bola feita de trapos e sumaúma. No melhor da festa, a senhora professora batia as palmas e berrava: Meninos acabou o recreio. Todos para a sala. Só chamava os meninos porque as meninas, recatadas, ficavam na sala de aula ou sentadas na escada de acesso. Eram uma minoria.

Hoje vou fazer a figura da professora Maria Cândida. Atenção, muita atenção ajudantes do Titular do Poder Executivo acabou o recreio. Chegou a hora de governar antes que seja pior para todos nós. Chega de recreio. Com o devido respeito informo que o MPLA ganhou as eleições com maioria absoluta. Os votos que lhe foram confiados são para governar e não para engordar acomodados, sejam lobos ou passarinhos, masculinos, femininos, neutros ou não praticantes. 

O recreio acabou. É hora de fazer uma revisão da Constituição da República que altere a natureza do regime. Outra vez! Eu fui um entusiasta do actual texto constitucional porque a mudança de regime garantiu estabilidade política à prova de bala. Condição essencial para a estabilidade social e o desenvolvimento económico. Tudo certo. E funcionou bem. Acabou o recreio. Vamos pensar.

José Eduardo dos Santos tinha mão-de-obra política de altíssima qualidade. Mas também com experiência única. Ninguém no mundo tinha a capacidade dos governantes que trabalhavam com o Presidente da República. Ninguém. Alguns estavam com ele desde 1979. Outros entraram no seu governo depois do Acordo de Bicesse. Aliaram a sua formação e inteligência à experiência única que foi enfrentar os anos da rebelião armada da UNITA. O empresariado da época era verdadeiramente à prova de guerra. A Constituição da República de 2010 foi mesmo ouro sobre azul.

Ninguém esperava que em 2017 esse capital humano valiosíssimo, único no mundo, fosse desprezado, abandalhado, humilhado, perseguido. O próprio Presidente José Eduardo dos Santos foi vítima do novo modelo de governação. Quem construiu a Constituição da República de 2010 jogou com um dado fundamental: O MPLA seria sempre um fornecedor de quadros altamente qualificados para a governação, mesmo que outros partidos chegassem ao poder por via do voto.

O qual não. Vou apenas recordar o último acontecimento político. O Doutor Manuel Nunes Júnior foi saneado. Abandalhado. Atirado ao lixo. Quem fez isto é líder do MPLA. A vítima é membro do secretariado do Bureau Político do partido. Alguém se esqueceu de dizer ao Presidente João Lourenço que política é a arte de fazer amigos e aliados. Fazer inimigos entre os amigos e os camaradas de partido é suicídio de kamikaze. Não sei como vai reagir o saneado e abandalhado. Mas desejo ardentemente que seja o político que admiro e ponha os interesses de Angola e do MPLA acima dos seus problemas pessoais.

O Titular do Poder Executivo é perito em arranjar inimigos e afastar aliados. Precisa urgentemente de ministras e ministros. De um Primeiro-Ministro. Precisa de entregar parte do poder a quem for capaz de pôr fim ao recreio e começar a trabalhar. É urgente. Uma emergência. Para bem do próprio João Lourenço, de Angola e do Povo Angolano.

Os motins no Huambo, Lubango e outros locais de Angola mas não noticiados são o grito da senhora professora aos meninos: Acabou o recreio. Toca a trabalhar. É hora de começar a governar. Angola não é verdadeiramente governada desde que a Constituição da República entrou em vigor. O Governo desapareceu e nasceu o Titular do Poder Executivo. Em 2010 os auxiliares de José Eduardo dos Santos eram os governantes mais experientes do mundo, sobretudo em economia de guerra, em situação de catástrofe social e humanitária. Hoje não é assim.

Os auxiliares do Titular do Poder Executivo não têm poder de decisão. Mostram mais medo do chefe do que eu das reguadas da senhora professora. Remeteram-se à ingrata posição de acéfalos para não levantarem ondas. O estilo do Titular do Poder Executivo é quero, posso e mando. Por isso os seus colaboradores próximos queixam-se de que não houve ninguém. Decide por impulsos como o Agualusa escreve alinhando as palavras por sons e por alturas. E é muito, muito, muito teimoso. Menos mal. A teimosia às vezes é uma virtude.

Sem querer meter a catana em lavra alheia permitam-me que aponte alguns números. O investimento estrangeiro não petrolífero no primeiro trimestre deste ano foi de 22,6 milhões de dólares. Em igual período do ano passado foi de 197,6 milhões. Mas está em queda livre desde 2019. Um dólar vale 621 kwanzas e um euro 660 kwanzas. No paralelo valem 700 e 750. 

O Programa Kwenda transformou as famílias em miseráveis. Ninguém é capaz de viver com 11.000 kwanzas por mês. Governar não é esta caridade insultuosa. Este insulto à dignidade das angolanas e dos angolanos. Desculpem-me a franqueza.

O ambiente de negócios é pior que péssimo. Por isso repele, como repelente de insectos, o investimento estrangeiro e o investimento doméstico. Mas há pior. A Justiça põe todo o mundo a fugir para o mais longe possível de Angola. Fogem todos: Investidores, empresários e os consumidores que conseguem fugir. Acabou o recreio, meninas e meninos. É hora de começar a governar. Mas como? 

Primeiro. Obter o acordo de todos os partidos com representação parlamentar para uma Revisão Constitucional que reponha o Governo enquanto órgão de soberania (Poder Executivo). Precisamos de um Primeiro-Ministro à prova de guerra e de catástrofes humanitárias. Precisamos de ministras e ministros que saibam fazer algo mais do que dizer sim ao chefe e quando falam em público só sabem elogiar o chefe. Endeusam o Titular do Poder Executivo. Acabou. O Presidente da República não pode concentrar todos os poderes e mais uns quantos que chegam de Carrinho. 

O chefe manda no Poder Judicial e comanda o Poder Legislativo. O Executivo que se lixe. Está bom assim. Isso de resolver em primeiro lugar os problemas do povo era mania de Agostinho Neto. 

A legislatura de 2022 a 2027 precisa urgentemente de um Programa Económico e Social. Ontem era tarde. Hoje vem atrasado. Tem que ser agora mesmo. Acabou o recreio. É hora de governar. Peço perdão por ousar apontar quem devem ser os criadores do Programa Económico e Social. Mas como acabou o recreio, é hora de chamar todos, mesmo os que estão reformados. O programa de salvação nacional tem de ser desenhado pelos seguintes quadros angolanos, valiosíssimos. Dos melhores do mundo:

Lago de Carvalho, Carlos São Vicente, Mário Nelson, José Cerqueira, Alves da Rocha, José Pedro de Morais, Salomão Xirimbimbi. Por fim, indico o meu amigo Mário Pizarro. Deixa-te de mimos e vai trabalhar. Acabou o recreio. Estes, eu conheço. Sei o que valem. São do melhor que existe no mundo. 

Um dia falei 15 minutos com José Cerqueira e percebi que estava ante um sábio. Mais tarde entrevistei o ministro das Finanças de então, José Pedro de Morais. Percebi que no mundo há poucos com a sua sabedoria e experiência. Um génio. Entrevistei Salomão Xirimbimbi por indicação de João Lourenço. Percebi que tínhamos homem para lançar Angola na economia de mercado. E de repente desapareceu. Acabou o recreio. Vamos trabalhar.

Camarada Presidente João Lourenço. Angola tem muitas e muitos quadros valiosos. É só dizer-lhes que acabou o recreio. O engenheiro Fernando Pacheco tem de entrar no desenho do programa. Ninguém sabe tanto do Mundo Rural como ele. A minha amiga Cesaltina Abreu tem de ser chamada. Trabalhou no gabinete do Primeiro-ministro França Van-Dúnem. Sabe muitíssimo. Não percam tempo, por favor. Temos de começar a resolver os problemas do povo em primeiro, segundo, terceiro, centésimo até ao milésimo lugar. Só depois entram os acomodados e os fantoches.

O Presidente João Lourenço vai aceitar esta parte com muito gosto. É preciso fazer de Angola, urgentemente, uma economia agroindustrial porque a agricultura é mesmo a base e a indústria o factor dinamizador. Se me derem ouvidos garanto que Angola fica muitíssimo melhor em pouco tempo. Eu ofereço-me para repórter de serviço. Mas tem que ser sob a coordenação de Aldemiro Vaz da Conceição e Rui Falcão. Só trabalho com os melhores.

Para acabar: Chamem todos os empresários e todas as empresárias que até 2017 criaram riqueza e postos de trabalho. Perseguir essas e esses angolanos é pura matumbice. Indigno de um partido vanguardista como o MPLA.

*Jornalista 

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