Artur Queiroz*, Luanda
Uma conceituada jurista, doutorada, com larga experiência na magistratura judicial considerou, numa recente entrevista, que a forma como são nomeados os juízes para os Tribunais Superiores, compromete a independência dos nomeados face ao Poder Político. Põe em causa as garantias fundamentais dos cidadãos, pilares do Estado de Direito.
A Magistratura Judicial não é pessoal do Executivo. As e os magistrados não são auxiliares do Titular do Poder Executivo. Isso de nomeações é para motoristas, governadores, administradores, secretárias e outro pessoal da administração pública ou da governação. O Poder Judicial é independente do Poder Político. Independência total e completa igual há que exigimos e pela qual nos batemos na luta pela Libertação Nacional, ao lado de Agostinho Neto.
Um caso paradigmático é o conhecido processo dos “500 milhões”, no qual quatro dos oito venerandos conselheiros do Tribunal Supremo votaram contra a confirmação da condenação dos arguidos, invocando muitos atropelos aos direitos de defesa. Um jurista bem formado que tenha lido as declarações de voto de vencido, não tem grandes dúvidas a respeito dessas grosseiras violações.
A condenação dos arguidos nesse caso é mais do que duvidosa. José Filomeno dos Santos (Zeno) e os restantes arguidos foram vítimas evidentes da falta de imparcialidade dos venerandos conselheiros do Tribunal Supremo. Um absurdo kafkiano no quadro do Estado de Direito.
O caso Augusto Tomás revelou um esquema de extorsão montado para beneficiar judicialmente quem aceitar a candonga de sentenças. Quem não alinhar vai preso ou fica a apodrecer na cadeia. O caso é público mas tenho receios fundados de que seja apenas a ponta do iceberg. Certo (certeza que brota da realidade) é que o respeito pela legalidade cede lugar a outros interesses. Pouco interessa quais. Desde que o processo esteja inquinado por instruções ilegítimas e abusivas, temor ou simples subserviência, a legalidade será sempre espezinhada, ainda que os desvios possam divergir para satisfação de ambições pessoais.
No caso São Vicente, ainda pendente, o arguido é inexplicavelmente mantido preso quando está largamente excedido o prazo de prisão preventiva. E não há magistrado que o ignore. Mas este processo está eivado também de muitos outros vícios. Vou revelar apenas uma pequena amostra. E se na montra é assim, imaginem o que vai no armazém.
Primeiro. O arguido Carlos São Vicente não pôde ser representado pelo advogado por si designado, porque o Tribunal em primeira instância assim o entendeu, sem qualquer base legal. Lei criada na hora e aplicada apenas a uma vítima da prepotência e do abuso.Segundo. A principal base de prova contra o arguido foi um documento anónimo. Isso mesmo: Sem data, sem nome e sem assinatura. E sem que alguém, até hoje, tenha assumido a sua autoria. Para o Tribunal, à falta de melhor, valeu como prova. Justiça do absurdo. Barbárie. Julgamento na valeta (antes fosse na praça pública…). Reabilitação dos abusos da Inquisição. Quero posso e mando à chefe de posto. Castigo de sipaio.
Terceiro. As testemunhas
principais da acusação reproduziram conclusões desse documento anónimo, mas
admitiram que não tinham conhecimento próprio sobre a veracidade do seu
conteúdo. Ainda assim, esse testemunho foi levado
Quarto. As mais importantes testemunhas da defesa não foram ouvidas, porque o Tribunal resolveu prescindir delas contra a vontade da Defesa. Afinal, a data ia adiantada e se o julgamento fosse prolongado por mais alguns dias, seria então obrigatória a libertação do arguido. Mas isso não podia acontecer de forma alguma. A prioridade era obedecer a ordens superiores. Nunca apurar a verdade dos factos e fazer justiça em nome do Povo. Manuel Vicente, PCA da Sonangol à época dos factos e José Eduardo dos Santos, na mesma época Presidente da República não podem falar na audiência. Abaixo a verdade! Morte à Justiça!
Quinto. A acta de uma das sessões da audiência de julgamento não foi assinada por uma Meritíssima Juíza, que teve de se ausentar durante a sessão. A audiência prosseguiu na sua ausência em vez de ter sido suspensa, como determina a Lei. A condenação do arguido teve o voto contra dessa magistrada judicial precisamente pelo facto de não ter estado presente continuamente na audiência de julgamento. Também por motivo de violação de direitos de defesa do arguido. E tem toda a razão. Mas o “atrevimento” de ter votado de acordo com a sua consciência valeu-lhe uma investigação sobre o seu procedimento e é bem possível que pese negativamente na sua futura carreira. Votaste contra? Vais presa ou para kupapata sem cartão de desconto da gasolina!
Esta descrição de graves violações da lei não é exaustiva, mas é suficiente para se ter uma ideia de como o processo decorreu nas várias instâncias, incluindo a decisão confirmatória da condenação proferida pelo Tribunal Supremo. Aliás, todas as decisões ilegais descritas foram branqueadas nos Tribunais Superiores. Na primeira instância foram muito básicos, muito primários. Vamos esconder essa falta de jeito. Fazer Justiça nunca! O chefe quer o empresário Carlos São Vicente na cadeia. É preciso atitar carradas de lixo à memória de Agostinho Neto. Nada melhor que perseguir a sua família. Difamação de Tribunal! Estado Abusivo de Direito.
E agora? Resta a decisão do Tribunal Constitucional, último bastião do Estado de Direito onde, como salienta a ilustre professora que invoco no início deste texto, a maioria dos juízes é nomeada pelo Presidente da República e pela bancada do MPLA. Acreditemos que, apesar disso, julguem de acordo com o Direito e a sua consciência.
Um pedido de desculpa. Não revelo o nome da jurista que citei porque se o fizer ela corre risco de ser perseguida e gravemente prejudicada. O Estado de Direito está nas mãos erradas e as qualidades exigidas aos seus nomeados são agudo espírito de vingança e toneladas de prepotência.
*Jornalista
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