Artur Queiroz*, Luanda
Sabem o que é corrupção pura e dura? O Caminho-de-Ferro de Moçâmedes (CFM) tem 35 das 38 locomotivas avariadas por falta de manutenção. Faltam peças para repará-las. Vai daí o Titular do Poder Executivo pegou no livro das negociatas e autorizou a fazer um contrato de prestação de serviços, fornecimento de peças, manutenção e apoio técnico, monitoramento os equipamentos à distância e formação de pessoal. A coisa ficou barata, apenas dois milhões de dólares mas não sabemos se é por hora, dia, semana, mês ou ano. Isso nem interessa. Concurso público é truque de burros.
A negociata avança ao estilo da “contratação simplificada”. Tudo muito simples. Não há testemunhas nem prisioneiros. Muito menos cárceres privados ou torturas tão ao gosto do General Miala. O ministro dos Transportes, Ricardo Abreu, trata do dinheiro. A General Electric Transportation (GE) recebe e paga comissões a quem se apresentar credenciado.
A administração de uma empresa ferroviária tem 38 locomotivas ao seu dispor. Uma avariou por falta de peças. Tem de agir imediatamente. Avariou outra. Soaram as campainhas de alarme e o presidente do conselho de administração veste o fato-macaco, calça as luvas de protecção e vai ele mesmo reparar as duas máquinas. Avariou a terceira locomotiva e não há peças sobressalentes. Não há mecânicos nem torneiros.
A administração em peso demite-se. Vai embora. Antes de sair convoca os Media e denuncia a situação. Porque se não há peças nem dinheiro para comprá-las a responsabilidade só pode ser do Ministério dos Transportes. Ou das Finanças. Ou do Titular do Poder Executivo. Ou dos próprios administradores. Dos maquinistas não é. Dos agulheiros também não. Dos revisores não consta. Dos operários ferroviários muito menos. Estão inocentes. As 35 locomotivas do CFM só estão avariadas para facilitar o negócio. Porque em Angola quem ganhava dinheiro a produzir e vender, foi preso ou teve que fugir. Agora só temos quem ganha fortunas a comprar e contratar simplificadamente. Gravíssimo.
O CFM tem uma importância vital para as províncias do Cuando Cubango, Huila e Namibe. Não pode ser um instrumento para uns quantos corruptos encaixarem milhões. Pensem nisto: Como pode a empresa cumprir as suas funções se não tem locomotivas? Quantas composições circulam por dia? Apenas as suficientes para manter o conselho de administração e outros “acomodados” em funções e a ganharem muito, por cima e por baixo da mesa.
Sabem o que é corrupção pura e dura? Um agente da Polícia Nacional foi preso em Benguela porque recebeu 100 mil Kwanzas para libertar um detido. Dois agentes da Polícia Nacional foram presos em Luanda porque receberam 100 mil Kwanzas para tratarem do visto de permanência a um estrangeiro. O Serviço de Investigação Criminal (SIC) tem-nos no sítio! Gente corajosa. Manobras de diversão também são corrupção!
O General Miala foi denunciado por ter “desviado” 100 milhões de dólares mas continua a sentar-se à mesa do patrão. E os dois riem muito quando recordam as peripécias dos que foram atacados pelo serviço de recuperação de activos. Kumbu kiavulu!
O major Pedro Lussati e a sua advogada Eugénia Texa enviaram à Assembleia Nacional um documento com 20 páginas onde são denunciados crimes gravíssimos atribuídos ao General Fernando Garcia Miala, dois oficiais dos seus serviços, brigadeiro Delfim Soares e coronel Dino Policarpo, e ao advogado David Mendes. Os Media que noticiaram o acontecimento tentaram falar com os denunciados mas sem resultado. Nem é preciso.
Os jornalistas não são titulares da investigação e acção penal. Não são polícias. Existe uma queixa assinada por uma advogada e um cidadão que se diz vítima de crimes gravíssimos. Foi enviada à Assembleia Nacional. Damos a notícia. Com pormenores. Como mandam as regras. Os crimes denunciados são abuso de poder, sequestro, roubo, extorsão, denúncia caluniosa, prevaricação e obstrução à justiça. Praticados por um ministro de Estado. As e os deputados que abram um inquérito parlamentar se entenderem que o assunto cabe na sua missão de fiscalizar os actos do Executivo. Depois o inquérito é enviado à Procuradoria-Geral da República se os factos denunciados forem confirmadois. Os jornalistas vão noticiando.
O advogado David Mendes também foi denunciado. Segundo o major Pedro Lussati ele apareceu no cárcere privado onde estava sequestrado e era torturado. Informou que tinha sido contratado pela sua irmã para defendê-lo. E aconselhou-o a aceitar o que os seus captores e torturadores queriam: Declarar que o dinheiro exibido em malas pela TPA pertencia aos Generais Kopelipa, Zé Maria, Dino e Pedro Sebastião. Ou a Isabel dos Santos.
O melhor é ler o que está escrito no documento de 20 páginas sobre a intervenção do advogado David Mendes: “Dias depois (de ser raptado), apareceu no cárcere privado o advogado David Mendes, arranjado pelos sequestradores, que, pela sua conduta, revelou ser parte da equipa de algozes. E deu-me um conselho: "É melhor dizeres que este dinheiro não é teu. Pertence ao general Kopelipa, Dino, Zé Maria, ao general Pedro Sebastião ou à Isabel dos Santos. Inventa se puderes, para te escapares desta. É só isso que deves dizer por escrito".
Estes factos foram denunciados pelo major Pedro Lussati em devido tempo. Mas o Ministério Público ignorou-os. Leiam o que escreveu: “Não é da competência dos responsáveis dos órgãos de inteligência e de segurança do Estado promover a acção penal, nem instrumentalizar o Ministério Público para instruir processos judiciais, cujo objectivo é perseguir fins políticos, económico-financeiros e apoderar-se abusivamente de bens alheios".
A Ordem dos Advogados de Angola tem uma palavra a dizer. David Mendes foi falar com um cidadão detido em cárcere privado! Não foi nas instalações do Serviço de Investigação Criminal. Não foi num estabelecimento prisional. E aconselhou-o a aceitar as exigências dos sequestradores. Disse-lhe para incriminar pessoas inocentes. É preciso saber se as mãos livres estão sujas.
A minha convicção é que este documento de Pedro Lussati serve mais para um alerta à opinião pública do que para mobilizar as e os deputados da Assembleia Nacional. Um caso de polícia está fora do âmbito parlamentar. É certo que cabe ao parlamento fiscalizar os actos do Executivo e por isso mesmo de um ministro. Mas também há a separação de poderes. Da PGR não podemos esperar nada. Da Presidência da República ainda menos. Impunidade máxima. Altíssima corrupção
*Jornalista
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