Os países do BRICS entendem que a expansão formal do número de membros iguais pode mudar a dinâmica de toda a organização, e é por isso que está caminhando com muito cuidado e considerando compromissos pragmáticos entre a escolha de soma zero de adesão ou não adesão. Por essa razão, embora a Etiópia provavelmente não se junte como membro formal, quase certamente formalizará um relacionamento via BRICS+.
Andrew Korybko* | Substack | opinião | # Traduzido em português do Brasil
A Etiópia é o segundo país mais populoso da África, costumava ter uma das maiores taxas de crescimento do mundo antes da pandemia e é o berço histórico do pan-africanismo do continente, razão pela qual o anúncio na semana passada de que quer se juntar aos Brics gerou tanta atenção da mídia. Este Estado-civilização e seus parceiros organizacionais previstos, especialmente o núcleo Rússia-Índia-China (RIC) desse grupo, com quem já é muito próximo, se beneficiariam mutuamente trabalhando juntos por meio desse formato.
O desafio é que a adesão formal é difícil para a Etiópia obter no momento, sem que os membros existentes do bloco reconceituassem fundamentalmente o papel de sua organização devido à devastação generalizada causada pelo conflito de dois anos naquele país. Isso significa que a Etiópia não pode contribuir significativamente para acelerar os processos de multipolaridade financeira e pode até se tornar um fardo, assim como a Venezuela, pode ser se também for autorizada a aderir oficialmente durante a próxima cúpula.
O diretor do programa Valdai Club, Timofei Bordachev, moderou as expectativas sobre a possível expansão do Brics em comentários que compartilhou com a TASS na segunda-feira. De acordo com este respeitado especialista, "a questão da possível expansão é bastante atual, uma vez que muitos países em todo o mundo são atraídos pelo BRICS, vendo-o como uma alternativa às instituições ocidentais. Mas os países da organização levam esse assunto muito a sério e não têm pressa ou perseguição por recordes."
Com tantos países se candidatando a se juntar aos Brics, muitos dos quais têm economias igualmente conturbadas, mas tão promissoras quanto as da Etiópia e da Venezuela, também não seria sensato que o bloco rejeitasse seus pedidos sem formalizar uma relação para eles construírem no futuro. Aí reside a importância do modelo BRICS+ idealizado pelo guru geoeconômico russo Yaroslav Lissovolik, que representa um compromisso entre a escolha de soma zero de adesão ou não adesão.
Em resumo, isso prevê que os BRICS usem seus membros existentes como "âncoras" para expandir dentro de suas respectivas regiões por meio de três níveis de cooperação. Em sua forma mais básica, o "Estado-âncora" prioriza a expansão abrangente dos laços econômico-financeiros com um país vizinho, a fim de que eles colham indiretamente os benefícios da adesão do primeiro ao BRICS, enquanto o próximo nível envolve o BRICS como um todo fazendo o mesmo com esse referido país.
O último nível diz respeito ao estabelecimento de relações entre os BRICS e a respectiva organização de integração regional do "Estado-âncora" ou entre os BRICS e outras organizações relacionadas que ainda não se enquadram formalmente no âmbito desse grupo. Nenhuma fórmula foi acordada para decidir os critérios para cada nível do BRICS+, mas não seria uma boa ideia padronizar isso, uma vez que as possibilidades anteriores já são flexíveis o suficiente para dar conta de todos os países interessados em aderir.
Tal como aplicado à Etiópia pela ordem em que cada nível foi descrito, tal poderia assumir a forma de: 1) a África do Sul reforçar de forma abrangente a dimensão económico-financeira da sua parceria existente; 2) BRICS – e especialmente seu núcleo de RICs – fazendo o mesmo; ou 3) BRICS estabelecendo relações com a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), da qual a Etiópia faz parte. A primeira é demasiado estreita dado o potencial da Etiópia, enquanto a terceira é demasiado ampla e prematura, daí porque a segunda é provável.
Afinal, a Etiópia se candidatou para ingressar no Brics e já tem laços estratégicos com seu núcleo do RICS, de modo que se contentar com o fortalecimento abrangente dos laços econômico-financeiros com o membro sul-africano do bloco não satisfaria seus interesses, nem no presente nem no futuro. Além disso, existem profundas diferenças económicas entre os membros da IGAD, bem como entre os membros da UA, razão pela qual a parceria com qualquer um deles neste momento pode ser mais uma questão de espectáculo do que de substância, uma vez que seria difícil uma coordenação significativa.
Formalizar a relação bilateral da Etiópia com os BRICS é, portanto, a opção mais pragmática. Expande o escopo da cooperação para além do foco restrito do primeiro no membro sul-africano desse grupo, mantendo-o suficientemente concentrado na Etiópia, em vez de ampliá-lo prematuramente para os níveis regional ou continental antes que outros países estejam prontos para participar na mesma medida. Além disso, essa opção posiciona a Etiópia como o "Estado-âncora" regional por ajudar a trazer a IGAD para os padrões do BRICS.
Como o maior membro dessa organização regional e o que tem o potencial econômico mais promissor, a Etiópia já está liderando informalmente esse grupo como ele é, portanto, segue-se que o próximo passo natural é que ela lidere a ascensão econômica da IGAD até o ponto em que possa um dia fazer parceria com os BRICS também. A proposta de parceria bilateral dos BRICS com "Estados-âncora" nas organizações regionais mais importantes da África poderia, assim, acelerar a ascensão da UA como um todo, capacitando líderes locais para esse fim.
Como avaliou Bordachev, o Brics não tem pressa em se expandir formalmente nem está interessado em quebrar recordes. Seus países entendem que expandir formalmente o número de membros iguais poderia mudar a dinâmica de toda a organização, e é por isso que está trilhando com muito cuidado e considerando compromissos pragmáticos entre a escolha de soma zero de membro ou não-membro. Por essa razão, embora a Etiópia provavelmente não se junte como membro formal, quase certamente formalizará um relacionamento via BRICS+.
*Analista político americano especializado na transição sistêmica global para a multipolaridade
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