sábado, 1 de julho de 2023

Portugal – UE | COVEIROS DA DEMOCRACIA

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Christine Lagarde e o seu séquito do Banco Central Europeu lá vieram fazer o fórum anual à serra de Sintra, lugar paradisíaco em tempos de calmarias e perturbações. Mas, nem a frescura e os encantos desta linda serra, nem a evidência das baixas condições de vida do povo português - a quem não falta História, nem tempos de provações - abalaram as crenças desta espécie de “seita”. A realidade já várias vezes demonstrou quão injustas e perigosas são as suas receitas, mas Christine clama dos banqueiros que não haja “espíritos vacilantes” e ameaça os cidadãos: os juros elevados serão mantidos, “enquanto for necessário”. Necessário para quem e para quê?

Muitos descontentamentos que alimentam o cavalgar das forças ultraconservadoras e fascistas na Europa emergem dos duros impactos do fundamentalismo monetarista defendido por esta gente. Esse enorme problema político pode vir a provocar um grave recuo nas liberdades, na cidadania e na dignidade do trabalho, estilhaçando a democracia, mas isso não os incomoda. Prosseguem na sua linguagem hermética para o comum dos cidadãos, ignoram os falhanços das suas receitas como forma de manter os dogmas e não mudarem de agulha. Repetem a crença inabalável de que quaisquer outras políticas seriam sempre piores e prosseguem na adoração ao “deus” mercado.

O discurso de Lagarde, na abertura do fórum, ordena bem as suas preocupações. Em primeiro lugar está a proteção do sistema financeiro, deixando-lhe liberdade para todo o oportunismo especulativo. Em segundo, vêm os interesses das grandes companhias empresariais que, mais ou menos produtivas, funcionam como plataformas financeiras. Em terceiro lugar, surge a articulação com as estratégias dos países poderosos. As preocupações com as condições de vida e os direitos dos cidadãos não têm espaço, nem sequer para serem enunciadas.

Não lhes importa a realidade de cada país. As afirmações do presidente da República Portuguesa e do primeiro-ministro dizendo que os portugueses estão em dificuldade perante o impacto que as elevadas taxas de juros têm, nomeadamente nos custos da habitação, tornam-se quase ridículas. Lagarde já tinha dado a resposta antecipada ao defender a vantagem de as famílias optarem por “empréstimos hipotecários de juro fixo”. Como é que isso se pode fazer em Portugal?

Os salários, em Portugal como na generalidade dos países, não são os responsáveis pela espiral inflacionista que temos vivido, e têm perdido muito valor real. Para esta seita, essas provas - que eles próprios reconhecem - não valem nada: os salários são sempre os grandes suspeitos. Assim avançam (num exercício de bruxaria) com a tese de que é preciso precauções porque “os salários crescerão mais 14% até ao final de 2025”, recuperando “o valor real que tinham antes da pandemia”.

Entretanto, para tornarem os seus argumentos mais verosímeis invocam a perda de produtividade em alguns setores e tratam-na como se fosse um dado absoluto. E quase lamentam que não esteja a haver mais desemprego. Tudo isto está plasmado no discurso de Lagarde. Além disso, é execrável a comparação que faz entre a “ganância inflacionista” dos grandes grupos empresariais que aproveitaram a inflação para ampliarem escandalosamente as suas margens de lucro, com a “ganância” dos trabalhadores ao quererem recuperar e melhorar os salários.

Precisamos de políticas sérias e governos que tratem dos problemas das pessoas, não desta sabedoria tão especializada e focada na exploração dos povos e na ampliação das desigualdades.

*Investigador e professor universitário

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