Daniel Oliveira* | TSF | opinião
Daniel Oliveira começa o seu habitual espaço de opinião na TSF com uma pergunta: "Se o século XIX foi o século do poder legislativo e o século XX o do poder executivo, poderá o século XXI vir a ser o século do poder judicial?" Uma dúvida que, esclarece, não é sua. Foi expressa há 15 anos na apresentação do oitavo Congresso da Associação Sindical de Juízes, explicando-se que se estava a assistir a uma transferência de legitimidade dos poderes legislativo e executivo para o judicial e que isso deveria levar a ajustamentos na Constituição.
"É da natureza do poder procurar mais poder e tentar conquistá-lo a quem o tem. A democracia depende do equilíbrio certo entre os poderes. Da mesma forma que os políticos não podem usar o poder legislativo ou executivo para pressionar a justiça, os magistrados não podem usar o seu poder para pressionar o legislativo ou executivo", defende Daniel Oliveira.
Por isso, nenhum político deve temer represálias quando critica os agentes da justiça ou propõe mudanças legislativas a que os políticos se oponham.
"A justiça é feita por homens e mulheres e onde há homens e mulheres há abusos. Se esses homens e mulheres sentirem que o conjunto da sociedade aplaude os seus abusos como sinal de coragem, o abuso passa a ser a norma. Estes homens e mulheres comungam em proporções semelhantes ao resto da sociedade, dos valores e preconceitos que nela vigoram", sublinha o jornalista.
Para Daniel Oliveira, se uma sociedade é racista, a justiça tende a ser racista também. Neste caso em concreto, se a sociedade está desencantada com a democracia ou foi tomada pelo discurso demagógico que trata a maioria dos políticos como corruptos, a justiça tenderá a acreditar no mesmo.
"A única esperança é que cumpra as regras com sentido das proporções, atenuando assim os seus preconceitos. Isto é impossível quando, em vez de se aplicar a justiça onde a defesa está garantida e as provas contam, os agentes da justiça usam a comunicação social para julgar. Mesmo que nada seja provado em tribunal, condenação social está garantida", afirmou.
O jornalista acredita que há setores do poder judicial que aproveitam o clima de desconfiança em relação aos políticos eleitos para, usando os poderes que a lei lhe garante e fazendo uma aliança com uma comunicação social dependente da investigação alheia, acabam por desequilibrar a balança do Estado de direito democrático.
"Já foi largamente debatida a dificuldade em separar o trabalho de um partido e do seu grupo parlamentar, como se fossem entidades distintas. Uma distinção que é indiferente para os dinheiros públicos. Como os grupos parlamentares recebem financiamento conforme o número de deputados eleitos, os partidos conforme os votos conseguidos. Se contratam mais funcionários pagam-lhes menos, se contratam menos pagam-lhes mais. Se o dinheiro vem do partido ou do grupo parlamentar vai dar, para os cofres do Estado, ao mesmo", esclareceu Daniel Oliveira.
Uma lei com zonas cinzentas cujo debate, na opinião de Daniel Oliveira, podia demorar horas.
"Não podemos ignorar que os seus autores, todos eles, sempre tiveram o mesmo entendimento. Na melhor das hipóteses, quem avança com esta investigação baseia-se numa interpretação discutível da lei, o que deveria levar, no processo de investigação, a algumas cautelas no espalhafato. É difícil justificar que uma justiça que se queixa de falta de meios ponha cem agentes da Polícia Judiciária a virar várias sedes do maior partido da oposição de pernas para o ar, com base numa denúncia anónima envolvendo uma questão menor que levanta dúvidas na interpretação que se está a fazer da lei, mas o episódio em casa do Rui Rio ajuda a esclarecer", sublinhou o jornalista.
Daniel Oliveira vê este episódio como "mais um exercício de humilhação pública de um político com pena prévia", aplicada sem direito a defesa ou garantias processuais.
"Montado o espetáculo, Rui Rio teve a arte de virar o feitiço contra o feiticeiro usando o palco para ridicularizar os que o queriam humilhar. A prática do PSD não é generalizada porque o crime é generalizado. É generalizada porque esta leitura da lei tem sido generalizada. Que o alvo exclusivo tenha sido o PSD e, mais especificamente Rui Rio, não pode deixar de levantar dúvidas preocupantes", alertou.
No entanto, o jornalista avisa também que não é comum, numa democracia, assistir-se a buscas às sedes do maior partido da oposição até às 4h00 da manhã, bem como à apreensão de informação confidencial sobre a sua atividade política e material sem qualquer relação com a investigação.
"Se fosse com base em fortes indícios de corrupção, aqui estaria a dizer que os partidos estão sob a mesma lei que todos nós. Sendo perante uma acusação anónima de uma suposta irregularidade de administrativa, comum em todos os partidos desde sempre que, na pior das hipóteses, está numa zona cinzenta da lei, é uma desproporção que tem como alvo político mais crítico quem mandou avançar com esta operação, não pode deixar de ter leituras políticas. Se setores da justiça usam o seu poder para amedrontar quem os critica, fazem o mesmo que faz o Governo polaco quando tenta limitar a independência dos juízes e a reação deve ser a mesma", comparou Daniel Oliveira.
Por fim, Daniel Oliveira afirma que Rui Rio tem razão.
"Se o poder político tem medo de fazer uma reforma da justiça, os seus maus elementos conseguirão desacreditar a democracia, a política e a própria justiça, cimentando a ideia de que todos os políticos são corruptos - não é por acaso que se tenta destruir a imagem de um político com fama de ser sério - e de que a justiça só é incapaz de os travar porque não tem poderes ilimitados. Paradoxalmente, são as correntes políticas que mais ganham com o clima que o exibicionismo justicialista alimenta que, chegadas ao poder, esmagam independência da justiça", acrescentou o jornalista.
*Texto redigido por Cátia Carmo
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