Diplomacia Angolana Forçou EUA às Negociações
Angola Resistiu às Agressões de Pretória e Exigiu ao Mundo o Fim do Apartheid
Artur Queiroz*, Luanda
O mês de Outubro de 1987 foi fundamental para a vitória de Angola na guerra contra o regime racista da África do Sul, apoiado pelo estado terrorista mais perigoso do mundo e as potências do ocidente. Mas também foi crucial na frente diplomática. A diplomacia angolana conseguiu negociações bilaterais com os EUA e surpreendeu Washington com uma exigência: A maior potência mundial tem de colaborar com a comunidade internacional para pôr fim ao regime de apartheid. Pretória perdia posições na frente militar e o regime racista ficou encurralado até capitular com os Acordos de Nova Iorque.
O Presidente José Eduardo dos Santos conseguiu o pleno: A independência da Namíbia, a retirada das tropas invasoras do Sul e Sudeste de Angola e a democratização da África do Sul. Após intensa actividade diplomática, os angolanos ganharam em toda a linha. Nos campos de batalha, as tropas de Pretória iam de derrota em derrota até à Batalha do Cuito Cuanavale, que marcou o fim de um regime, que foi o mais grave crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. No Triângulo do Tumpo, nasceu uma nova ordem democrática mundial. João Lourenço está a destruir esse património.
O historiador sul-africano Helmoed-Roemer Heitman, no seu livro “Guerra em Angola” (fase final) revela pormenores fundamentais para hoje os angolanos compreenderem o que estava em jogo nas batalhas do Cuando Cubango, Huíla e Cunene.
Em 5 de Outubro de 1987, há 36 anos, a artilharia e a aviação da África do Sul bombardearam as posições da 47ª Brigada das FAPLA a Sul do rio Lomba. Depois de longas horas de bombardeamentos, o alto comando angolano deu ordens para que as tropas abandonassem a base logística da UNITA, que tinham ocupado, e fossem para Norte do rio.
O coronel Ferreira, das forças sul-africanas, de perseguido passou a perseguidor e fez tudo para impedir que a 47ª Brigada se juntasse a outas unidades das FAPLA que estavam na região. Não conseguiu. A falta de apoio logístico levou as tropas angolanas à retirada, abandonando material militar acabado de chegar à linha da frente. Mas houve poucas baixas humanas. As tropas angolanas estavam prontas para continuar a combater, nas suas novas posições.
Os sul-africanos acusam a UNITA deste fracasso. O coronel Tarzan (mais tarde foi assassinado por Jonas Savimbi) não fez a sua parte. O tenente-coronel Setti também falhou. E as tropas da 47ª Brigada das FAPLA ainda travaram violentos combates com os sul-africanos na confluência do rio Lomba com o Cuzizi.
Pretória tinha no terreno o 61º
Batalhão Mecanizado equipado com 50 blindados “Ratel”, com canhões de
OPERAÇÃO MODULER
No dia 6 de Outubro o alto comando das tropas invasoras ordenou ataques contra as FAPLA que estavam a Leste do rio Cuito. Começou neste momento a segunda fase da “Operação Moduler”. A primeira fase consistiu em travar a ofensiva sobre Mavinga. Agora o objectivo era provocar o maior número possível de baixas às tropas angolanas.
No dia 7 de Outubro de há 36 anos, as FAPLA retiraram para posições mais favoráveis. A 59ª Brigada, a 47ª e o I Grupo Táctico avançaram para Norte até à nascente do rio Cuzizi. A 21ª Brigada avança rumo ao rio Cunzumbia. A 16ª Brigada tomou a mesma direcção. O II Grupo Táctico, inicialmente tomou a direcção Sudoeste com o objectivo de proteger a retirada das16ª e 21ª Brigadas. Assim foi evitado que as forças sul-africanas se interpusessem.
Pretória apostava tudo na vitória militar. E no dia 9 de Outubro de 1987 o 61º Batalhão Mecanizado da África do Sul juntou-se ao 32º Batalhão para perseguir as 47ª,25ª e 59ª Brigadas das FAPLA. Mas o rápido desdobramento das forças levou os “karkamanos” a abortarem o ataque. Mais uma vitória das tropas angolanas.
No dia 10 de Outubro a 21ª Brigada tomou posições, oito quilómetros a Sul da nascente do rio Cunzumbia. A 16ª Brigada estacionou oito quilómetros a Leste. No dia seguinte, o II Grupo Táctico juntou-se a esta brigada. Estava montado o dispositivo para travar com êxito as tropas invasoras. Estes acontecimentos ocorreram há apenas 36 anos e fazem parte dos alicerces da construção da paz.
MORTE À DISTÂNCIA
No dia 13 de Outubro de 1987 os
invasores bombardearam o Cuito Cuanavale com os canhões G5. Foi a primeira vez
que a artilharia de longo alcance entrou
Os bombardeamentos sul-africanos
eram diários e fizeram inúmeras vítimas civis. A ponte entre o Triângulo do
Tumpo e o Cuito Cuanavale foi destruída. No dia 14 de Outubro de
Os canhões G5 bombardearam a passagem pela nascente do rio Chambinga, fundamental para o apoio logístico às FAPLA. A 59ª Brigada seguiu para a zona da nascente do rio Mianei. Um Batalhão da 66ª Brigada, que defendia heroicamente as pontes do rio Chambinga, avançou para a confluência dos rios Cuito e Mianei. Estas manobras visaram impedir a progressão das tropas invasoras pelo Sul, em direcção ao Cuito Cuanavale
No dia 17 de Outubro de 1987 uma força da África do Sul com tropa da UNITA atacou a 59ª Brigada nas suas novas posições. Foram derrotados. As Brigadas das FAPLA movimentavam-se segundo o plano de operações. As tropas de Pretória faziam tudo para isolar a 59ª Brigada e impedir a passagem das restantes pelas pontes do rio Chambinga até aos pontos mais elevados da zona. Falharam! As tropas das FAPLA tomaram posições defensivas seguras num terreno favorável.
COMBATENTES HERÓICOS
No dia 19 de Outubro de 1987, o ano que mudou o mundo democrático, O II Grupo Táctico atravessou o rio Vimpulo, junto à nascente. A 21ª Brigada avançou para Oeste e a 16ª Brigada marchou em direcção à nascente do rio Chambinga. Nestas movimentações as tropas angolanas travavam combates heróicos contra os invasores.
O II Grupo Táctico entrou em combate com as tropas invasoras que ocuparam as antigas posições da 59ª Brigada. O inimigo recuou! No dia 22 de Outubro um acontecimento importante na guerra: Um Batalhão e a Companhia de Tanques da 21ª Brigada atingiram as posições da 59ª Brigada estacionada a nascente do rio Vimpulo. Um reforço fundamental para o desfecho final: A derrota do apartheid.
No dia 24 de Outubro a 21ª Brigada, estacionada perto do rio Cuzizi partiu na direcção do rio Mianei. A UNITA fez uma flagelação e retirou desordenadamente. Mais uma derrota. No dia 25 de Outubro os canhões G5 voltaram a destruir a pista do Cuito Cuanavale. Os bombardeamentos repetiram-se no dia 27. No dia seguinte, dois Batalhões da 66ª Brigada rumaram para Sul e ocuparam os locais mais altos de Viposto, a Norte do rio Vimpulo. A 16ª Brigada cobria as vias de acesso às pontes estratégicas do rio Chambinga. A Batalha do Cuito Cuanavale é a soma de muitas batalhas heróicas.
FRACASSO DA OPERAÇÃO
A segunda fase da “Operação Moduler” foi um fracasso, afirma Helmoed-Roemer Heitman, no seu livro “Guerra em Angola”. E explica porquê: Os comandantes de Pretória queriam desmantelar e destruir o sistema logístico das FAPLA a Leste do Rio Cuito. Falharam completamente. A ponte do rio Cuito foi reconstruída do dia para a noite pelos homens do coronel engenheiro Jorge (hoje é Brigadeiro das FAA). Os seus “Morcegos” reconstruíam a pista da base aérea durante a noite. As tropas da UNITA não conseguiam travar os movimentos logísticos entre Menongue e o Cuito Cuanavale.
Os sul-africanos pretendiam aniquilar as Brigadas das FAPLA antes de alcançarem a região do rio Chambinga e passarem para a margem Leste do rio Cuito. Falharam totalmente. As unidades militares angolanas demonstraram grande mobilidade, evitando com sucesso todos os cercos. As nossas tropas tinham razão e lutavam pela Pátria. Os invasores, apoiados pelo estado terrorista mais perigoso dom mundo e as grandes potências do ocidente alargado foram derrotados em toda a linha. Estavam lá todos. EUA no comando do apoio político, diplomático e financeiro. França fornecendo os Mirage. Reino Unido os caças e bombardeiros. Alemanha os tanques Oliphant.
Pretória sentiu que no Cuando Cubango estava em jogo o futuro do regime de apartheid. E iniciou uma fuga para a frente, lançando a terceira fase da “Operação Moduler”. Na Escola de Guerra do Exército foram preparadas unidades especiais que iam combater no Sudeste de Angola. Entre outras forças de elite, foi criado o esquadrão dos tanques “Oliphant” do Regimento de Pretória. Muitos ficaram no Triângulo do Tumpo e um deles foi abandonado ainda com o motor a trabalhar. Este material era de fabrico alemão e por decisão da ONU não podia ser fornecido aos racistas de Pretória.
A ordem de operações para esta fase era clara: Aniquilar as Brigadas das FAPLA que estavam a Leste do rio Cuito. A tomada da vila do Cuito Cuanavale. O inimigo foi destroçado e o regime de apartheid ruiu.
FRENTE DIPLOMÁTICA
Chester Crocker, no seu livro “High Noon in Southern Africa” faz revelações fundamentais para se compreender o génio diplomático do Presidente José Eduardo dos Santos e a importância das acções dos seus colaboradores directos nesta época: António dos Santos França (Ndalu), Manuel Pedro Pacavira, Paulo Jorge, Pedro de Castro Van-Dúnem (Loy), Alexandre Rodrigues (Kito), Afonso Van-Dúnem (Mbinda) e Venâncio de Moura. O secretário de Estado fala do “jogo das escondidas” dos angolanos, mas acaba por reconhecer que em Julho de 1987, quando foram reatadas negociações bilaterais, os angolanos marcaram pontos.
Crocker recorda que a visita de Andrew Young e Jesse Jackson a Luanda, a convite do Presidente José Eduardo dos Santos rendeu bons frutos a Angola porque apostou na surpresa. O Chefe de Estado convidou Reagan a visitar Luanda e “ir aos países da Linha da Frente para avaliar correctamente a situação na África Austral”. O chefe do estado terrorista mais perigoso do mundo não aceitou. Sabia que estava a ser chamado para o roteiro da derrota. Apenas 36 anos depois, João Lourenço abriu as portas aos derrotados e sentou-os a seu lado no cadeirão do poder no Palácio da Cidade Alta.
O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, nada deixou ao acaso. E se o convite a Reagan não fosse aceite (como não foi), prontificava-se a ir a Washington explicar a situação. Ao mesmo tempo exigiu o descongelamento das relações bilaterais. A diplomacia norte-americana foi apanhada de surpresa. O diplomata dos EUA reconheceu que no terreno “os combates da UNITA eram infrutíferos”.
Em finais de 1986, Manuel Pedro Pacavira recebe instruções do Presidente da República para ir a Washington restabelecer um canal de diálogo. O então embaixador de Angola em Havana cumpriu a missão e depois de vários contactos, Chester Crocker diz que “silenciosamente ele estabeleceu um canal com o meu adjunto, Chas Freeman”. A Administração Reagan percebeu que da parte do Governo de Angola havia flexibilidade e vontade de negociar. O primeiro ponto das negociações era acabar com o regime racista de Pretória.
A situação em 1987 foi relatada no livro de Chester Crocker como “de caos económico em Angola” devido à queda dos preços do petróleo. Mas militarmente as FAPLA estavam firmes nas frentes de batalha porque nunca faltou o apoio da União Soviética, Cuba, Jugoslávia, Argélia e outros países amigos. Este comentário do antigo Secretário de Estado define bem a realidade no terreno: “Savimbi estava entalado entre a sua dependência da África do Sul e a superioridade convencional das FAPLA”.
Por isso, “José Eduardo dos Santos recusou negociar com Savimbi mas reforçou o Programa de Perdão e Clemência”. Crocker resume assim a situação em Outubro de 1987: “A África do Sul está mais fraca e a região mais forte, ao lado de Angola”.
FIM DO APARTHEID
O regresso de Angola à mesa das negociações com os EUA, em 1987, foi marcado por mais um ataque fortíssimo do Presidente José Eduardo dos Santos: Na agenda foi colocado, em primeiro lugar, o fim do apartheid!
No terreno as FAPLA marchavam sobre Mavinga. Em Lusaka, na cimeira regional, o Presidente José Eduardo dos Santos anunciou que Angola ia propor um Acordo Quadro Global com a África do Sul, Cuba e a SWAPO, sob a égide da ONU. As grandes potências ficavam de fora.
No Triângulo do Tumpo as forças de Pretória foram derrotadas e nas margens pantanosas dos rios da região ficou enterrado o apartheid. Daí ao Acordo de Nova Iorque foi um pequeno passo. O edifício da paz estava concluído. Mas O Presidente José Eduardo dos Santos Paz ainda tinha mais obras para edificar a Pátria Angolana. Por isso ainda lhe sobrou tempo e clemência para assinar o Acordo de Bicesse com os órfãos do apartheid, a UNITA do criminoso de guerra Jonas Savimbi.
Outubro de 1987 foi um dos mais
importantes marcos no caminho para a Paz e a Reconciliação Nacional. Apenas 36
anos depois destas vitórias militares e diplomáticas, João Lourenço entregou o
ouro ao bandido. Sem dar um só tiro, o estado terrorista mais perigoso do mundo
já dita ordens
Por fim, interessa saber quem foram os enviados de Washington a Luanda, Andrew Young e Jesse Jackson. Não eram militares assassinos, como Lloyd Austin que carrega às costas pelo menos um milhão de civis assassinados por ele e as tropas que comandava.
Andrew Young foi um activista dos direitos civis dos negros. Embaixador dos EUA na ONU durante a administração do Presidente Carter. O reverendo Jesse Jackson é também um homem de paz. Foi activista dos direitos civis dos negros, ao lado de Martin Luther King. Ambos foram a Luanda para ajudar no combate ao regime racista de Pretória, não para enredar Angola nas guerras de rapina do estado terrorista mais perigoso do mundo. João Lourenço, ao abraçar Llloyd Austin mostrou que, no mínimo, está equivocado. No máximo cuspiu nos nossos heróis e nos milhares de mortos angolanos nas guerras entre 1961 e pelo menos 1998.
*Jornalista
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