quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O Sustentável Peso das Palavras -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Fui desafiado. Chamaram-me à pedra. Então o que dizes do discurso sobre o Estado da Nação? Fala! Agora critica o presidente! Estás encostado à parede! As palavas nunca me meteram medo. O seu peso é sustentável. E quase sempre agradável. Mas só respondo no fim a tão palpitante desafio.

O jogo das palavras é fascinante. Alguém escreveu no muro da sinagoga do Porto (pertinho da minha casa) “Liberdade para a Palestina”. Esta frase abriu noticiários. Serviu de tema a comentários de politólogos, peritos em relações internacionais. Condenação do terrorismo. Título bombástico: Sinagoga do Porto vandalizada! Na cidade de Gaza as bombas da aviação de Israel reduziram a a maior mesquita a escombros. Nem um adjectivo. Nem um gritinho de entusiasmo. Nada. Silêncio é uma palavra pesadíssima quando os Media têm o dever indeclinável da imparcialidade.

Um menino palestino foi assassinado à facada pelo senhorio da casa onde vivia com a mãe, numa cidade dos EUA. Título: Criança esfaqueada até à morte. O autor está detido e pode ser acusado por crime de ódio. Crianças israelitas foram assassinadas nas suas casas em Israel. Assassinos! Terroristas! Israel tem o direito de se defender. Matem os palestinos até onde for preciso. Esta petição pacífica é assinada pelos governantes de países esclavagistas e colonialistas. São muito sensíveis à morte de inocentes. Quando lhes morria um escravo ficavam transidos pela dor e tristeza. Os povos que ocuparam, roubaram, humilharam e brutalizaram durante séculos estavam mesmo a pedi-las. 

O Hamas é umam organização terrorista dizem os Media do ocidente alargado. Lá vou eu para as palavras de Brecht. Chamam violento ao rio que tudo arrasta na correnteza. Mas ninguém chama violentas às margens que o oprimem. Os sionistas de Telavive numa semana mataram mais de 7.000 pessoas. Feriram mais de 15.000. Um médico palestino avisou: Debaixo dos escombros das casas e dos prédios estão milhares de mortos. Quem faz isto não é terrorista. Apenas usam bombas como câmaras de gás. Matem os palestinos até onde for preciso. Israel tem o direito a defender-se. Tem o dever de exterminar palestinos.

Combatentes do Hamas fugiram da prisão de Gaza e entraram a matar em Israel. Segundo os sionistas também mataram bebés. Terroristas. Num dos hospitais de Gaza estão nas incubadoras 101 bebés recém-nascidos cujos pais morreram nos bombardeamentos. Os sionistas querem que os médicos peguem neles como se fossem embrulhos e os levem para a zona sul da prisão de Gaza. O direito de se defenderem até onde for preciso. Matem os palestinos! Limpeza étnica. Extermínio.

Os Media do ocidente alargado, transformados em amplificadores da propaganda sionista e filiais dos serviços secretos de Israel, dizem que vários governos imploram aos militares israelitas para não entrarem na Faixa de Gaza por terra. Poupem os civis! A hipocrisia destes políticos é muito pior do que terrorismo. Todos sabem que quando cai uma bomba no norte da Faixa de Gaza morrem civis inocentes. Têm essa certeza. Se as bombas caem (como estão a cair) na populosa cidade de Gaza matam centenas de civis. Mas eles não pedem que parem os bombardeamentos!

A tal operação terrestre é uma impossibilidade, por isso, um truque baixo. Os tanques não podem avançar porque está tudo em escombros. Os soldadinhos que mandaram para a zona (300.000) têm de avançar a pé e então sim, temos terrorismo. Os comandantes que os mandarem para a morte são terroristas sem perdão. Depois culpam o Hamas.

A África do Sul viveu durante décadas sob o regime que os sionistas impuseram na Palestina. Chama-se apartheid. Alguém ouviu um só líder do ocidente alargado condenar o racismo e a segregação impostos aos palestinos? Ninguém. Pelo contrário, apoiam. O Povo Heroico e Generoso ouviu a voz de comando do seu líder, Agostinho Neto; Só seremos livres quando forem livres os povos da Namíbia, Zimbabwe e África do Sul. 

Os longos anos da Guerra pela Soberania Nacional e Integridade territorial podem ser resumidos assim: Morte ao apartheid! Os angolanos libertaram os povos irmãos e abriram as portas da prisão a Nelson Mandela. Os Heróis que se bateram em todas as frentes hoje são tratados como inimigos. Abandalhados. Ignorados. Os mimos, as mordomias são para os sicários da UNITA. Os nossos têm sorte por não serem rotulados de terroristas. Menos mal!

Ninguém me venha acusar de antissemitismo. Não sou. Nunca serei. Mas aproveito para esclarecer um ponto importante. No ocidente alargado usam a expressão antissemitismo para qualificar quem é contra os judeus. Mais uma manifestação de superioridade dos esclavagistas e colonialistas. Para eles, só o sargento dos EUA no Médio Oriente, Israel, é habitado por semitas. Os outros são inferiores. Terroristas. Matem-nos até onde for preciso.

Na actualidade os semitas são judeus e árabes, como por exemplo os palestinos. Na antiguidade eram também os fenícios, os babilónicos, os arameus e os assírios. Estes povos, há quase 4.000 anos emigraram da Península Arábica para a Mesopotâmia, onde corria o leite, o mel e a vida era fácil. Nesse paraíso, os sumérios inventaram a roda e daí nasceram os carros que transportavam cargas e pessoas. Uma maravilha! Como posso ser antissemita se luto há décadas pela libertação dos palestinos e pelo fim do apartheid a que estão subjugados?

A TPA está a cometer um crime contra a liberdade. Escondem as imagens dos deputados da UNITA fazendo na Assembleia Nacional, uma cena igual à que os seus militantes fizeram nas ruas de Luanda, quando destruíram as instalações de um Comité do MPLA e incendiaram um autocarro do Ministério da Saúde. Queriam fazer cair o poder na rua. Os eleitores têm que ver como se comportaram aqueles que colocaram no Parlamento. Para nunca mais lhes confiarem o voto. Começaram por fazer uma política de cadeiras vazias. Agora optaram pela arruaça. A manifestação dos deputados da UNITA foi antecedida de várias manobras dos embaixadores dos EUA e de Israel em Luanda. Eles já estavam a marcar o lugar no novo regime.

Então o discurso do Estado da Nação? Muito simples. O Presidente João Lourenço esteve horas a falar e gastou milhares de palavras. É por isso que tenho pena dos políticos. É tão fácil definir o Estado da Nação em três palavrinhas Aí vai: Está tudo fodido!

* Jornalista

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