segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Angola | A Corrupção de Infantário -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As autoridades angolanas pediram às portuguesas que confiscassem a empresa EFACEC porque foi comprada com dinheiro roubado aos cofres do Estado Angolano. O qual não. Falso alarme. A operação deu nas vistas e uma estação de Rádio convidou-me para falar da “corrupção em Angola”. Respondi que sendo jornalista, faço entrevistas, não concedo. Mas perante muita insistência aceitei dizer o que penso sobre a matéria.

A entrevista durou pouco tempo. Quando me perguntaram o que pensava da corrupção em Angola, respondi: Angola aderiu à economia de mercado, expressão simpática parra dizer capitalismo. A essência do sistema é a corrupção, a exploração de quem trabalha e o roubo que pode ir até às formas violentas de latrocínio. 

O sistema em Angola é muito jovem, tem menos de 30 anos. Neófitos da corrupção. A corrupção no país é uma brincadeira de infantário. Corrupção a sério é nos EUA onde os corruptos são mais eficazes do que os vermes dos cadáveres. Levam tudo até ao osso vorazmente. Em segundo lugar está o cartel da União Europeia. País que falhe uma décima no défice é condenado à fome e à miséria. Mas os burocratas de Bruxelas movimentam milhares de milhões entre as clientelas, sem o menor sobressalto. Corrupção pura e dura. Os japoneses praticam a corrupção com mais facilidade do que comem arroz com dois pauzinhos. Chega?

O entrevistador ficou sem ar e com a voz sumida perguntou: Então e o Presidente José Eduardo dos Santos e a sua filha Isabel? Apeteceu-me disparatar mas contei até 10, enchi o peito várias vezes e quando acalmei respondi:

O Presidente José Eduardo dos Santos propôs aos seus camaradas da direcção do MPLA liquidar a democracia popular e o socialismo. Fazer cair o Partido do Trabalho. Eliminar o “Popular” da República. Aprovado por unanimidade porque Lúcio Lara já não alinhava nesses números. 

O capitalismo entrou em Angola à força toda. Mas por uma questão de soberania, foi criada a vapor uma burguesia nacional com nervo financeiro e detentora dos meios de produção. Isto aconteceu sem o menor sob ressalto. Com o apoio unânime dos partidos políticos antigos (MPLA, FNLA e UNITA) e os que surgiram depois do Acordo de Bicesse. Nem um se apresentou a eleições defendendo o socialismo! Pelo contrário, todos davam vivas ao capitalismo.

Quanto à empresária Isabel dos Santos sei que ela transformou papéis em grandes empresas. Criou riqueza e milhares de postos de trabalho. Se a minha fada madrinha aparecer com a sua varinha mágica e disser que me satisfaz dois desejos, eu peço que todos os angolanos vivam acima do limiar da pobreza. E que coloquem na Mutamba uma estátua da empresária Isabel dos Santos. Ali acabou a entrevista. Muito obrigado, o nosso tempo acabou. Já com o microfone fechado mandei-os para a puta que os pariu. Sou um rapaz simpático e cordato mas às vezes tenho mau feitio.

Meses mais tarde fui convidado para, com outros profissionais, falar das minhas experiências como correspondente de guerra. Na fase das perguntas e respostas, um amigo de longa data pediu-me que explicasse como é a corrupção em nAngola. Respondi:

Angola é um Estado neófito nisso da corrupção. O MPLA enquanto partido maioritário e por isso governo, resistiu a tremendas pressões para os seus deputados aprovarem uma Lei que impedisse os titulares dos órgãos de soberania de terem negócios privados. Muito bem! Os EUA são o país mais corrupto do mundo porque usam esse estratagema. Assim todas as negociatas passam para os “lóbis” e faz-se tudo por baixo da mesa.

Em Angola, deputados, membros do governo, agentes do Poder Judicial podem ter os seus negócios. Ainda bem. Assim todos sabemos o que se passa. Lá onde isso lhes é vedado, arranjam testas de ferro e é um fartar vilanagem. Pelo conhecimento que tenho da vida e do mundo, Angola é o país menos corrupto que conheço. Os corruptos angolanos conhecidos e sinalizados são poucos. Contam-se pelos dedos de uma mão. Esta é a minha percepção.

Em Angola acontecem coisas estranhas mas é tudo ao nível de brincadeiras de infantário. Aquela senhora da recuperação de activos e o General Hélder Pita Grós comeram a UNITEL e a ZAP. As empresas dão lucros. Alguém sabe para onde vai esse dinheiro? Ninguém. Os Media públicos deram espaço e tempo de antena à chegada do grupo HIlton a Angola. Alguém sabe o que aconteceu às duas redes hoteleiras do empresário Carlos São Vicente? Ninguém.

O empresário Carlos São Vicente foi espoliado da sua posição accionista no Standard Bank, 49 por cento. Agora é o Estado que fica com os lucros. No ano passado, rendeu milhares de milhões. Onde está o dinheiro? Ninguém sabe. Este ano vai pelo mesmo caminho. Alguém sabe quanto vai render aos cofres públicos? Ninguém.

Mas eu sei. Sempre que Dona Vera Daves aparece em público com nova toilete caríssima, óculos e penteados a condizer, paga o Standard Bank que agora é uma espécie de saco azul às riscas da tutela. Sempre que Dona Vera aparece com novos gestos teatrais aquilo custa uma fortuna. Os seus mentores de comunicação e imagem cobram principescamente. Regiamente. Como sultões ou califas. Isto é corrupção? Claro que sim. Mas a um nível muito rasteiro.

A um nível bem mais elevado estão as sucessivas visitas do mobutista Tulinabo Mushingi ao Palácio da Cidade Alta. Ainda ontem esteve de novo à conversa com o Presidente João Lourenço. Os Media disseram que a visita se deveu à necessidade de analisar “o estado das relações bilaterais entre Angola e os EUA, nos mais variados domínios”. Citaram informação oficial da Presidência da República. 

Isso mesmo. Muitos domínios. Tantos que o mobutista que representa em Luanda o estado terrorista mais perigoso do mundo já foi mais vezes ao Palácio da Cidade Alta do que todos os outros embaixadores juntos. E alguns representam países que têm mesmo cooperação e projectos importantes com Angola. Alta corrupção? Nem média. Apenas rasteira.

Aquilo do combate â corrupção é um filme cómico. Os Media ao serviço do Miala vendem os bilhetes para o espectáculo e no fim ficamos todos à rasca para comprar fuba, arroz, peixe e óleo. Também não se pode querer tudo. Malembe-malembe. Uma coisa de cada vez. 

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana