PORTUGAL
Foi tão renhida a discussão no Conselho de Estado sobre as soluções para a crise que acabou para caber a Marcelo desempatar, a favor da ideia de eleições antecipadas (em 10 de março). Os socialistas presentes votaram contra e também Eanes. Costa propôs Centeno para primeiro-ministro
Não fosse a escritora Lídia Jorge ter deixado a reunião (na qual participava em vídeo conferência) antes da votação final para ir receber um prémio e teria havido esta quinta-feira uma maioria no Conselho de Estado contra a dissolução (9-8), o que isolaria ainda mais a decisão em sentido oposto que o Presidente da República assumiu: dissolver o Parlamento após a aprovação final do OE2024 e marcar eleições legislativas para 10 de março.
Assim, ainda com uma outra ausência (que o DN não conseguiu identificar), os 18 membros do Conselho de Estado ficaram em 16 e o empate foi de 8-8. Entre os oito votos contra a dissolução estiveram, evidentemente, os dos quatro militantes do partido presentes no Conselho de Estado (Costa, Carlos César, Augusto Santos Silva e Manuel Alegre) mas também, entre outros, segundo o DN apurou, o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, e ainda o presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes.
Foi o próprio Presidente da República quem esta quinta-feira, depois da reunião terminar, revelou que se tinha verificado um empate na deliberação (não vinculativa) que o Conselho de Estado foi chamado a tomar. Verificando-se esse empate, a responsabilidade da decisão final foi assumida a cem por cento pelo Presidente da República. "[Convoco as eleições] depois de ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho de estado, como impunha a Constituição. Os primeiros, claramente favoráveis. O segundo, com empate. Portanto, não favorável à dissolução. Situação, aliás, que já ocorrera no passado, com outros Chefes de Estado. Fi-lo, portanto, por decisão própria no exercício de um poder conferido pela Constituição da República Portuguesa", disse o Presidente, na comunicação ao país que fez depois da reunião.
O dito empate revela como o PS insistiu forte no Conselho de Estado em defesa da tese de que a crise suscitada pela demissão de António Costa se poderia resolver não com eleições antecipadas mas sim com a nomeação de um novo Governo com um novo primeiro-ministro indicado pelo PS e ainda no quadro da atual maioria parlamentar. Costa empenhou-se a defender essa solução e pôs um nome em cima da mesa: Mário Centeno, governador do Banco Central, invocando não só a sua experiência governativa (como ministro das Finanças) como a sua experiência internacional (foi presidente do Eurogrupo, o órgão da UE que junta os países do euro). Ao primeiro-ministro ainda em exercício juntaram-se outros socialistas e um argumentos usados foi o de que esta solução seria, no contexto de instabilidade internacional, a mais estável para o país - argumentos que depois do Conselho de Estado retomaria, ao chegar à sede do PS para uma reunião da Comissão Política do partido.
Pressão sobre a justiça
Depois do Conselho de Estado, Marcelo iniciou a sua comunicação ao país começando por salientar o inédito desta situação: "Pela primeira vez em democracia, um primeiro-ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas a investigação em curso, respeitante a terceiros, uns seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo, a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça." E a seguir acrescentou rasgados elogios a António Costa, tanto pela forma como exerceu os seus mandatos de primeiro-ministro como pela forma como na terça-feira se decidiu demitir, depois de saber do seu envolvimento no tal inquérito-crime: "Quero sublinhar a elevação do gesto e da respetiva comunicação aos portugueses. Quero, também, testemunhar o serviço à causa pública, durante décadas, em particular nos longos e exigentíssimos anos de saída do défice excessivo, saneamento da banca, pandemia e guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, na chefia do Governo de Portugal." No final destas referências, pôs pressão no sistema judicial: "Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático."
"Não ter medo do povo"
Marcelo revelou na comunicação as cinco razões que o levaram - como há vários dias se antecipava - a dissolver o Parlamento (ou seja: a convocar eleições antecipadas) e a fazê-lo aguardando que no final do mês o Parlamento aprove o Orçamento do Estado para 2024.
Invocou "a natureza do voto nas eleições de 2022, personalizado no primeiro-ministro, com base na sua própria liderança, candidatura, campanha eleitoral, e esmagadora vitória" (argumento que Costa rejeita, de resto , dizendo que no boletim de voto está "a mãozinha do PS e não a cara do António Costa"). Depois a "fraqueza da formação de novo Governo com a mesma maioria, mas com qualquer outro primeiro-ministro, para tanto não legitimado política e pessoalmente pelo voto popular". E ainda "o risco, já verificado no passado [referência à sucessão de Durão por Santana em 2005], de essa fraqueza redundar num mero adiamento da dissolução para pior momento", sendo que seria "um Governo presidencial, isto é, suportado pelo Presidente da República" e tendo "o Presidente da República como um inspirador partidário", acabando "tudo a enfraquecer o papel presidencial".
As outras duas razões foram "a garantia da indispensável estabilidade económica e social que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser formalizada a exoneração do atual primeiro-ministro, em inícios de dezembro", indo a aprovação do Orçamento "ao encontro das expectativas de muitos portugueses, e acompanhar a execução do PRR, que não para, nem pode parar, com a passagem de Governo a Governo de gestão, ou mais tarde com a dissolução da Assembleia da República" e ainda uma "maior clareza e mais vigoroso rumo para superar um vazio inesperado, que surpreendeu e perturbou tantos portugueses, afeiçoados, que se encontravam, aos oito anos de liderança governativa ininterrupta", isto é, devolvendo assim a palavra ao povo" e fazê-lo "sem dramatizações nem temores" porque "é essa a força da Democracia: não ter medo do povo."
Galamba na corda bamba
Depois do Conselho de Estado, Costa foi para a sede do PS. Ao chegar, interpelado por jornalistas, confirmou que indicara Mário Centeno para chefiar um novo Governo do PS.
Ao mesmo tempo, respondendo a uma pergunta, indiciou que o lugar de João Galamba como ministro das Infraestruturas - e agora arguido no processo "Influencer" - pode estar a dias de cessar: "Fique de falar com o senhor Presidente da República sobre esse assunto."
João Pedro Henriques | Diário de Notícias | Imagem: O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, ontem, no Conselho de Estado / © Paulo Spranger/Global Imagens
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