Pedro Tadeu
Faz-me muita impressão ver pessoas, que também percorreram o caminho que levou o Global Media Group à ruinosa situação atual, gente que, entretanto, já tinha saído da empresa antes de estalar a mais recente crise, não se coibir agora de circular por aí a perorar sentenças moralistas, como se não fosse, também, responsável pelos anos e anos de degradação que trouxeram até aqui a companhia que publica este Diário de Notícias.
Não compreendo que quem lá teve algum poder no passado - fosse acionista, administrativo, publicitário ou jornalista, fosse para tomar a decisão da venda de um prédio, para lançar um despedimento coletivo, para fechar uma publicação, para abrir outra, para negociar um contrato de patrocínio ou para decidir qual a notícia que se publicava - se porte desta maneira. Todos falharam.
Eu sinto-me responsável: entre 2000 e 2020 ocupei múltiplos cargos de chefia e de direção nessa empresa. Deixei-a por querer ir fazer outras coisas e por já não querer fazer as coisas que ali me pediam para fazer. Mantive-me a escrever no DN por simpatia da casa e por ter simpatia pela casa. Não posso, porém, olhar para trás, para o tempo em que fui ali empregado, para o que fiz, não fiz, deixei fazer ou não deixei fazer, e estar de consciência tranquila face aos atuais salários em atraso de quem lá trabalha e à possibilidade, até, de se chegar a uma eventual falência e ao fecho de marcas de jornalismo que fazem falta ao futuro do país.
É por isso, por não ter a consciência tranquila, repito, que estou caladinho e não ando a dar opiniões “de cátedra” sobre o que devia ou não devia ter sido realizado no Global Media Group.
A única coisa, agora, que acho que me compete fazer, que me parece ser decente fazer, é apoiar a luta dos trabalhadores desta casa com tudo aquilo que puder, mas deixar as opiniões, as exigências, as suspeitas, as reivindicações, as análises, as discussões, as críticas para quem lá está.
Não tenho dúvidas sobre quem devo apoiar: estou do lado, claro, dos trabalhadores do Global Media Group. É por isso que não tenho também dúvidas de que, sobre o futuro e o passado do Global Media Group, as únicas apreciações que me parecem pertinentes são as dos que ainda lá estão, os que resistem, os que não desistem, os que permitem que todos os dias haja informação nos sites, na rádio e nas publicações em papel da companhia.
Espero que nenhuma decisão sobre o futuro do Global Media Group seja tomada sem o envolvimento efetivo destes resistentes trabalhadores.
Eu, reduzo-me à minha insignificância, coíbo-me de arrogâncias patetas e de tiradas bacocas, mas também não quero que pensem que sou indiferente ao que se passa.
Quanto ao resto...
Não compreendo por que é que as
instituições estatais com competência na matéria não atuaram já de forma a
garantir os pagamentos de salários a estas pessoas. Dizem-se preocupados e...
nada mais.
Não compreendo que haja uma inspeção da Autoridade para as Condições de
Trabalho que resulte numa multa, num processo inconsequente e... nada mais.
Não compreendo que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ande desde setembro (ou antes, sei lá...) a procurar, sem sucesso, respostas burocráticas da atual administração do Global Media Group, ameaçando-a de suspensão e... nada mais.
Não compreendo que o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, se manifeste contra apoios específicos ao Global Media Group para não “desvirtuar o funcionamento do mercado” e... nada mais.
Não compreendo que vários protagonistas do Global Media Group tenham ido à Assembleia da República lançar, reciprocamente, suspeitas graves sobre outros protagonistas do Global Media Group e... nada mais.
Não compreendo que a luta entre acionistas no Global Media Group se desenrole da forma e no conteúdo que se tornou público e o poder político e judicial olhe para ela e... nada mais.
Não compreendo nada. Mas percebo que neste país a relação de forças entre trabalho e capital esteja, como a situação do Global Media Group demonstra, demasiado desproporcionada - quando as coisas correm mal, as leis e os hábitos sociais criados nas últimas décadas deixam os trabalhadores completamente desprotegidos, são eles que se tramam, enquanto, do outro lado, não é bem assim, nunca é bem assim...
Viva o 25 de Abril!, diziam.
* Jornalista
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