Artur Queiroz*, Luanda
O 4 de Fevereiro é a matriz da Revolução Angolana. Os combatentes que no ano de 1961 enfrentaram a máquina de repressão colonial uniram-se num amplo movimento que brotou da Imprensa Livre, nascida no dia 6 de Dezembro de 1866, quase um século antes, quando começou a circular em Luanda o primeiro jornal de independentistas.
Os fundadores foram os advogados António Urbano Monteiro de Castro, Alfredo Júlio Cortês Mântua, João Feliciano Pederneira, comerciante de Pungo Andongo, Feliciano da Silva Oliveira, comerciante de Cambambe e Francisco António Pinheiro Bayão, funcionário público, de Luanda. O título era “A Civilização da África Portuguesa” e o subtítulo “Semanário dedicado a tratar dos interesses administrativos, económicos, agrícolas e industriais de Angola e S. Tomé”
Angola no final do século XIX tinha 59 jornais. Em Luanda foram editados 49, seis em Moçâmedes (Namibe), dois em Benguela e um no Ambriz. Em todos os periódicos da época existiam jornalistas africanos, até porque os filhos da burguesia negra caprichavam no domínio da língua portuguesa e quase todos tinham estudos primários, secundários e até universitários. Entre os jornalistas africanos do século XIX merecem destaque João da Ressurreição Arantes Braga, José de Fontes Pereira, Pedro da Paixão Franco, Sant’Anna Palma, Júlio Lobato e Augusto Bastos.
O jornal “Echo de Angola” (12 Novembro de 1881) foi o primeiro exclusivamente propriedade de angolanos e cuja Redacção era composta também por jornalistas africanos. Entre os seus redactores estava José de Fontes Pereira, justamente considerado um mestre do jornalismo luandense do último quartel do século XIX.
Arantes Braga, um angolano negro, é fundador do jornal “Pharol do Povo”, subtítulo “Folha Republicana”. Foi o primeiro jornal de Angola que em plena monarquia, numa fase de tremenda repressão, se declarou defensor dos ideais republicanos. É considerado o mais arguto jornalista africano na produção de jornalismo político.
Júlio Lobato era igualmente um jovem e talentoso jornalista que começou a sua carreira profissional na Imprensa Livre do último quartel do século XIX. Explodiu nos primeiros anos do século XX e em 1908 fundou o jornal “A Voz de Angola” que tinha como legenda “Libertando pela Paz; Igualando pela Justiça; Progredindo pela Autonomia”. O Nacionalismo Angolano afirmou-se impulsionado pela Imprensa Livre, o fabuloso mosaico cultural angolano, pelos marxistas mas também pelos movimentos messiânicos. O MPLA conseguiu que o amplo movimento se transformasse numa ampla aliança de classes. Explodiu na madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961.A matriz do 4 de Fevereiro foi sempre seguida pela direcção do MPLA durante a Luta Armada de Libertação Nacional. Todos os desvios foram condenados à derrota. Os valores revolucionários permitiram vencer a guerra no período de transição, entre o 25 de Abril de 1974 e a Independência Nacional. Assim foi possível chegar vitoriosamente ao 11 de Novembro de 1975.
A realidade tem mostrado que a unidade nacional entra em crise quando nos afastamos da matriz revolucionária do 4 de Fevereiro. Hoje vivemos em pleno afastamento. Perigosamente.
Em meados de 1975, quando o Povo Angolano travava Grandes Batalhas pela Independência Nacional, o trovador Zeca Afonso cantou: Imperialismo não passará! Colonialismo não passará! Veio das matas o Homem Novo do MPLA. E homenageou u os Heróis e as Heroínas do 4 de Fevereiro. Hoje o Homem Novo faz vénias ao Antony Blinken e deixa desfilar o imperialismio como se fosse da nossa Grande Família. Como estamos em festa há que ver as coisas pelo lado positivo. Se ainda estamos vivos, se ainda nos indignamos, se ainda criticamos é porque a vida dos sonhos não é assim tão breve como parece.
E depois resta sempre uma certeza absoluta, indesmentível: A luta do Povo é invencível. Dito à nossa maneira: A Vitória É Certa!
Esperemos que a Agenda Política do MPLA para este ano tenha inscrito o regresso aos valores da Revolução Angolana.
Hoje deixo-vos com esta trova do poeta Sungwangongo Malaquias:
O meu pai prometeu-me a liberdade dos kipites
nos pastos abundantes de Ambaca
e eu só queria as asas das colinas de Katunda,
mais que o céu dentro da terra
muito melhor que nós na nossa casinha de adobe
ouvindo a chuva ribombar no telhado de zinco.
O meu pai morreu expatriado
longe, muito longe da amada liberdade
distante das picadas do Kimbele
onde permutava salalas de bombô.
Prometemos aos nossos filhos
que seriam tão livres
como o movimento do Sol
nos caminhos da nossa Pátria
tão amados como o luar
nos morros do Kanakajungo.
Os nossos sonhos dourados
afogaram-se na baía do Ambriz
enquanto a Lua se espraiava
pelos nossos olhos enamorados
e nos poros dos corpos saciados.
Apenas demos aos nossos filhos
o canhão e a fortaleza
e uma luz tristonha manchada de sangue.
Nós perdemos a vida
antes de perdermos a esperança
perdemos o silêncio
antes do troar dos canhões
e apesar disso adormecemos
ao som das canções de ninar
na voz triste de Mamãs dolorosas
na esperança de nunca mais acordar.
Fomos à guerra com o peito nu
e o coração ao vento
como as velas de um dongo transpondo marés
e nunca mais regressámos, nunca mais.
Tu Liberdade prometias tanto amor no fundo dos olhos
tanta ternura no voo suave das tuas finas asas
e ficámos às portas do Sol enxugando lágrimas.
Perdi-me num mar de destroços
e quero estar assim perdido
na vala comum da agonia e do luto
nas cidades atoladas em sonhos desfeitos
nestes monturos de restos humanos.
* Jornalista
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