Artur Queiroz*, Luanda
Primeiro as coisas boas. Aos crentes desejo uma boa Páscoa. Neste período aproveito para fazer biscates numa grande gráfica que fica com défice de pessoal. Dinheirinho para dar ao dente. Não sou crente e confesso-me um nadinha anticlerical. Meu avô Domingos José emigrou para os EUA com 14 anos. Já adulto juntou-se aos anarquistas de Chicago, quase todos italianos. A ala portuguesa inventou este hino com música de marcha marcial: “Trabalhador/Nunca entres na igreja/Os santos são de pau/Não têm valor/ Valor dá somente/A quem moureja”. Mourejar é trabalhar sem descanso!
O padre Samuel era capuchinho.
Longas barbas, bata castanha, gestos afectuosos. Voz suave. Conheci-o na Missão
do Negage
Segundo Acto. Algum tempo depois fui arrastado para uma tragédia amorosa. A Miss Maianga, antes de ser rainha de beleza foi minha namorada. Depois da coroa, casou com um capitão tropozoide. O bicho quando ia para o mato em operações militares, dava-lhe murros nos olhos para ela não sair de casa. Cansada de levar tantos bornos no belíssimo rosto, pediu-me socorro. Resgatei-a. Tinha acabado de receber dinheiro extra da publicidade redigida e fomos alugar uma casa no Bairro do Café. O senhorio pediu-nos o bilhete de identidade. O dela dizia casada e o meu estado civil era solteiro. O energúmeno recusou-nos o ninho de amor.
O padre Samuel vai salvar-nos. Fui à Missão de São Paulo e pedi-lhe uma certidão de casamento em nome dos dois. Ela tinha casado lá, era só mudar o nome do tropozoide para o meu. O bom capuchinho olhou-me como quem vê um desenterrado. Grande Pecado! Isso é grande pecado! Depois passou a mão em cruz à frente do meu rosto e disse: Estás perdoado meu filho! Foi o Zé Família, ateu e defensor da Independência Nacional, que me arranjou um bilhete de identidade onde estava escrito casado. Salvei a miss Maianga do capitão tropozoide, Mas desacreditei dos padres, mesmo os que admirava. (Cai o órgão e toca o pano)
Terceiro acto. Mais tarde recuperei a confiança no Clero. Fui ao Huambo tratar de assuntos familiares. O Luís Filipes Colaço pediu que lhe levasse para Luanda uma certidão narrativa completa de nascimento. O Zé Cunha Velho deu-me um contacto nos serviços. Mal cheguei ao bairro São João estoirou um tiroteio nutrido. Os sicários da UNITA tinham começado a matar quem não tinha cartão do movimento. E executaram todos os militantes e dirigentes locais do MPLA que não fugiram a tempo. Quando o tiroteio acalmou fui a correr ao cartório pedir a certidão do Colaço. Novos tiroteios. O meu parente Lotas avisou muito nervoso: Foge daqui que os kwachas foram procurar-te a casa da Mamã Rosa!